O fim de Lost por Tiago Superoito

Sempre vou lembrar de três professoras de português.

Uma delas dizia: “Tiago, não comece uma história sem saber como terminar”. Eu, sete anos de idade, já era craque em parágrafos desregrados. Fluxos e mais fluxos de consciência. E ela me alertando, em agonia: menino, se ampare em vírgulas!, pontos finais são salva-vidas muito úteis! Muito teimoso (antes e hoje, sempre), nunca aprendi nenhuma dessas lições. Escrevo sem cuidado ou itinerário.

Lost highway.

A outra professora, que era a própria Afrodite, tentou me ensinar tantas fórmulas, truques, tantas manhas de redação! Tantas dicas que me salvariam de tantas gafes! Não ficou quase nada. Só uns flashes: o rosto rosado, a franja sobre os aros redondos dos óculos, a voz agudíssima (um terror) e o conselho: ”na literatura, Tiago, tudo é possível”. E meu coração inflava: ah. Ela estava certa ou estava errada? Nunca nem refleti sobre o assunto. O que fiz foi acreditar, e acredito: no papel, tudo é possível.

A terceira e mais intrigante, cansada dos meus delírios imaturos, me orientou: “Termine o texto da forma como quiser, Tiago, mas com beleza“. Eu não entendi. A ideia sempre me pareceu um mistério e, no mais, eu terminaria os meus textos como eu bem entendesse. Tudo é possível, tudo é possível. Eu era (sou) um cabeça de pedra. Mas depois, anos e mais anos depois, entendi o que ela queria dizer: eu deveria terminar meus textos com graça e elegância, como quem se despede de alguém que se ama.

Também não me vejo cumprindo essas formalidades. Mas, desde que me entendo por leitor, sempre me assombro com os desfechos extraordinários. Os desfechos iluminados. Belos ou feios ou chocantes ou abruptos e antipáticos. Tanto faz. Dizem que os primeiros parágrafos são atestados de inteligência e bom senso. Sempre preferi as conclusões.

Quando passo das cem páginas de um livro, me apresso para saber como ele vai terminar. Não me interessa exatamente o destino dos personagens. Quero saber como o livro termina. Como. Com que frase, adjetivo, interjeição, pensamento ou provocação. Um ponto final nunca é igual a um outro.

Voltei a pensar nessa minha mania quando ouvi os comentários sobre último capítulo de Lost. Os comentários dos outros e os meus comentários. Todos apaixonados, agressivos, furiosos, já que séries duradouras de tevê são como bandas de rock ou times de futebol. Nos afeiçoamos a elas. Dê três temporadas, apenas três temporadas, e elas grudarão na nossa parede feito fotografia de infância.

Um parêntese que explica a minha relação com séries: comecei a ver Lost ainda na primeira temporada, a contragosto. Minha namorada gostou e eu fui atrás. No início, me pareceu um show oportunista, mix de Survivor com Arquivo X. Nada especial. Na segunda temporada, eu já associava as aventuras de Jack, Sawyer e Locke ao jeito como a minha namorada deitava a cabeça no meu colo enquanto assistíamos aos episódios. Ao perfume, ao sofá da casa, ao barulho do ar condicionado. Na sexta edição, cada um dos capítulos me trouxe saudades dela, que hoje mora em outra cidade. Em mim, o seriado se transformou em uma espécie de souvenir, polaroide de uma época que passou.

Meio forte. E você entende?

Escrevi esse parêntese só para ilustrar como às vezes nos conectamos a esses programas muito tolos de tevê. Lost não é irrelevante, eu sei: poucas séries souberam brincar tão graciosamente com o tempo. Pretérito, presente do indicativo, futuro imperfeito. Muito se falou sobre os mistérios da ilha onde o avião da Oceanic se espatifou, mas o que me deslumbrou foi o jogo narrativo. Os flashbacks, flashforwards e flashsideways, soltos no ar.

Os fãs têm uma relação extremamente passional com a série, a série é só deles, e entendo a origem desse fogo. Tem muito a ver com a cumplicidade que sentimos em relação aos nossos ídolos pop. Confiamos neles. Torcemos para que, em retribuição, eles nos sejam fiéis. Perdoamos tropeços. E, nas situações mais trágicas, reconhecemos que eles nos deixaram de coração partido.

Sem querer ser piegas, mas a season finale de Lost partiu o coração deste fã aqui.

E acho que por um motivo que me leva aos desfechos brilhantes de livros que amo: não há encanto, elegância, graça ou inteligência nessa conclusão. Pior: é uma conclusão translúcida, banal como um show barato de mágica. Deixo de me deslumbrar quando descubro por que o coelho sai da cartola.

Eu acreditava – mesmo com todos os indícios de erro – que os roteiristas-ilusionistas seriam capazes de me assombrar. Mas aí a culpa é de quem? Minha, que esperava muito? Ou da série, que me ofereceu tão pouco?

Ou ninguém é culpado e o divórcio é amigável?

Não me pergunte. O curioso é que reagi às patetadas do episódio como um fã de rock que, num belo dia, recebe a notícia de que o ídolo decidiu se despedir do showbusiness com um disco ultraóbvio de canções natalinas.

The end me parece, sob todos os aspectos, um disco ultraóbvio de canções natalinas. Um episódio que nos chantageia, nos maltrata, nos subestima. Uma tortura em dó maior. Compartilho, até instintivamente, da irritação de alguns fãs: seis anos e isso? É muito tempo. Conheço gente que mudou três vezes de emprego nesse período de tempo. E os enigmas que não se resolveram? E os números? E o projeto Dharma? E os monumentos de pedra? E o Walt, coitado? E o nosso futuro?

