Pinduca e o rock de Brasília

O Porão do Rock desse ano também deu motivo para o Pinduca escrever um pouco sobre o estado das coisas no rock de Brasília. Vi lá no Senhor F:

“Cheguei a Brasília em 1989, época em que existia uma verdadeira idolatria em relação às bandas da Capital. Lembro de, em minhas primeiras idas ao shopping Conjunto Nacional com a minha mãe, ver vários estandes com camisas que estampavam o nome de bandas brasilienses à venda. Além disso, era comum ter amigos de escola ou de quadra que tinham bandas, numa proporção bem maior do que em outros estados onde havia morado. O rock era uma espécie de orgulho e hábito locais, principalmente para uma cidade nova como Brasília, que ainda buscava a sua identidade cultural.

Viver minha adolescência aqui me fez adquirir uma “alma brasiliense”. E, de uma hora para outra, me vi fazendo parte dessa turma que produzia rock na capital federal. Para a minha geração, dos anos 90, essa história de ser uma banda brasiliense ainda tinha algum valor e rendia até espaço em jornais de outros estados. De certa forma, o estouro nacional da geração anterior (Plebe, Capital e Legião) fazia brotar uma curiosidade por parte tanto do público e crítica brasilienses quanto de outros estados pelo que estava sendo produzido por aqui.”

Sou desta mesma geração do Pinduca, estudamos juntos no Maristão, quando ele ainda tocava no Cravo Rastafari (ou era só o Txotxa e eu tou confundindo?) e zarpei de Brasília rumo à Campinas na mesma época em que a safra Little Quail, Raimundos, Low Dream, Oz e Maskavo começavam a aparecer pelo então ainda decisivo eixo Rio-São Paulo. Pude assistir como cada uma dessas bandas conseguiu sua brecha de sucesso (vi, por exemplo, os Raimundos abrirem para o DeFalla e para o Ratos de Porão no Gran Circo Lar menos de dois meses de fazer o show no Juntatribo que revelou a banda para a crítica paulistana) para, logo depois, perder – cada uma por seu motivo.

Hoje é fácil localizar essa geração de bandas como a segunda onda do rock de Brasília – na época, nos referiamos como sendo a terceira, pois contava-se uma fase de bandas do final dos anos 80, grupos com nomes bizarros como 5 Generais, Marciano Sodomita e Beta Pictoris, completamente desconhecidos no resto do país, mas que por uma faísca de orgulho local disparada pelo trio Legião-Capital-Plebe eram pequenos ídolos locais – tocavam até no rádio. Dessa segunda safra, engolida pelo tempo, só o Finnis Africae e o Detrito Federal conseguiram alguma exposição fora de Brasília. Pra quem era da cidade, qualquer aparição em programa da Cultura em São Paulo (retransmitida para o DF pela TV Nacional) era motivo para celebração.

Mas a geração dos anos 90, no fim das contas, ensina uma nova lição à cidade – a de que é importante fazer música. As três bandas da cidade que conseguiram colocá-la no mapa nos anos 80 definharam na década seguinte e quase todos largaram a música – o Legião acabou após a morte de Renato e sobreviveu em relançamentos e biografias, o Capital tentou resistir na marra e viu até a transformação de Dinho num MPBista eletrônico (enquanto os irmãos Lemos convocavam o vocalista de uma banda chamada Rúcula para o seu lugar) e a Plebe simplesmente acabou. Já a geração dos anos 90 segue firme na música. Os Raimundos continuam na ativa mesmo que apenas como uma paródia de si mesmos. Os três Little Quail ainda mantém-se no ramo – Gabriel é dono do Autoramas, Bacalhau tocou no Rumbora e hoje toca no Ultraje e Zé Ovo segue roadie de bandas. O ex-Marcelo Bighead do Oz virou o Nego Moçambique e até o Giulliano do Low Dream mantém-se DJ. Foram esses caras – junto com mais algumas outras bandas – que criaram a tal cena descrita por Pinduca em seu blog e que fizeram com que Brasília se tornasse uma das cidades com mais tradição em rock do Brasil. O resto do texto segue falando da importância desta percepção até mesmo para a continuação dessa tradição, uma das poucas de uma cidade que não tem nem 50 anos de vida. Vale muito a leitura (a foto eu peguei de uma entrevista que ele deu ao blog Rock Pará).

