O que vi do Lollapalooza: Foster the People e Arctic Monkeys

Quando vi que Foo Fighters e Arctic Monkeys seriam os principais nomes do Lollapalooza brasileiro, me bateu um sossego – poderia perder tranquilamente o festival. Ao assistir ao show dos Foo Fighters no primeiro dia do festival, ao vivo pela TV, o mesmo sossego transformou-se em desconforto – não só vinha a consciência de que os Foo Fighters haviam deixado de ser uma banda promissora para se tornar a maior banda emo do mundo (não que haa algum problema nisso), como Dave Grohl esqueceu-se de cantar, transformando-se em uma sirene de garganta que berra por todas as músicas e toca-as sempre em velocidade acelerada, como se estivesse com pressa de terminar o show. Ao vê-lo destruindo a própria “Big Me” ao tocá-la quase no dobro de sua velocidade original, mudei para outro canal em que pude assistir a um longo show do Cure da metade da década passada. Ao mesmo tempo lia mensagens e atualizações de status que reclamavam do perrengue antes, durante e depois do show. Os motivos eram os de sempre: filas, preços, qualidade do serviço, som baixo, telão pequeno, multidão, demora pra conseguir sair do lugar, etc. Defeitos e destratos que infelizmente se tornaram inerentes a qualquer grande evento no Brasil.

Mas no dia seguinte tinha os Arctic Monkeys, que não são propriamente uma banda favorita ou querida, mas pelos quais tenho um tremendo respeito. Mais especificamente em relação a Alex Turner, o dono do grupo, que é um cara que veremos pelos próximos 20, 30 anos mantendo a mesma qualidade e eficácia na produção de canções memoráveis. Dá até para arriscar que os Monkeys são melhores que os Strokes, a maior banda desta geração, pois o conjunto da obra dos ingleses é mais consistente que a discografia dos nova-iorquinos. Os últimos desempatam no quesito coletânea de hits – e muito pelo fato dos Strokes serem pioneiros de uma época em que o rock tinha ficado em segundo plano, fazendo que boa de suas canções venha com forte carga afetiva. Mas basta lembrar do show dos Strokes no último Planeta Terra – por melhor que ele tenha sido, não dá para dissociar aquela apresentação de uma reunião de banda antiga, um revival, uma versão (bem) melhorada da volta do Guns’N’Roses em 2001. Aos doze anos de idade, os Strokes já estão em sua fase Las Vegas. Bem diferente do que aconteceu com os Arctic Monkeys. Tive de conferir.

E logo mais me vi andando pela areia da pista de corrida do Jóquei paulistano rumo ao palco em que os ingleses iriam se apresentar. Cheguei tarde e perdi o MGMT, portanto bastava achar um lugar bom para ver o Foster the People e esperar um pouco mais para assistir aos Monkeys.

Tão esquecível quanto divertido, o Foster the People fez um show muito superior ao que poderia se imaginar de uma banda de sua estatura, vencedor da categoria “revelação” do indie rock do ano passado, com os dois pés na pista de dança. Em 2012, esses adjetivos tornam qualquer artista em menos do que uma nota de rodapé, mas o fato é que guardaram seus três (quatro?) hits para o final do show e, goste ou não, “Pumped Up Kicks” funciona muito bem no palco, ainda mais com uma gracinha que sublinha o aspecto dance music da canção, ao turbiná-la de repente, com muita ênfase no grave.


Foster the People – “Pumped Up Kicks”