Séries de mistério são quase sempre uma armadilha. Veja o caso de Arquivo X. O vilão é o tempo, sempre ele. O suspense é prolongado excessivamente, a multiplicação de subtramas deixa inúmeras pontas soltas nos roteiros, a mitologia vira um fardo e toda tentativa de encontrar soluções para os enigmas da trama soam simplórias, apressadas. Estava escrito: Lost só agradaria à maior parte dos fãs se terminasse com um desfecho imprevisto e emocionante que nos fizesse repensar a nossa existência no planeta e os rumos da ficção.

Mas o que nos resta é um roteiro de Damon Lindelof e Carlton Cuse.

Entendo que, para a dupla, deve ter sido uma jornada ainda mais complicada que a nossa. Imagine isso, conviver com todos esses personagens, definir os destinos de cada um deles. E pensar em malabarismos formais para espantar o nosso tédio e alimentar a nossa fome de fantasia. Deve ter sido dose. E mais: escrever um episódio-evento, um arranha-céu para a noite de domingo, atração imperdível para todas as idades e crenças. Quase uma mini-final de superbowl. Imagino que até eu, na pele deles, sentiria a obrigação de simplificar um pouquinho as coisas.

O episódio final de Lost, talvez aprisionado nesse jogo de pressões, soa tão singelo e descomplicado quanto o episódio-piloto. Perto dele, a quinta temporada fica parecendo um supletivo de física quântica. Há duas linhas narrativas: uma delas, sobre a luta do bem (Jack) contra o mal (Locke) na ilha da fantasia; a outra, sobre antigos amigos que se reencontram numa realidade movediça, onde os desejos aparentemente se realizam. Para o “leigo”, soa como uma ficção científica sentimental com a assinatura do protagonista de Dawson’s creek.

Já para os “fiéis”, trata-se de uma big despedida. A realidade “alternativa” mostra-se uma desculpa para uma reunião de elenco. A cada trombada dos personagens, flashbacks velozes pipocam na tela e nos fazem lembrar de todo o tempo que gastamos com a série. Caiu uma lágrima, arrancada pela útima tecnologia em chantagem sentimental.

Na ilha, a arquitetura do roteiro revela-se ainda mais grosseira. Um hipopótamo. Personagens correm para salvar o mundo, matam uns aos outros, provocam terromotos e tempestades, mergulham numa caverna dourada, manipulam uma rolha gigante (!) e resumem todos os dramas da série a uma perseguição de Tom vs. Jerry. O mocinho mata o vilão, beija a mocinha e se sacrifica por uma causa que ninguém sabe dizer se é nobre ou não. Whatever. Está claro que os roteiristas querem encerrar logo a epopéia e ir ao que interessa: a realidade paralela, onde tudo termina bem.

O que me incomoda (e aí aparecem os fios da narrativa e a picaretagem do empreendimento) é que esse tempo paralelo que tanto interessa aos roteiristas é uma criação da sexta temporada. Um truque de última hora inventado para nos surpreeender. Me pergunto se Damon e Carlton não poderiam ter encontrado uma surpresa aterradora sem abandonar o Grande Esquema das Coisas – isto é: dentro da ilha.

Mas, novamente, saquei a estratégia. Os roteiristas tentaram usar uma das teorias mais difundidas entre os fãs (a de que todos os personagens estavam mortos) de uma forma que os enganassem (já que não é a ilha o purgatório, mas a “realidade alternativa”). Uma tentativa interessante. Mais curioso ainda é como, neste finale, os roteiristas invertem nossas expectativas: a ilha é o mundo real, enquanto que Los Angeles vira a cidade dos sonhos.

Fico muito satisfeito quando penso que os roteiristas realmente refletiram sobre tudo isso. Mas duvido muito que isso tenha acontecido, já que o episódio todo é desenvolvido com as fórmulas mais apelativas de dramalhões religiosos. Quando descobrimos que os personagens estão à caminho do céu – eles se reencontraram e, por isso, têm direito à liberação -, é inevitável pensar que a grande lição da série é algo como “a vida é uma aventura, mas o melhor está por vir.”

O que, para mim, é uma filosofia abominável. Eu é que não vou ficar esperando pelo dia em que a porta da minha igrejinha particular vai abrir. Não. Mas, ainda que eu tenha me decepcionado com a série também por conta disso (sério, Damon e Carlton, leiam qualquer textinho do Carl Sagan e entendam que a vida às vezes não faz sentido e é bonita mesmo assim!), não é, repito, o que mais me frustrou no desfecho. É que parece ter faltado aquele elemento misterioso que separa os livros inesquecíveis das bobagens de autoajuda, aquele toque sobrenatural que nos enche de entusiasmo, nem que por alguns minutos. Que renova a nossa fé na literatura.

Quando leio um bom livro ou vejo um bom filme, quero viver mais.

Com este episódio de Lost, meu único desejo: esmagar o televisor. Fulo e bronco feito um hooligan. Meus ídolos! Lembrei da minha professora: tudo é possível. E da outra: escreva desfechos com beleza. Depois, mais calmo, tentei me convencer de que o errado sou eu. Esta é a conclusão que soa bela para quem a escreveu. Eu é que não deveria ficar sonhando os sonhos dos outros.

End credits. Hora de acordar.