A nova volta do Little Quail


Foto: Porão do Rock

Nem tudo foi constrangimento no Porão do Rock que aconteceu no último fim de semana. Entre as trocentas bandas que o festival arrumou para ressuscitar (Escola de Escândalo, Detrito Federal, Maskavo Roots, Legião, Plebe Rude, etc.), uma delas foi o heróico trio Little Quail & the Mad Birds, que já havia voltado no início do ano para “apenas um show”. O show no Porão levou à escala de estádio o velho show da banda – além de um repertório classe A (só hit!), ainda contou com a falação interminável entre Gabriel e Zé Ovo, que dedicou várias vezes o show à profissão roadie. Rock’n’roll pra dançar, punk rock sem vergonha de ser pop, humor com guitarras – o Little Quail é o Raimundos que só Brasília (e alguns poucos felizardos fora da cidade) puderam conhecer. Pra quem não conhece, vale baixar o show, que já vazou online.


Little Quail & the Mad Birds – “Dezesseis


Little Quail & the Mad Birds – “Cigarrette


Little Quail & the Mad Birds – “Conversas

Codorninha

É real: Wilsera confirma o show de reunião do Little Quail dentro do festival Power Trio Deluxe, que acontece nesse fim de semana. O show do LQ rola no domingo, no Centro Cultural Vergueiro. Massa.

A volta do Little Quail

Caceta, não é boato, não… Já tem até show de volta! (Acima, a banda no festival Juntatribo, em Campinas, há quinze anos – e eu estava lá…)

Can you hear me?

Você sabe como RSS funciona? Tá bom, eu quebro seu galho nessa:

VF 22 – Curtis Mayfield, três “Come Together”, hip hop, Demian Marley, Stones, RATM, De Leve de novo, Mario Bros. do rap, Nação e pós-punk brasiliense.

– “Superfly” – Curtis Mayfield
– “Caô Fudido” – De Leve
– “100 Years Ago” – Rolling Stones
– “Killing in the Name” – Rage Against the Machine
– “Na Hora de Ir” – Nação Zumbi
– “Welcome to Jamrock” – Demian Marley
– “Super Brooklyn” – Cocoa Brovas
– “Shame on a Nigga” – Wu-Tang Clan
– “Gin & Juice” – Dr. Dre & Snoop Doggy Dogg
– “Get it Together” – Beastie Boys
– “Come Together” – Primal Scream
– “Come Together” – Spiritualized
– “Come Together” – Annie
– “Leve Desespero” – Capital Inicial

VF 23 – Jack Johnson, Racionais, Sublime, “Billie Jean”, beatle George, D2 velho, “Crazy” crazy, Little Quail, Pink Floyd e Black Alien.

– “Crazy (Live at the Top of the Pops)” – Gnarls Barkley
– “Summer ‘68? – Pink Floyd
– “Let it Down” – George Harrison
– “Hoje Eu Tive Um Sonho” – Marcelo D2
– “Vida Loka (Volume II)” – Racionais MCs
– “Mr. Niterói” – Black Alien
– “Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada” – Nação Zumbi
– “Times Like These (Live)” – Jack Johnson
– “Get Ready” – Sublime
– “Billie Jean” – Michael Jackson
– “I Feel Love” – Curve
– “Get Ready for Love” – Nick Cave & the Bad Seeds
– “Monkey Man” – Rolling Stones
– “Elvis Não” – Little Quail & the Mad Birds

VF 24 – Gal árabe, Chambaril, “Same different day”, Nick Drake tocando Bob Dylan, lição quatro, amigos venezuelanos, “A Lenda”, Delicia Keys, D2, Aowri e Marechal, Incredible Bongo Band, Deltron 3030, Madonna e Britney, Ganja Baby, Gorillaz, Love, Patsy Cline e and the beat goes on.

– “Desculpa Aí” – Chambaril
– “Blue” – Elastica
– “Karma” – Alicia Keys
– “Groundhog Day” – Mayday (feat. Cee-lo)
– “Ganja Baby” – Queen Omega
– “Virus” – Deltron 3030
– “Tuareg” – Gal Costa
– “And the Beat Goes On” – Buddy Rich
– “Fatalmente” – Mombojó
– “Dare!” – Gorillaz
– “Don’t Think Twice (It’s Allright)” – Nick Drake
– “Orange Skies” – Love
– “Venezuelan Zinga Son” – Los Amigos Invisibles
– “Sábado Zoeira (com MC Awori)” – Marcelo D2
– “Lesson 4? – Double Dee + Steinski
– “A Lenda” – Quinto Andar
– “Me Against the Music” – Madonna e Britney Spears
– “Signs” – Justin Timberlake, Snoop Doggy Dogg e Pharrell
– “Goodies” – Ciara (feat. Petey Pablo)
– “Apache” – Incredible Bongo Band
– “Three Cigarrettes in an Ashtray” – Patsy Cline