Já o Arctic Monkeys não teve a menor dificuldade para dominar o final do evento. Como os Foo Fighters, eles também são heróis de uma geração muito nova, com menos de 20 anos, que sabem cantar todas suas músicas – e cantam aos berros. O que muda é a dimensão. Os Monkeys não são uma banda de primeiro escalão, uma banda de estádio, power rock, que domina sozinha uma multidão de dezenas de milhares. Mas caminham para isso (se isso ainda continuar existindo) – e a passos firmes. Seu fiel da balança é inevitavelmente seu principal nome, o guitarrista e vocalista Alex Turner, que aos poucos encarna uma mistura de Elvis Presley com Dorian Grey puxando o espírito norte-americano do rock’n’roll – aquele que se mistura com a caipirice do rockabilly de Jerry Lee Lewis e à melancolia dos falsetes de Roy Orbinson – para o sotaque do norte da Inglaterra. Eles talvez sejam a banda de rock mais importante do mundo hoje (com o Franz Ferdinand como seu grande rival nessa categoria) – rock enquanto gênero musical, não sinônimo de música pop. Estou falando de country com blues, baixo, guitarra e bateria, um gênero que começa com Elvis nos anos 50 e começa a perder sua importância depois que Kurt Cobain se matou e o Radiohead o tornou obsoleto de vez.

Nesse território os Monkeys não deixam a bola cair em momento algum (no máximo na chata “Brick by Brick”, mas tudo bem, é a música cantada pelo baterista) e Turner protagoniza um espetáculo de sonoridade essencialmente crua, onde a dinâmica entre as guitarras é conduzida a partir de seu instrumento, que rege o resto do grupo. Seu canto falado e mascado caminha com malemolência sobre riffs ponteagudos e refrões populistas. Ele joga para a galera – e a galera adora. Mas nunca é piegas, nunca é emotivo ou faz gracinhas bobalhonas. Sua rigidez como band leader é parente de sua própria música e não faz concessões. Melhor pra todo mundo.

Findo o show, vale frisar que a organização do festival até conseguiu dar melhor vazão ao público, à exceção, claro, da já costumeira ausência de táxis à saída do evento. Mais à frente, outro problema típico paulistano – embora o festival tivesse sido realizado a menos de um quilômetro de uma estação de metrô (quase um milagre quando se pensa na vida cultural de valets e estacionamentos a R$ 50 da vida cultural de São Paulo), o público se acotovelava para entrar na marra, exigindo que policiais tivessem que fechar o portão de entrada para que a massa não se espremesse de vez rumo aos vagões. A confusão teve direito a xingamentos coletivos, portão aberto na marra e cacetetes exibidos como intimação – e isso tudo levando em conta que o público era formado por indies pós-adolescentes com uma imensa quantidade de meninas. Não era um show de hardcore ou um jogo de futebol. Mesmo assim, uma confusão desnecessária – que inevitavelmente trouxe o bordao “quero ver na Copa” repetido entre resmungos, quase como um mantra. Final desnecessário para uma boa noite.

Abaixo, os vídeos que fiz dos dois shows:

 

Todo o show: Foo Fighters, Arctic Monkeys, Foster the People, MGMT, TV on the Radio, Friendly Fires, Gogol Bordello e muitos outros no Lollapalooza Brasil 2012

Fui ao mais novo festival no calendário brasileiro somente no domingo pra ver os Arctic Monkeys (vi também o Foster the People, depois comento sobre os dois shows por aqui), mas deixo abaixo vídeos que achei com a íntegra dos principais shows do Lollapalooza Brasil que apareceram online. Se alguém ver mais algum por aí, dá um alou (ninguém filmou o dos Racionais?):

 

Racionais MCs no Lollapalooza

Vi só o finzinho do show dos Racionais no Lollapalooza, mas o Mateus assistiu a tudo e conta mais:

Uma quantidade moderada de pessoas, se comparada ao público médio da tenda Perry (eletrônica), aguardou por pouco mais de uma hora para tirar a prova. Ao contrário de todas as outras bandas do festival, os Racionais não começaram no horário. O suspense para entrar no palco povoou as mentes com toda sorte de conspirações, alimentadas pela mítica em torno do grupo. Shows cancelados. Perseguição da polícia. Confusões de toda sorte. As teorias mais plausíveis davam conta de um suposto desentendimento a respeito da gravação do show (que, segundo o Multishow, foi proibida pela banda). Nada vem fácil para o Racionais, nunca veio. Não vai ser desta vez, justo ali. A tensão foi levada ao limite, e o grupo só entrou quando a plateia já vaiava o atraso de forma generalizada. Mas o que aconteceu na próxima hora e meia tornou sem sentido qualquer especulação a respeito das razões.