* Tiago publicou este texto em seu blog.

O fim de Lost por Vanessa Medeiros

Quem passou boa parte da última semana roendo as unhas de ansiedade pelo último episódio de Lost se enganou. A série das grandes perguntas nunca foi a série das grandes respostas. E, por isto, boa parte dos fãs da atração, que encerrou sua jornada no último domingo, dia 23, se decepcionou com o capítulo final, exibido no Brasil dois dias depois pelo canal pago AXN.

Isto porque, se Lost passou seis anos fazendo perguntas, nunca prometeu respondê-las. Foram seis anos exatamente explorando este tipo de ficção mais interessante do que o simples, o linear, o texto com começo, meio e fim. Mas, ao sofisticar sua narrativa na medida em que as temporadas saíam do forno, Lost incorreu em outro erro: o da massificação de uma proposta que não atende o interesse das massas.

Quando deu seu pontapé inicial, lá em setembro de 2004, a premissa era a seguinte: um grupo de 48 passageiros de um avião cai em uma ilha em um ponto qualquer do Oceano Pacífico. E estes sobreviventes precisam lidar com as necessidades óbvias de um acidente nestas proporções – encontrar água, comida e um abrigo no meio da floresta. O problema é que esta floresta não é muito amigável. Já nos primeiros episódios, descobre-se um urso polar no meio da selva tropical e um monstro de fumaça que intrigou a todos por muitas temporadas.

A tal premissa atraiu todo e qualquer telespectador com uma queda por histórias de suspense, o que não é pouca coisa. A movimentação em torno da série veio daí: do desejo que o consumidor mediano de ficção tem de, já que uma pergunta foi feita, que ela seja respondida. Mas, como diz o brilhante detetive Hercule Poirot em praticamente todos os livros de Agatha Christie, você está lendo muitos romances baratos, meu caro.

Lost, se ainda não ficou claro, não é um romance barato de detetives. O que os criadores da série querem aqui não é construir uma narrativa que subestime o telespectador. O objetivo é exatamente instigar seu poder dedutivo e, mais do que isso, celebrar alguns dos temas mais explorados pela ficção universal. Daí o embate entre o bem e o mal, a criação do mundo, a essência do humano, o misticismo em torno dos objetos e dos seres, todos elementos que marcaram a série desde o começo, mas que foram se intensificando ao longo das temporadas.

Aquele fã de Lost que se interessou apenas pela premissa, pelo suspense, pela vontade de observar como um grupo de sobreviventes deixaria uma ilha depois de um acidente de avião, não cabe na frente desse tipo de TV. No dia seguinte à exibição, escutei de pelo menos quatro pessoas diferentes, no trabalho, na rua, entre os amigos, a pergunta: “Então, me conta, afinal o que era a ilha?”

E comecei, a partir daí, a pensar se é um problema meu ou se o mundo está mesmo sofrendo de uma falta crônica de imaginação. A ilha era um lugar sobrenatural, mágico, com poderes curativos e alta densidade de energia magnética. Se você não aceitou essa resposta, você está sofrendo da tal falta crônica de imaginação. Ficção, fantasia, não precisa ter correspondente na realidade, trazer tudo para um mundo verossímel e simplista. A boa ficção, na verdade, tem o dever de fugir desse caminho com a alma. De fazer você se esforçar para sair da mesmice do reconhecível, do perfeitamente possível, e se aventurar no mundo do absurdo, do intangível.

Mas uma ficção nesse nível não foi feita para a massa. Não é blockbuster, não é para ser consumida com rapidez, mastigada e cuspida fora com o mesmo desprendimento. Assistir a Lost é abrir mão de pegar o controle remoto logo em seguida e passar para o próximo canal. É parar na frente da tela por mais dois minutos, e pensar no que ficou ali. É entender, principalmente, que o mundo não é linear e bonitinho e cheio de pontas ligadas e conectadas no final. Existe um modelo de ficção que circula por aí que diz que o certo é contar uma história com começo, meio e fim. Por séculos, qualquer coisa que fugisse desse modelo estava errado, era atirado na fogueira. Livrar-se dessa amarra é, no entanto, uma das principais vantagens que um escritor tem naquilo que a gente chama de modernidade. Conhecer o modelo e superá-lo é tarefa para poucos, e não pode ser gratuita.

Lost contou a história da experiência humana, como todo mundo por aí tem tentado fazer. Imaginação é fazer isso através de um conjunto de histórias fabulosas, fantásticas, literárias, ao invés de me apresentar uma minissérie HBO sobre a Idade da Pedra. É fazer um tratado sobre a circularidade do tempo enquanto joga elementos quase despretenciosos aqui e ali durante seis temporadas. É deixar pontas soltas porque a vida não amarrou todas elas. Boa parte da literatura moderna surge a partir de um grupo de pensadores que descobriu que não há coerência em ser coerente. Aviso novamente àqueles que não prestaram atenção: a vida não amarra pontas.

Se você não gostou de Lost, é um direito seu. E é um direito meu ficar preocupada com as críticas que andei lendo por aí. De fãs de todos os cantos revoltados porque as perguntas não se fecharam, porque a história não foi simples e fácil de engolir. Porque foi sobre personagens, sobre pessoas. Leia de novo: telespectadores criticando Lost porque foi uma história sobre pessoas, rumo que, era só prestar um pouquinho mais de atenção, estava anunciado desde o começo, seja na direção de J.J. Abrams da primeira temporada seja na sensível trilha sonora de Michael Giacchino.