VF 25 – Seqüência do Bruno conta com Cidadão Instigado, Gnarls Barkley, Ellen Allien & Apparat, “Baranga”, LCD, M.I.A., Lucas Santtana, Yeah Yeah Yeahs, Mombojó, Bugz in the Attic, Arctic Monkeys, Echo Sound System remixado pelo Turbo Trio e Bob Esponja.

– “Ghettochip Malfunction (Hell Yes remixed by 8-Bit)” – Beck
– “Black Tongue” – Yeah Yeah Yeahs
– “Dancing Shoes” – Arctic Monkeys
– “Os Urubus Só Pensam em Te Comer” – Cidadão Instigado
– “Do Not Break” – Ellen Allien & Apparat
– “The Last Time” – Gnarls Barkley
– “Baranga” – João Brasil
– “Booty La La” – Bugz in the Attic
– “Rookie Rock (Turbo Trio Mix)” – Echo Sound System
– “Tijolo a Tijolo, Dinheiro a Dinheiro” – Lucas Santtana
– “Saborosa” – Mombojó
– “Oh Word” – Beastie Boys
– “Tribulations (Tiga Mix)” – LCD Soundsystem
– “10 Dollar” – M.I.A.
– “Closing Theme” – Spongebob Squarepants

VF 26 – Mogwai novo, Pulp velho, Belchior, Thom Yorke, Kon Kan, Noel e Petshopba, jazz beatle, Chico Buarque, Lily Allen, Floyd com Barrett, João Gilberto canta Caetano e Gang of Four remixado pelo Ladytron.

– “Natural’s Not In It (Ladytron Remodel)” – Gang of Four
– “LDN” – Lily Allen
– “Sujeito de Sorte” – Belchior
– “Lucifer Sam” – Pink Floyd
– “The Trees” – Pulp
– “Glasgow Mega-Snake” – Mogwai
– “Things We Said Today” – London Jazz Quartet
– “Avarandado” – João Gilberto
– “Bye Bye Brasil” – Chico Buarque
– “Nega” – Gilberto Gil & Jorge Ben
– “Left to My Own Devices” – Pet Shop Boys
– “Silent Morning” – Noel
– “I Beg Your Pardon (Mix)” – Kon Kan
– “Cymbal Rush” – Thom Yorke

VF 27 – Pipodélica com Jorge Ben, Outkast novo, rap francês, Hot Chip, Transformer, Stevie Wonder, “Catador de Latinha”, seqüência do Six, Breakstra e Elis & Tom.

– “You don´t need a dance (funkstrumental)” – Breakestra
– “Águas de Março” – Elis Regina & Tom Jobim
– “Bad Luck” – Hot Chip
– “Parepluie” – Le Klub des 7
– “Não Vou Embora (Leo D & William Mix)” – Eddie
– “Morte e Vida Stanley (Originais do Sample Mix)” – Cordel do Fogo Encantado
– “Variant (34 a Mix)” – Variant
– “Mojo (Feat. Rahzel & Dan The Automator)” – Peeping Tom
– “Walk In The Park” – Oh No! Oh My!
– “Loop Duplicate my Heart” – Suburban Kids with Biblical Names
– “Zagueiro” – Xuxu
– “We Can Work it Out” – Stevie Wonder
– “Catador de Latinha” – Galo
– “Mighty O” – Outkast