(…)

E eis que o bando estava muito à vontade, Mano Brown sorridente e interagindo o tempo todo com o público e com a pequena multidão no palco. Os clássicos vieram: “Vida Loka II”, “Negro Drama”, “Eu Sou 157”, “Homem na Estrada”, “Jesus Chorou”, “Estilo Cachorro”. Deve ter sido a primeira vez em qualquer edição do festival que tantos boys (de vila ou quatrocentões), minas, indies, seguranças e funcionários da limpeza curtiram um show juntos e misturados, sem qualquer distinção ou condescendência aparente. Mas foi só quando o jogo estava ganho que o Racionais decidiu mostrar por que esse dia seria ainda mais especial do que todos já sabiam. Como um soco na cara, surgiu nos telões a imagem da carteira de afiliação de Carlos Marighella ao PCB. Ao lado de seu rosto, a foice e o martelo ardiam impiedosamente nas vistas de um festival que representa tudo, menos o comunismo. Uma cena completamente impensável de acontecer em qualquer festival nos EUA.

A projeção seguiu ali durante toda a execução de “Marighella”, mas foi além, como foi além Mano Brown. As rimas da música nova se fundiram em uma exaltação ao “momento do Brasil”, sobre como os estrangeiros estão fascinados pelo país, e como nós temos que estar preparados para aproveitar a maré a nosso favor.

A íntegra tá lá no site da Soma.

Lobão x Perry Farrell: falar é fácil

No sábado, o Lobão reclamou em vídeo sobre o Lollapalooza:

E agora vem o Perry Farrell falar mal do Lobão na Folha:

Ah, o carinha que ficou bravo? Olha, entendo o ponto de vista dele como artista. Quando o Coachella me põe para tocar às 14h, também fico chateado, mas não falo nada porque sei que é assim que as coisas funcionam. As escalações de line-up são feitas de forma política. Sempre o nome que atrai mais gente fica por último. Vou dar um conselho a ele: grave um disco muito bom, um que todo mundo ame, e faça as pessoas quererem vê-lo ao vivo. Então, ele poderá ser headliner de um festival.

É só o novo capítulo de um livro recente: a crise do rock de gravadora, que começou com o Ultraje brigando com o Peter Gabriel e não deve terminar tão cedo. Mas é sério que é essa a discussão? Sério que o debate sobre a valorização do artista brasileiro depende das brigas de artistas com mais de trinta anos de carreira, que não fazem nada relevante há eras? Sério que eu tenho de escolher entre ficar do lado do Lobão ou do Perry Farrell? Ambos até têm importância específica para a música independentes de seus países quando usaram seu estrelato para canalizar safras inteiras de artistas (com a criação do Lollapalooza e com a revista Outracoisa, respectivamente), mas esse bate-boca só alimenta uma ladainha que, convenhamos, não vai dar em nada, além dessa comparação de egos.

Fala sério: o nível da discussão tem que ser melhor do que esse. E o problema é só o nível do embate – a discussão. Trocar farpas, argumentos e palavras virou regra de quem se dispõe a falar em público (seja online, na TV, no jornal ou na mesa de bar) e todo mundo tem que ter opinião sobre qualquer assunto, como se fosse possível mudar opiniões alheias com alguns poucos minutos de pregação. Inevitável lembrar do cartum do Arnaldo:

Tire Caetano da piada e ela segue intacta. É como se todo mundo que tivesse nem que seja só uma conta no Twitter se dispusesse a virar um polemista de plantão e cuspisse toda a verborragia que lhe for necessário para se parecer esperto. Há abutres salivando à menor fagulha hipster ou hype, mas essa patrulha contra tudo é um fenômeno muito mais presente e mais pentelho do que o deslumbre por qualquer modinha da vez.

Enquanto isso, só pro papo continuar na música, uma geração inteira de artistas não tá muito preocupada em escalação de megafestival ou se vão ser colocados pra tocar antes ou depois de quem – e segue fazendo seu trabalho, diariamente, sem se preocupar com esse tipo de posicionamento…

Falar é fácil.