Uma antiga professora minha dos tempos de faculdade costumava brincar que, daqui a pouco, os pais não iriam mais ler Chapeuzinho Vermelho para seus filhos porque lobo não fala. É uma anedota, um exagero, que explica bem o motivo da minha preocupação. Um mundo que não consegue dar valor à ficção e não consegue admirar o prazer de se contar uma história só por ser contada é um mundo que não precisa de escritores. Daí meu manifesto. Viver Lost foi a minha maneira de reconhecer o poder transformador das coisas que não existem.

* Vanessa publicou este texto em seu blog.

O fim de Lost por Felipe Venetiglio

Quando Lost começou em setembro de 2004, a internet era bem diferente. O Facebook ainda tinha um “the” na url e ainda era restrito a estudantes de ensino superior e médio dos EUA, Twitter estava longe de existir, YouTube ainda demoraria mais seis meses para entrar no ar e o Google tinha acabado de fazer seu IPO. Mudou muito a internet e, com ela, os hábitos dos seus usuários.

E é com uma ferramenta do próprio Google que a gente pode ter uma ideia das mudanças de comportamento que aconteceram em paralelo com o desenrolar da série. O gráfico acima mostra uma tendência interessante. Em 2004, quem queria se aprofundar mais sobre as perguntas da série procurava por spoilers, e não por teorias. Isso acontecia particularmente logo antes e logo depois dos finais de temporada (exibidos sempre na última quinzena de Maio). Com o tempo – apesar de spoilers se manter como o termo mais procurado – os fãs começaram a procurar cada vez mais pelo que seus pares estavam pensando (e publicando) sobre os rumos dos sobreviventes do vôvooo 815: e vemos isso no gráfico, no crescimento proporcional das buscas por lost + theories. Isso reflete a estrutura dramática da série, em que perguntas eram respondidas com mais perguntas, mas também uma mudança mais profunda de comportamento online.

Nesses seis anos, mudou muito a forma como consumimos conteúdo na internet. Blogs já existiam desde, pelo menos, o fim dos anos 90, mas foi no início dos anos 2000 que ganharam cada vez mais destaque em relação aos “antigos” portais de internet. Na mesma época, a Wikipedia passava dos 500.000 artigos e 100 idiomas. Se o modelo dos anos 90 era o consumo de conteúdo de grandes portais, os anos 2000 começaram deixando claro que agora qualquer um poderia produzir (e distribuir) o seu próprio. Não por acaso, o termo Web 2.0 nasce em 2004. E começam a surgir YouTube, Digg, Flickr, Twitter, Yelp, Foursquare, etc. Todas essas ferramentas e outras tantas só existem porque cada vez mais passamos a dar atenção igual e até maior ao que era dito pelos nossos amigos, colegas de trabalho e desconhecidos com interesses em comum.

Se Lost sempre esteve em sintonia com essas mudanças – introduzindo um público de massa (foi veiculada durante todo esse tempo na TV aberta norte-americana) a coisas como ARGs e easter eggs, sendo transmedia antes do termo virar buzzword – era natural que seus fãs também o fizessem. Daí essa mudança: em vez de apenas consumir informação “oficial” vazada antes da hora, passaram a cada vez mais comentar, expor, debater. A criação em conjunto coisas a Lostpedia, uma implementação de wiki, outra coisa que é totalmente nesse caminho. Aliás, os outros fãs sempre foram importantíssimos para uma grande base de fãs que queria assistir aos episódios o mais rápido possível: os que baixavam a série em torrents, muitos usando ainda legendas feitas por equipes amadoras.

No fim, sabendo da comoção que o final da série ia causar na internet, muitos fãs decidiram se isolar até assistirem ao finale e a própria ABC resolveu transmiti-lo no mesmo horário em diversos países. A diferença entre um amigo comentando um episódio e passando um spoiler é se você o viu ou não.

E com um final aberto a interpretações e über-discutido online, Lost ajuda a mostrar que, na internet, ninguém é uma ilha.

Mal pelo último trocadilho, não resisti.

* Felipe escreveu este texto em seu blog.

O fim de Lost por Raphael Salimena

Salve! SPOILER ALERT!

Revelado o sergredo final de Lost, que é mais digno que os MAN BOOBS do Locke, estão pipocando fãs escandalosos reclamando que foram TRAÍDOS pelos roteiristas (só posso comparar com torcedores que vão ao estádio cobrar AMOR de jogador de futebol).

Senhores, antes de tudo, isso é uma atração de ENTRETENIMENTO. Parem de passar vergonha.

E graças ao Zico o seriado não terminou com uma EQUAÇÃO na tela, que provocaria ereções nos Faradayzinhos de plantão.

Agora, pensem bem em como a coisa fechou, e vejam como foi coerente com tudo que foi mostrado ao longo desses seis anos. Lost é uma série de DUALIDADES. O preto e o branco não são apenas o BEM e o MAL, são a RAZÃO e a FÉ, a CIÊNCIA e a ESPIRITUALIDADE, o EXPLICÁVEL e o INEXPLICÁVEL. Por isso o condutor da trama é Jack, um sujeito que abandonou sua racionalidade e aprendeu a aceitar que certas coisas estão fora do seu alcance.

E o fim da história dá essa opção a quem acompanhou a série. Existem duas vertentes de compreensão, que não se contradizem ou se excluem. Está tudo em aberto, assim como a trajetória dos personagens. Muito pouco foi respondido (quase nada mastigado), e exatamente por isso o final foi tão bacana. Sempre que tentavam dar respostas a série perdia o brilho.