Indie 25

Lista complicada, o critério definido para determinar o que é ou o que não é rock independente é curto e grosso: se tem dinheiro de empresa grande, não é indie. Assim, os altos e baixos do rock nacional no mercado de discos dão a tônica da produção independente nos últimos vinte anos. Até o começo dos anos 80, ser independente era uma atitude, um manifesto – como foram os discos da fase Racional de Tim Maia e a idéia original do selo de Luís Carlos Calanca, a Baratos Afins. Mas a explosão do rock na década de 80 praticamente extinguiu a produção indie, tamanha era a demanda das grandes gravadoras – e grupos independentes por definição musical tiveram seus discos lançados por majors. A estréia de Lobão, Cena de Cinema, de 1982, por exemplo é uma demo gravada em vinil. Nos anos 90, a chegada da MTV e o sucesso do Sepultura no exterior impulsionam o faça-você-mesmo e o rock independente vive o nascimento de um mercado que começaria a se organizar nos anos seguintes. O sucesso do plano Real, em 94, determina o futuro deste mercado: se por um lado abre a possibilidade de se adquirir tecnologia graças à paridade com o dólar, por outro exclui o elitismo musical do mercado de discos, voltado apenas para classes populares. Isto aumenta a produção caseira e equipa uma primeira geração de computadores que, graças à internet, passa a se comunicar com mais agilidade e para um público específico. Chegamos ao século 21 com uma produção madura e plural, disposta a conquistar o Brasil e o planeta.

Os 25 discos abaixo são as pedras fundamentais na formação de um mercado independente, tanto do ponto de vista comercial como artístico. Cada um deles marca uma etapa concluída, um novo patamar e uma novidade no complexo jogo do rock brasileiro indie, cada vez menos abaixo e mais ao lado do pop endossado por patrões abonados, mesmo aqueles lançados sob uma chancela “indie” (como o selo Plug da BMG, o Banguela da Warner, a Tinitus que era distribuída pela PolyGram ou o Chaos da Sony). Para facilitar a compreensão e não confundir a história, o foco fica apenas no formato rock, excluindo outros agentes cruciais para a formação do mercado independente (como hip hop, heavy metal, eletrônico e hardcore). Se não, era assunto para páginas e mais páginas…


1) Singin’ Alone – Arnaldo Baptista (1982)
Marco zero da produção independente como nós conhecemos, é o primeiro lançamento da Baratos Afins e o alerta “o sonho acabou” para a geração que cresceu à sombra dos Mutantes. Um novo rock estava começando a tomar conta do Brasil (à base do chopp e batata frita) e Arnaldo Baptista chorava as próprias mágoas ao piano, atormentado emocionalmente, com baladas cruas e muito rock’n’roll. Bem distante do sol carioca que começava a bronzear o rádio.


2) 3 Lugares Diferentes – Fellini (1987)
MPB maldita, cool wave, pós-punk, bossa nova, África, cult band, art rock… Conceitos que fervilhavam no underground oitentista se encontraram numa mesma banda. Formada pelos jornalistas Cadão Volpato e Thomas Pappon, o Fellini contava com a participação de Ricardo Salvagni para gravar seu álbum menos enigmático e mais, er, pop. Entre o rock europeu e a melancolia brasileira, eles sintetizavam sentimentos que anos depois seriam traduzidos em um único adjetivo: indie.


3) O Ápice – Vzyadoq Moe (1988)
Na Sorocaba pré-Wry, o clima europeu era mais alemão do que inglês. Culpa do noise dada do Vzyadoq Moe, performáticos orgânicos que partiam pra cima do público. Menores de idade e fartos de punk rock, abraçavam o drone, o cabecismo, o ritmo kraut e o industrial desplugado, especialmente na percussão ferro-velho. O Ápice vale seu título por optar pela independência, enquanto irmãos de sonoridade do grupo (o mineiro Sexo Explícito, os cariocas Black Future e Picassos Falsos) fecharam com a certeza do contrato com grandes patrões.


4) Cascavelettes (1988)
Antes de serem banalizados por um hit na novela Top Model, pelos mimos do superstarismo e muito antes do forróck boca-suja dos Raimundos, os Cascavelettes inauguraram a fase moderna do pop gaúcho, separando os contemporâneos do Liverpool e a geração Rock Grande do Sul como farinha do mesmo saco. Usando o palavrão com motivos rock’n’roll (o rock brasileiro só os usava com motivos punk, ressaca da Censura), o grupo era um misto de Ramones pornográficos com New York Dolls machistas e seu primeiro disco (lançado um ano antes do sucesso de “Nega Bom-Bom”) mostra a disposição para injetar algo mais do que energia no indie nacional. As demos da época, todas batizadas com o nome da banda, mantém o “nível”.


5) You – Second Come (1991)
Este é o único disco do selo Rockit!, do guitarrista da Legião Dado Villa-Lobos, que pode ser considerado independente – já que o sucesso underground que fez esgotar a tiragem inicial de 3 mil discos fez crescer o olho da inglesa EMI-Odeon, que abduziu a marca. A estréia do Second Come, influenciada diretamente pelo sussurrado rock inglês pós-Madchester e pelas convulsões noise pré-grunge do underground americano, abre a segunda fase do indie brasileiro que, devido à onipresença do instrumento, começa a ser definido, anglofonamente, de “guitar” (as duas pronúncias são permitidas).


6) Little Quail and the Mad Birds (1992)
Depois de tentar seguir os passos da geração Legião-Plebe-Capital (em vão, culminando na geração do seminal Rock na Rampa, em 1987), o rock de Brasília volta-se para dentro e a capital do Brasil começa a ebulir culturalmente. Disputando cabeça-a-cabeça o título de melhor banda com o Low Dream e o de melhor demo com o Oz (a excelente Trés Bien Mon Ami), o Little Quail ganha por não soar derivativo de ninguém (nem de My Bloody Valentine, nem de Pixies). A fita é uma ótima desculpa para caçar os registros sonoros do rock candango do começo da década, que vão da fase rock do Pravda aos primórdios dos Raimundos, passando pelas excelentes, e esquecidas, Succulent Fly e Sunburst.


7) Killing Chainsaw (1992)
São os piracicabanos do KC que colocam o rock do interior de São Paulo no mapa da década de 90. O LP homônimo, lançado pela loja de discos Zoyd e sampleando o anime Akira na capa, é o ponto inicial de uma geração que deu ao Brasil instituições célebres do underground, como a casa noturna Hitchcock (em Santa Bárbara d’Oeste), o zine Broken Strings, o festival Juntatribo, a rádio Muda e o estúdio Arenna (todos estes em Campinas), além de bandas que iam do punk pop do No Class ao samba-noise do Linguachula e o industrial nerd dos Concreteness. Além de iniciar a fase caipira do indie nacional, o Killing ainda se orgulhava de seu inglês brasileiro, com sotaque “tchu” em vez de “to” e sem brit-frescuras. O rock aqui é ligado na tomada e na distorção, de pai Sonic Youth e mãe J&MC.


8) Rotomusic de Liquidificapum – Pato Fu (1993)
O disco mais esquisito da gravadora mineira Cogumelo (que já contava com esquisitices como o disco sub-Red Hot do DeFalla ou o caos sônico do Holocausto) também é o disco de estréia do Kid Abelha dos anos 90. Estranho, não? Que nada. Estranho é ouvir a versão speed para “Sítio do Picapau Amarelo” ou um hino mosh baptchura cuja citação da Unimed levou o grupo a tocar no comercial do plano de saúde. E que tal o medley esquizofônico que batiza o disco, que cita, sem pudor, os Flintstones, Kiss, baião, funk metal e beats eletrônicos? Muito mais John do que Fernanda Takai, é o disco do trio mineiro que os fãs de Mike Patton mais gostam. Com razão.


9) Scrabby? – Pin Ups (1993)
Lançado pela Devil e produzido por João Gordo, o terceiro (ou segundo, se não contarmos o LP do projeto Gash) disco dos pais do indie 90 é também seu disco mais sombrio e pesado. Fora as referências inglesas, entra o lado mais caótico e, hm, “visceral” da banda. Gravado com sua formação clássica, é uma mistura de Funhouse (dos Stooges) com Berlin (do Bowie). É o ápice das guitarras de Zé Antônio. “Acho que esse foi o disco que mais teve briga no estúdio”, lembraria o vocalista Luís Gustavo anos depois”, eu nunca vi tanta gente chorando, berrando, a Alê chorando num canto, o Marquinhos no outro”.


10) Mod – Relespública (1993)
Curitiba tem a péssima reputação de não produzir registros sonoros à altura das apresentações ao vivo de suas bandas. Discos e fitas funcionam mais como “guias” sobre o que esperar de determinado grupo do que reproduções in vitro de suas performances instantâneas. Da mesma forma, a cidade não possui rock de laboratório, aquele feito para viver em estúdio. Talvez isto explique o paradoxo fundamental da capital do Paraná: quanto mais bandas a cidade produz, menos elas se destacam em nível nacional. O primeiro compacto da Relespública (ainda com o enfant terrible Daniel Fagundes, vocalista, morto aos 16 anos) pertence à primeira safra do indie rock da cidade, custeado pela gravadora Bloody que pertencia ao mesmo JR que é dono do lendário club 92 Degrees. Com três faixas (“Capaz de Tudo”, “Preciso Pensar” e “Quem é Que Entende o Mundo?”), o vinil fala mais do rock de Curitiba do que todas compilações lançadas em seu nome.