Estão dizendo por aí que Lost foi uma série sobre pessoas. Acrescento algo aí, foi sobre pessoas e como elas se comportam diante do desconhecido.

Diz aí, você é um Jack ou um Locke?

* Raphael escreveu este texto em seu blog.

O fim de Lost por Camila Saccomori

Eu me lembro quando a série começou, em 2004, e as primeiras teorias sobre Lost começaram a pipocar nas publicações gringas. Assim que começou a fazer sucesso e merecer teorias mirabolantes, uma das primeiras hipóteses era a do “purgatório” (junto a outras que diziam que a humanidade foi extinta ou que era tudo uma alucinação ou que era um projeto científico). Venceu a primeira alternativa, o “purgatório adaptado” ou uma espécie de limbo necessário antes de se atingir a redenção. No eterno dilema entre fé x razão, a primeira levou a melhor.

A quem pensava (como eu) que a ciência explicaria tudo resta um grande “só lamento”. Mas não é difícil compreender esta explicação do final e fazê-la encaixar com todas as seis temporadas anteriores. Pensando bem, quem acreditou nessa hipótese durante toda a duração da série deve estar com um grande sorriso no rosto até agora. E, ah, como eu queria nunca ter desistido desta ideia! Ok, os produtores sempre negavam a teoria (e caso eles admitissem, vamos combinar que seria chatíssimo ter um “spoiler oficial”).

Também não é difícil aprovar esta escolha para solucionar a série. É claro que uma solução narrativa considerada “fácil” – tão fácil quanto dizer “era tudo um sonho”, justamente o final proposto por Stephen King quando questionado sobre como ele terminaria Lost se fosse o autor. No entanto, o “fácil” mesmo é criticar sem dar uma segunda chance para a compreensão total da série. Lost não seria Lost se não precisasse de textos intermináveis para ser explicada. Tampouco há certo ou errado em se tratando de Lost, pois o fã faz o seu próprio sentido (gostando ou não da série).

Nada nunca foi mastigado na série. Não seria no momento final que isso mudaria.

***

Desde o primeiro episódio da primeiríssima temporada, quando fomos apresentados à estrutura narrativa principal de LOST – os tais “flashbacks” – estávamos conhecendo o passado de cada um dos personagens. Seus erros e seus fantasmas que os perseguiam no momento da queda do avião da Oceanic, voo 815, tudo estava lá. Na ilha, de um jeito ou de outro, cada um dos personagens conseguiu “expurgar” os esqueletos no armário ou trabalhar seus problemas. Essa seria uma das interpretações.

A quem já chegou neste parágrafo pensando “que bobagem”, tomo como exemplo o próprio Sayid, uma recente “redenção” que ficou marcada na memória dos lostmaníacos. Mesmo após ter morrido, voltado à vida de forma misteriosa no templo e ficado meio zumbi, o iraquiano conseguiu salvar muitas pessoas. No passado, havia tirado muitas vidas. Seria, pela lógica do purgatório/limbo, uma maneira de “compensação”.

A cada minuto que penso na solução do purgatório as coisas começam a fazer sentido. O avião caiu, os personagens ficaram vagando pela ilha (como alguns até hoje estão lá sem conseguirem “se libertar”, conforme as explicações do que são os “sussurros”) e cumpriram sua pena para terem direito á passagem para outro lugar/outro mundo/outra dimensão. Os flashsideways representariam isso, então: um limbo antes da redenção final. Não gosto de classificar como “céu ou inferno”, ainda que estas serão expressões muito citadas nos próximos dias. Quando os losties estão reunidos naquela espécie de igreja, fica claro que a cruz que cada um carregava já não importa – e eles estão prontos para o próximo passo.

Nesta simbologia identificamos ainda a presença de certos personagens como “seres especiais” que ajudaram os losties a cumprirem essa jornada. Citaria Desmond como o principal – coube a ele resgatar um a um os “passageiros” e guiá-los para a tomada de consciência (com cenas emocionantes de cada um lembrando de sua história na ilha). Também outros como Charlotte, Faraday e Miles (que não tiveram essas “visões” no flashsideways e que foram parar na ilha para ajudar os losties) se encaixariam nessa teoria de ajudantes. Perdoem-me se parece que eu vejo Supernatural em excesso, mas neste caso caberia chamá-los de “anjos”, na minha opinião. E que dizer, então, de Hurley, que ficou de guardião da ilha e que teve papel central nos últimos episódios, demonstrando o poder de se comunicar “com o lado de lá”?

Enquanto tentávamos explicar os flashsideways pelo mundo da física, os produtores estavam escrevendo uma história inteiramente baseada na fé.

No entanto mesmo a “parte da ciência” pode ser explicada com a premissa do purgatório. Um exemplo corriqueiro entre os chamados “mistérios da ilha”: por que as mulheres que engravidavam na ilha morriam? Uma resposta é que elas já estariam mortas, portanto não poderia gerar novas vidas. Sendo assim, como que Claire e Sun tiveram seus filhos? É que elas já estavam grávidas quando caíram e morreram na ilha. Pensando sob a ótica do “eles estavam todos mortos”, faz sentido. A filha de Sun e Jin, portanto, nunca existiu.

* Camila publicou este texto em seu blog.

O fim de Lost por Bruno Natal

Lost terminou e deixou perguntas e mais perguntas sem resposta. E poderia ser diferente? O programa se baseou no mistério e no realismo fantástico, sempre oferecendo questões, nunca soluções. Não seria nem coerente mudar agora.

A compilação de questionamentos em aberto feita pelo College Humor faz piada com a ânsia por resultados de boa parte dos fãs da série. Taí um ponto positivo de ter acompanhado Lost sem tanto fervor: fica mais fácil aceitar a trama proposta pelos criadores, em vez de se frustrar por não ver suas próprias teorias confirmadas.

Não daria nem tempo de explicar tudo que se esperava (e olha que se apelassem pra esse expediente ao longo da temporada, certamente a decrescente audiência na TV dispararia outra vez) e a verdade é que não precisava mesmo. Todo maníaco por Lost, conhecendo os caminhos e descaminhos de cada personagem, pode deduzir sozinho o que aconteceu com eles após Jack fechar os olhos pela última vez.

Foi o melhor final possível. Aberto, possibilitando que a série possa ser reassistida sem perdas na segunda volta, como acontece, por exemplo, nos filmes de mistério-pipoca de M. Night Shyamalan.

Vivemos a era da internet, em que programas de TV não tem mais horários fixos, discos não tem data de lançamento, em que a informação está fragmentada em diversos lugares, sendo processada de acordo com a buscas e os interesses de cada um. As pessoas se conectam e criam suas próprias verdades e realidades. Não existe mais lugar para nada pronto e embrulhado. Lost estaria totalmente na contramão se entregasse respostas prontas. E o seriado nunca esteve a favor do fluxo de obviedades.

2001 não é tido como um dos melhores filmes da história por conta da sua objetividade, pode ter certeza. Num mundo cada vez mais sedento por respostas curtas, o final de “Lost” foi uma ode as metáforas, a imaginação, as livres interepretações.

* Bruno escreveu este texto em seu blog.

O fim de Lost por Diego Souza

de todas as teorias mais sinistras, mais engenhosamente brilhantes concebidas por fãs apaixonados por lost, nenhum final poderia ser melhor do que o final feito por cuse e lindelof. dificilmente alguma outra coisa poderia significar uma reviravolta tão drástica do que aquela ocorrida no “flashsideways”, e tão surpreendente também.

novamente vejo um series finale intenso que lida tão bem com o assunto mais delicado para o ser humano: a morte. digo isso porque assisti six feet under e o abalo que senti nos minutos finais de lost quase se compara ao estado de choque em que fiquei ao final da série da hbo. lembro que quando assisti “everyone’s waiting”, o final de sfu, não consegui me mexer. ou melhor, eu não queria me mexer, não queria me levantar. tive que esperar alguns minutos para recobrar a coragem e seguir com a vida (além de tudo, ainda tinha uma vida pra viver!). tive que me recompor. tive que chorar tudo antes. e então a gente percebe a importância de tanta dor: nos tornamos mais fortes. vale a pena estar vivo. aliás, é um momento extremamente tocante quando richard confessa ao ver um cabelo branco: “só agora me dei conta de que eu quero viver”.

nesse último episódio de lost nem sei quantas vezes eu chorei. chorei primeiro quando hurley encontrou charlie no “flashsideways”, a felicidade contida dele, dava para ver nos olhos o quanto hurley queria abraçar o velho amigo, e depois voltei a me emocionar no final quando descobrimos o real e inestimável valor daquele encontro. aliás, a cada encontro que devolvia as lembranças dos personagens era difícil conter as lágrimas, e finalmente o desfecho de jack naquela realidade foi arrasador.

foi realmente gratificante que o final tenha sido “humano”, antes de objetivo ou científico. se a primeira temporada eu detestei justamente porque eu achava perda de tempo as histórias pessoais em vez do foco nos mistérios da ilha, esse episódio só veio para constatar minha estupidez daquela época. nada em lost é tão importante quanto as pessoas individualmente. não fosse a humanidade com que os criadores desenvolveram seus personagens no início (e durante toda a série também, é claro, mas com especial cuidado no início), jamais seria satisfatório o desfecho da história.

por causa disso, somos parte da história. somos parte da redenção dos personagens, somos parte da felicidade dos personagens, somos parte da tragédia dos…

tsc… “personagens”. dessas pessoas, eu quero dizer. pessoas.

de repente me sinto como o rodrigo de clarice lispector. só agora lembrei que as pessoas morrem.

enfim…

não encontro modo de expressar minha enorme gratidão a todos os responsáveis pela série. é realmente gratificante poder ser levado dessa forma por uma história.

e ser mudado por ela.

* Diego publicou este texto em seu blog.

O fim de Lost por Ian Black

Lost acabou com um desfecho de dar orgulho à Zibia Gasparetto, mas atendeu às minhas expectativas ao mostrar que ainda era capaz de surpreender. Mas eu não quero entrar nas discussões divertidas e cansativas sobre as diversas interpretações da mitologia. Quero fazer uma breve previsão.

O que sobrou de Lost além do seu legado como fenômeno cultural – retrato de uma geração que tem o desafio de lidar com uma quantidade praticamente inesgotável de informação – são as tais perguntas sem respostas, que ainda podem render um bom caldo através dos GAMES: diversão e informação para o povo, dinheiro e empregos para criadores, roteiristas e desenvolvedores. E parabéns a todos os envolvidos.

Já viram Just Cause 2? Para quem não sabe é um game que tem como ambiente jogável uma micronação asiática. Sim, um PAÍS, com praias, florestas, montanhas geladas, vilas, centro urbano, aeroportos, bases militares, e até uma ilha misteriosa à noroeste que esconde uma ESCOTILHA – Uma homenagem a Lost, mas também um toque do que é possível.