11) Nunca Mais Vai Passar o Que Eu Quero Ver – Doiseu Mimdoisema (1994)
A influência que a Graforréia Xilarmônica, uma das dissidências dos Cascavelettes, teve sobre o rock gaúcho é muito maior que o séquito de fãs que o grupo preserva até hoje. Graças ao improvável gosto musical de seus líderes, Frank Jorge e Marcelo Birck, despertou-se no pop riograndense o prazer em redescobrir a Jovem Guarda, encravada na memória genética do estado. Esta redescoberta trombou irresistivelmente com os prazeres de uma recém-descoberta paixão gaúcha, o experimentalismo no estúdio em tempos de gravação caseira. Diego Medina fez a fita para um amigo de farra, mas a contagiante “Epilético” pulou do som da sala de estar para as ondas do rádio e virou hit local instantâneo. Medina continuaria suas experiências pop no futuro (Grupo Musical Jerusalém, Video Hits, Senador Medinha), mas sem conseguir reencontrar a ingenuidade da primeira fita, que está para o rock gaúcho atual como Angel Dust, do Faith No More, está para o novo metal.


12) Uh-La-La – Dash (1995)
Antes de provocar suspiros com seu baixo Danelectro a bordo dos Autoramas (e ao lado do ex-Little Quail Gabriel Thomaz), Simone do Vale era a líder de um supergrupo indie carioca. Gritalhona e com jeito de moleque, ela era uma das guitarrista do grupo, ao lado de Diba Valadão (na outra guitarra), Formigão (que depois entrou para o Planet Hemp, no baixo) e Kadu (ex-Second Come, na bateria). O hit “Sexy Lenore” transformou a demo Sex and the College Girl num hit do underground do Rio e fez com que o grupo fosse sondado pela misteriosa gravadora Polvo, que lançou o único CD da banda, pra ninguém. Com a capa desenhada por David Mazzuchelli, o disco passou por uma série de empecilhos que o tornaram item de colecionador. O ano era 1995, as grandes gravadoras tinham dado as costas para o rock, as pequenas perdiam ilusões de vendagens altas e vários picaretas apareceram no meio da história. O disco do Dash é apenas um dos muitos exemplos de uma geração pega com as calças na mão.


13) 100 Km c/ 1 Sapato – Lacertae (1995)
Ao mesmo tempo, o Lacertae, no Sergipe, abria uma em muitas possibilidades. Depois da seca de 1995, o mercado independente passou por uma brusca horizontalização, e sua pluralidade tornava-se sua principal qualidade. Assim, bandas de lugares sem tradição passavam a ganhar espaço no cenário, quebrando o eixo Rio-SP-BH-Brasília-PoA-Recife que já havia quebrado o RJ-SP original no começo da década. A cena começa a fragmentar-se não apenas em lugares diferentes (cidades como Goiânia, Londrina, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Vitória e Maceió reivindicam na marra seu próprio espaço, nos anos seguintes) mas em gêneros improváveis. Se a MTV e o Sepultura criaram um hiato noise/guitar/heavy com bandas cantando em inglês e tentando, sem sorte, o mercado exterior, a fita de estréia do Lacertae é o elo perdido entre o pop dos anos 90 e o experimentalismo dos dias do Vzyadoq Moe. Hendrix, discursos concretos e uma bateria com berimbau também mostravam que o Nordeste estava em plena ebulição artística depois do mangue beat.


14) Carbônicos – The Charts (1996)
Com a fragmentação da cena independente, São Paulo entrou numa onda retrô semelhante à gaúcha, disposta a resgatar valores sessentistas a um pop perdido entre a rádio e o anonimato. Antecipando a onda kitsch que veio com Austin Powers e o box-set do disco Nuggets, a cena paulistana passou por uma estilização visual e sonora que mais tarde seria referida, de forma irônica, como a cena “churly”. Os responsáveis pela popularização desta nova fase seria o grupo comandado por Sandro Garcia, que teve seu único disco lançado pela loja Suck My Discs dos jornalistas/músicos Alex Antunes e Celso Pucci (outra ponte dos anos 90 com o cult rock dos 80). Garcia, dono do famoso estúdio Quadrophenia, mais tarde fundaria o Momento 68 com o vocalista da banda gaúcha Lovecraft, Plato Divorack, selando assim a paixão de São Paulo e Porto Alegre pelos anos 60. (Plato aliás é a grande ausência desta lista, talvez por nenhum disco sintetizar toda a complexidade do artista).