Se no começo da década passada fomos apresentados às possibilidades de interação num mundo concebido por uma obra audiovisual (Enter The Matrix – Matrix Online) o que não seria possível fazer hoje, com a tecnologia disponível, um público mais maduro e uma mitologia com tantas narrativas a serem exploradas?

Lost já ensaiou coisas nesse sentido, como alguns ARGs e o game Lost: Via Domus, mas nada digno de uma comoção extra-nerd que marcou toda a sua existência. Minha aposta é que Lost siga esse caminho. A quantidade de teorias, montagens, bobagens, músicas, vídeos e podasts deixam e deixarão claro essa necessidade / oportunidade.

* Ian Black escreveu este texto pra cá.

O fim de Lost por Bruno Knott

Lost sempre foi um dos meus seriados preferidos. Minhas expectativas para o episódio final eram enormes.

Boa notícia: fui correspondido de maneira exemplar. Eu esperava algo excelente, algo digno de todo o seriado e sua reputação. Foi isso o que tive e muito mais.

Não consigo entender a ânsia de boa parte do público em ter todos os mistérios resolvidos. Dêem um tempo, por favor. Que graça teria se tudo fosse explicado por A + B? É tão bom poder bolar teorias próprias e discutir com os outros a respeito delas.

O importante é que os criadores conseguiram juntar as pontas mais relevantes neste season finale. Tenho a convicção de que o plano era esse desde o começo.

SPOILERS à frente.

Então, os flashsideways nada mais eram que o próprio purgatório, o próprio limbo! Por essa eu não esperava, mas devia. Mais uma vez, Damon Lindelof e Carlton Cuse criam algo de impacto e que faz todo o sentido. Como não pensei nisso antes?

O que é Lost se não um seriado que mostra diversos personagens convivendo, brigando, amando, criando amizades profundas e evoluindo (ou não) como seres-humanos? Além disso, há uma ILHA, que na verdade é um personagem, cheia de seus mistérios e com uma mitologia particular.

Por 6 anos acompanhamos essa história brilhante, que nunca deixou de empolgar, seja pela complexidade dos personagens, pelos mistérios intrigantes e pelas mudanças estruturais pela qual a narrativa passou. Que outro seriado nos ofereceu flashbacks, flashforwards e flashsideways?

Flashsideways? Não.

Este final veio nos mostrar a inexorabilidade do tempo. Não importa como, onde ou quando. Todos estamos fadados ao mesmo destino. A morte. E infelizmente, nossos queridos Losties não fogem a esta implacável regra.

Foi extramamente emocionante acompanhar Desmond ajudando os outros a se lembrarem de suas vidas antes da morte. Cada uma destas cenas é carregada de muito sentimento, nos fazendo pensar durante alguns segundos sobre tudo o que vimos durante esses 6 anos.

O diálogo entre Jack e o pai se revela como um dos melhores momentos de todo o Lost.

Assim como a cena final.

Caramba.

Havia melhor maneira de fechar o arco?

Jack, cambaleando, deita-se na floresta para morrer. Vincent aparece e permance ao seu lado. Seus olhos se fecham.

Uma rima absurdamente inteligente e comovente. Impossível não sentir alguns calafrios com isso tudo.

Alguém esperava mais?

Nota 10.

* Bruno publicou este texto em seu blog.

O fim de Lost por André Toso

Transmitido no último domingo, o capítulo final de Lost foi um dos maiores acontecimentos da história da televisão. Primeiro, pelos motivos óbvios: foi o primeiro programa de televisão que não foi só um programa de televisão. Ao utilizar ferramentas da Internet e ser maciçamente assistido pela web, a série marca o início da transição natural de uma mídia ultrapassada para outra mais moderna. O segundo motivo é pelo frisson causado, que criou uma ansiedade que eu confesso nunca havia sentido antes. O terceiro motivo, ligado intimamente ao anterior, diz respeito ao roteiro monstruoso criado pelos roteiristas. Para quem gosta de uma boa ficção, Lost entra para a história ao lado das melhores produções de todos os tempos. Um enredo único e impossível de ser repetido. Os recursos narrativos, recortando presente, passado, futuro e até um tempo inexistente e atemporal, dificilmente poderão ser utilizados tão cedo por outra série, filme ou livro. Por isso, Lost é um marco da narrativa audiovisual. Quem assistiu a série inteira foi testemunha de uma revolução de contar histórias que só deve ser sentida daqui alguns anos.

Mesmo com todas essas qualidades, o final de Lost foi brutalmente criticado por boa parte do público. A principal reclamação: as questões não foram respondidas. E é verdade: muitas das perguntas e dos mistérios arquitetados pelos roteiristas ficaram no ar. O que as pessoas não entenderam, porém, foi que era exatamente esse o objetivo da série: fazer as pessoas pensarem, deduzirem coisas, imaginarem, viajarem na maionese mesmo. Enfim, deixar o telespectador perdido. O final de Lost teve por objetivo incitar as pessoas a pensarem além da realidade plana, chata, linear e reta. Isso, mais do que tudo, é entretenimento de qualidade. O telespectador assistia um episódio, ficava com 100 perguntas na cabeça. No próximo episódio, 80 dessas questões eram brilhantemente respondidas, mas outras 150 questões eram levantadas. E isso seguiu até a última cena da série. Lost não foi uma história de respostas. Foi uma série de perguntas que levam a boas respostas que levam a outras ótimas perguntas. Exatamente como as nossas vidas.

O sucesso da série se explica exatamente pela ânsia do ser humano por respostas. Lost utilizou todos os recursos que nos deixam perdidos em relação à própria existência: a força da natureza, os mistérios das religiões, das tradições, da física, da filosofia, da psicologia e, acima de tudo, as incríveis contradições do comportamento humano. A série, no fundo, é centrada nos personagens e em seus conflitos. A ilha só serve como metáfora da absurda condição humana e dos mistérios existenciais a que estamos submetidos. Uma metáfora, aliás, muito bem executada.

O mais interessante em Lost, sem dúvida, foi a descoberta gradual das características de cada personagem. Um avião cai em uma ilha, algumas pessoas sobrevivem e não sabemos nada sobre elas. Enquanto isso, os roteiristas voltam no tempo e contam como era a vida de cada uma daquelas pessoas antes do acidente. Aos poucos, as máscaras vão caindo e conhecemos o temperamento de cada um. Depois, os roteiristas nos mostram o futuro após alguns terem saído da ilha. Em seguida, voltam para um passado remoto para logo criarem uma realidade paralela àquela da ilha (em uma explicação rasa da total falta de temporalidade para quem não assistiu). Ou seja, uma narrativa totalmente retardada e de difícil execução e assimilação. Mas, mesmo assim, os roteiristas amarraram tudo de forma magistral. As pontas soltas foram inevitáveis para sustentar toda essa loucura hipnotizante.

O fim escolhido pelos produtores da série foi totalmente compatível com as seis temporadas e passou a perna em todo mundo. Se fizessem um bolão ninguém acertaria exatamente o que aconteceu no fim. Quem assistiu a todos os episódios da série provavelmente percebeu, após muito pensar, que não havia melhor forma de encerrar a história. Com esse final – que não conto para não estragar a graça daqueles que não assistiram ainda – um dos pontos mais interessantes da série foi denotado: Lost sempre oscilou na medida certa entre um drama humano e uma ficção cientifica com pitadas de misticismo. No início, pensamos que o que ocorre na ilha é real e não têm ligações espirituais ou de naturezas estranhas. Com o passar do tempo, alguns absurdos aparecem e começamos a pensar em coisas anormais naquela ilha. Os roteiristas a todo o momento jogam com a razão e a emoção do telespectador. Explica-se algo de forma racional, mas essa mesma explicação levanta uma possibilidade fantasiosa. O contrário também ocorre: algo fantástico parece que vai acontecer e aí trombamos com a frieza das coisas exatas. Realidade e fantasia se confundem. Exatamente como em nossas vidas.

E o mais legal é que vamos descobrindo tudo isso junto com os personagens, que também estão perdidos. Ou seja, eles estão perdidos, nós estamos perdidos, às vezes até os produtores parecem meio perdidos. Aquela realidade absurda deixa a todos desorientados e sedentos por explicações racionais que não existem. Os simbolismos, as citações e todo o universo da série colaboram para construir essa narrativa que nos tira do eixo. A série prova que apenas as explicações racionais não são suficientes para a sede humana por respostas. Precisamos criar e fantasiar para viver de forma suportável. Realidade e fantasia têm a mesma importância e o mesmo efeito sobre o homem ao longo dos anos. Na verdade, como hoje sabemos, a fantasia é ainda mais constituinte de nossa realidade do que a razão. Na maior parte das vezes, a razão é apenas uma máscara superficial que esconde uma loucura preocupante. A vida de um homem, por mais que ele disfarce, é toda orientada por suas emoções.

E, no final, para que respostas exatas? Existem essas respostas? Leia um livro de Stephen Hawking e você descobrirá que as respostas são absurdas e sempre nos levam a outras perguntas ainda mais absurdas. Como explicar, por exemplo, o motivo de uma onda do mar estourar nas areias da praia? Sei lá, o cara faz uma teoria sobre as fases da lua, sobre a gravidade e me responde com exatidão. Tudo bem. Mas porque ocorrem as fases da lua? E como funciona a gravidade? Depois de respondidos, esses questionamentos se desdobram infinitamente. Isso é Lost. Isso somos nós aos quatro anos de idade fazendo perguntas sobre tudo. E, convenhamos, não deveríamos mais ser crianças e admitir logo que nunca teremos todas as respostas. Um mistério respondido sem deixar questionamentos não é um mistério, é uma ficção das mais inverossímeis.

Resta refletir sobre os motivos de exercemos a fantasia de procurar respostas mastigadas e lineares, frias como uma realidade utópica que não existe. Será que é exatamente por ainda sermos aquela mesma criança de quatro anos de idade? Correr atrás de repostas é realmente o que nos leva para frente, nos faz querer criar e viver apaixonadamente. Mas precisamos entender que não podemos esperar nada dessas respostas. Quanto mais sabemos, mais ignorantes ficamos. Quanto mais respostas, mais perguntas. Essa é a graça da vida, essa foi toda a graça de Lost: correr atrás de perguntas sem respostas. É como a história do rapaz que encontra um papel em que está escrito: “Não acredite no que está escrito do outro lado, é falso”. Vira o papel e lê: “Não acredite no que está escrito do outro lado, é falso”. O que devemos levar em consideração? O real ou o fantasioso? Puxa, olha aí mais uma pergunta. Alguém tem uma boa resposta?

* André Toso publicou este texto em seu blog.