15) Learn Alone Or Read The User’s Manual – Sleepwalkers (1996)
Aqui vamos ter motivos de sobra para reclamações. Afinal, muitos vão falar dos tempos do baterista Farmácia ou da clássica Sick Brain in Sue’s Coffee, gravada um ano antes, quando muitos sequer reconhecerão a presença da banda. O fato é que os Sleepwalkers foram a melhor banda de indie rock, em todos os sentidos, que o Brasil já teve, deixando para trás concorrentes de peso como os goianos Grape Storms, a carioca PELVs e o Grenade de Londrina. A sonoridade lo-fi, o tratamento de guitarras, o senso melódico, os refrões, o apelo pop – as qualidades do grupo catarinense podem encher parágrafos e mais parágrafos. Mas além de sua qualidade, sua importância se dá por tirar o pop catarina da vibração riponga de bandas como Phunky Buddha e Dazaranhas. Depois deles, vieram o Feedback Club (da ex-sleepwalker Sabrina), o Superbug, os Pistoleiros, o Pipodélica e as gravadoras Low Tech e Migué Records, dando força à cena ilhéu de Floripa.


16) Baladas Sangrentas – Wander Wildner (1997)
Luminar do punk brasileiro para as massas dos anos 80, o ex-vocalista dos Replicantes seguiu os passos da primeira safra dos anos 90 (comprada pelas majors) e o moldou para o underground. Como os Raimundos tinham o forró, o Planet Hemp tinha a maconha e o mangue beat, os caranguejos; Wander inventou uma máscara para facilitar sua absorção pelo mercado – e com o rótulo “punk-brega” vendeu-se para uma nova geração ao mesmo tempo em que amadurecia sua personalidade pública. Mas, mais importante, a carreira solo do velho WW era uma prova cabal que o rock independente pouco tem a ver com juventude ou faixa etária.


17) Menorme – Zumbi do Mato (1997)
O Zumbi do Mato é o som que Fausto Fawcett e Arrigo (ou Paulo) Barnabé fariam juntos se tivessem alguma afinidade. Mas, mais do que isso, é o ponto de convergência de diversos aspectos do pop carioca, representados por diversas instituições. Há o humor doentio do Gangrena Gasosa, a explosão cênica de Piu-Piu & Sua Banda, a podreira das primeiras fitas do Pólux, as gravadoras Tamborete (do jason Leonardo Panço) e Qualé Maluco (dos planet hemp B-Negão e Formigão), a repetição do Stellar, o choque de Rogério Skylab e o som metal da segunda vinda do Second Come. Além disso, o grupo continua o legado experimental retomado pelo Lacertae que resultou na safra de vanguarda da virada do século, com nomes como Objeto Amarelo, os Jersssons (São Paulo), Os Legais (SC) e Vermes do Limbo (Londrina).


18) A Sétima Efervescência – Júpiter Maçã (1998)
O disco de estréia do ex-cascavelette Flávio Basso é um passo adiante nos conceitos vendidos pelos Charts e por Wander Wildner. Rock adulto, retrô e psicodélico, A Sétima Efervescência sagrava a maturidade da mesma geração que havia tomado a porta-na-cara das gravadoras depois da efervescência do biênio 93/94 e a independência do formato perseguido pelas gravadoras, sem deixar de soar pop, brasileiro e cantando em português e inglês. É o primeiro blip no radar de um mercado que viria, em menos de um ano, a galinha de ouros do trio sertanejo-axé-pagode começar a dar com os burros n’água.


19) Chora – Los Hermanos (1999)
A segunda fita do quinteto Los Hermanos escancarava um pop estritamente radiofônico que foi forjado longe do universo do mercado fonográfico. O grupo liderado por Marcelo Camelo era a continuação do trabalho de uma geração de bandas cariocas que misturavam ska, funk, reggae e samba (nomes como Los Djangos, Acabou La Tequila e, mais tarde, Pedro Luís & A Parede). Mas o grupo ia além e se alinhava ao ecletismo chique de bandas de sua geração, como 4-Track Valsa, Vibrossensores, Vulgue Tostoi, entre outros. Fora os maneirismos apaixonados (que levaram a banda receber rótulos como romanticore e pop brega), a fita mostrava que as possibilidades cogitadas por Júpiter Maçã poderiam ser exploradas a fundo, tanto artística quanto comercialmente. Mas o mercado, acostumado com seu próprio toque de Midas, comprou a banda e forçou “Anna Júlia” a fazer sucesso, overdosando o público do que poderia se tornar os Paralamas do século 21 (e ainda pode, apesar de tudo).


20) Astromato (1999)
Continuação dos experimentos noise e industrial da época do Waterball (92-95), o Astromato era filho direto do Weed, banda de pop guitarreiro britânico que, brincando com as palavras, passou a compor em português e se deu bem. Sua primeira fita era mais um degrau na escalada que o indie brasileiro dava rumo à sua auto-suficiência artística. Se gaúchos e cariocas ajudavam o rock a perder o jeito de moleque, os campineiros explicavam que algumas qualidades (como sensibilidade e timidez) não pertenciam à adolescência. Além disso, a dupla de guitarras Armando e Pedro tramavam texturas sônicas à moda das bandas inglesas que tanto influenciaram o indie no começo dos anos 90 (e que ainda repercutiam, graças a bandas como os mineiros Vellocet, o carioca Cigarettes e os catarinenses Madeixas). Aos poucos, o ciclo vai se fechando.


21) De Luxe 2000 – Thee Butchers’ Orchestra (1999)
Cru e direto, o TBO é a melhor banda de rock’n’roll brasileira na ativa e sua existência se deve à dissidência garageira que rompeu com o indie no meio dos anos 90. Seu núcleo central era o trio da gravadora Ordinary (a produtora Deborah Cassano, seu marido Marco Butcher, ex-Pin Ups, e o guitarrista e produtor Adriano Cintra), que, além dos Butchers’ foi responsável pelo lançamento de bandas como Ultrasom (de Adriano), Red Meat, Spots, Grenade, entre outras. Mais do que agitar o underground com duas guitarras e uma bateria, o Butchers’ está ligado à fase de ouro do indie anos 90, quando o rock brasileiro começou a conversar com os gringos, sem passar pelos veículos oficiais.


22) It’s An Out of Body Experience – Grenade (1999)
O Grenade era o próximo patamar. Fruto dos experimentos lo-fi do ex-Killing Chainsaw Rodrigo Guedes, o grupo nascia em Londrina e logo se tornava um dos maiores nomes do indie nacional. A repercussão se dava graças à sensibilidade de Rodrigo, pai de riffs memoráveis, melodias pop ao extremo e pirações em estúdio. O som ia do rock clássico ao hardcore, passando por folk e indie rock. Lançado no exterior, Out of Body Experience poderia é a conclusão lógica do longo passeio que o rock independente fez durante a década de 90.


23) Brincando de Deus (2000)
O terceiro disco destes baianos deveria ter o título que Experience, do Grenade, levou. Afinal, seria lançado um ano antes e produzido por Dave Friedmann (Flaming Lips, Mercury Rev, Mogwai) caso todo seu equipamento e pré-produções não fossem perdidos num incêndio. O grupo se refez e, ao lado do talentoso produtor e tecladista André T. (responsável pela sonoridade de novos baianos como Rebeca Matta e a banda Crac!), gravou seu álbum definitivo, imbatível. Um disco que poderia ser lançado no mercado exterior sem dificuldades e que, apesar da anglofilia, é essencialmente brasileiro.


24) Peninsula – PELVs (2000)
Completando dez anos de banda e dez anos do selo carioca Midsummer Madness, a PELVs faz um disco igualmente robusto como o do Brincando de Deus, mas cheio de ganchos pop e melódicos. Uma obra-prima do indie nacional, Peninsula soa como todos os independentes querem soar: profissa, autêntico, despreocupado e livre, como se o mercado de discos brasileiro permitisse isto. Se ele não permite, a deixa fica para o indie.


25) O Manifesto da Arte Periférica – Wado (2001)
Além de coroar a recente produção de Maceió (a saber, Varnan, Mopho e Sonic Junior), o disco de estréia do ex-Ball Oswaldo Schlickmann é o auge da produção independente brasileira dos últimos 20 anos. Tem todas as qualidades dos discos citados nesta lista, além de falar em português, compor letras certeiras e experimentar à vontade no estúdio. Se chegamos até aqui com este nível, daqui pra frente é só crescer.

Não lembro pra quem eu escrevi esse texto… Acho que foi pra Zero.