Sherry Turkle e os relacionamentos a conta-gotas

Nessa edição do Link, a autora do livro Alone Together, Sherry Turkle escreve sobre como os meios digitais estão fracionando nossos relacionamentos:

No ambiente de trabalho contemporâneo, jovens que cresceram com medo de conversar chegam para trabalhar usando fones de ouvido. Ao passear pela biblioteca de uma universidade ou pelo escritório de uma empresa de tecnologia, vemos a mesma cena: estamos juntos, mas cada um ocupa sua bolha, digitando furiosamente em teclados e telas sensíveis.

Um sócio sênior de um escritório de advocacia de Boston (EUA) descreve a situação no seu trabalho. Jovens advogados depositam seu arsenal tecnológico sobre a mesa: laptops, iPods e numerosos celulares. E então eles põem os fones nos ouvidos. “Fones imensos, como os de pilotos. Eles transformam suas mesas em cabines de avião.” Assim, o escritório fica em silêncio, uma calma que não é quebrada.

No silêncio da conexão, as pessoas se confortam com a ideia de estar em contato com um grande número de pessoas – cuidadosamente mantidas à distância. Mas não é possível ter uma relação boa se usarmos a tecnologia para nos manter separados por distâncias controladas: nem perto demais, nem longe demais, no ponto certo.

Mensagens de texto, e-mails e atualizações de status permitem que mostremos o “eu” que desejamos ser. Isto significa que podemos editar. E, se quisermos, podemos deletar. Ou retocar: a voz, a carne, o rosto, o corpo. Nem muito, nem pouco – na medida certa.

Os relacionamentos humanos são ricos, caóticos e exigem muito de nós. Com a tecnologia, adquirimos o hábito de organizá-los melhor. E a mudança da conversa para a simples conexão faz parte deste fenômeno. Mas, neste processo, estamos nos enganando. Pior ainda, parece que, com o tempo, paramos de nos importar, esquecendo que há uma diferença entre as duas formas de relacionamento.

O texto inteiro segue lá no Link.

Impressão digital #105: Beastie Boys, Paul’s Boutique e direitos autorais

Aproveitei a última notícia antes da morte do MCA para falar, mais uma vez, da importância do Paul’s Boutique, na minha coluna do Link dessa semana

A obra-prima que não pediu licença ao direito autoral
Paul’s Boutique, dos Beastie Boys, não poderia ser feito sob regras atuais

Um dia antes da morte de Adam Yauch, sua banda, os Beastie Boys, foi notificada pelo uso indevido de trechos de duas canções do grupo TroubleFunk. Yauch – também conhecido como MCA – morreu no último dia 4, vítima de um câncer na garganta contra o qual lutava desde o fim de 2009. No dia 3, a empresa que representa os direitos do grupo de funk de Washington, TufAmerica, entrou com uma ação pedindo indenização pelo fato do trio de Nova York ter usado trechos de duas músicas em seus dois primeiros discos.

Um pedaço de “Drop the Bomb” foi utilizado nas faixas “It’s the New Style” e “Hold it Now, Hit It” do primeiro disco dos Beastie Boys, Licensed to Ill, de 1986. Outro trecho da mesma música apareceu no disco seguinte, na faixa “Car Thief”, do álbum Paul’s Boutique, de 1989. O mesmo disco ainda trazia um trecho de outra música do TroubleFunk, “Say What”, na faixa “Shadrach”.

O verbo-chave no centro desta disputa é o neologismo “samplear”. O termo é um anglicismo que vem da palavra “sample” – amostra, em inglês –, mas começou a ser utilizado desta forma depois que a empresa japonesa Akai decidiu categorizar o modelo S900 de seu gravador digital como “sampler”. Com ele, era possível selecionar um trecho de áudio e repeti-lo por várias vezes, tornando possível a utilização de pedaços de músicas para a composição de novas canções. Este tipo de gravador já existia antes do Akai S900, mas foi graças a esse modelo – muito mais barato que seus antecessores – que a prática começou a ser mais difundida.

E os primeiros a utilizar o novo aparelho como instrumento musical foram os órfãos da disco music, que inventaram a música eletrônica como a conhecemos hoje. Depois que a discoteca implodiu no fim dos anos 1970, uma geração de novos fãs perdeu o referencial de onde conseguir novas músicas. E, aos poucos, foram eles mesmos se transformando em compositores, primeiro utilizando toca-discos para reproduzir trechos instrumentais. Foi assim que surgiram as dezenas de subgêneros da música eletrônica, como o techno de Detroit, o house de Chicago, o Miami Bass em Miami, o jungle em Londres, o funk carioca no Rio de Janeiro. Todas estas cenas musicais ficaram deslumbradas com o surgimento do novo aparelho.

Inclusive os de uma nova cena nova-iorquina que, diferentemente de seus parentes citados acima, dava mais ênfase ao vocal do que à base musical. O hip hop surgiu no mesmo momento em que a disco music foi induzida à overdose de exposição pela indústria fonográfica que a criou. Em 1979, o grupo Sugar Hill Gang lançava a música “Rapper’s Delight”, em que um trio de MCs rimava sobre uma base que consistia num loop de um trecho da música “Good Times”, do grupo Chic. Foi o início de uma das manifestações culturais mais influentes das últimas décadas.

Quando o sample surgiu, as bases usadas em discos de vinil deram lugar às bases que usavam o sampler como disparador de trechos. O DJ seguiria como o principal instrumentista do gênero até hoje, mas, no final dos anos 80, houve uma renascença musical criada a partir de artistas que usavam trechos de músicas alheias para compor novas músicas. Mas ninguém foi tão longe quanto os Beastie Boys – especialmente em Paul’s Boutique.

São centenas de trechos de discos, músicas, filmes e programas de TV usados ao longo de suas quinze músicas. O resultado dá a impressão de uma audição esquizofrênica, mas o disco é tão bem costurado que foi chamado de o “Dark Side of the Moon do hip hop”, em referência ao clássico disco do Pink Floyd, pela revista Rolling Stone.

Quando foi lançado, deu origem a uma série de questionamentos em relação a tal prática, que era inédita – os beasties não perguntaram se poderiam fazer, simplesmente foram fazendo. E deram origem a uma obra-prima da música moderna que seria impossível de ser realizada hoje em dia sem que a banda desembolsasse algumas centenas de milhares de dólares para gravar o disco. Mas, sem pedir licença, criaram um dos principais marcos da cultura do remix.

Link – 14 de maio de 2012

• iPad sem dúvidas • Escolha seu tablet • Seis tablets e suas especificaçõesPara baixar • Trânsito livre sob ameaça • ‘A internet pode virar uma televisão 2.0′  • Brasil na ROFLConImpressão Digital (Alexandre Matias): A obra-prima que não pediu licença ao direito autoralNo Arranque (Filipe Serrano): Preocupação com nova bolha de internet agora afeta o Brasil • Link agora no rádio • Servidor: Câmera Instagram, novo jogo da Rovio, documentário do Megaupload, carro do Google…

Link – 7 de maio de 2012

Games: Passa tempoSónar 2012: Palco, Web e PúblicoBlackberry: Cara NovaImpressão Digital (Alexandre Matias): Como a web 3.0 pode tornar Google e Facebook obsoletosP2P (Tatiana de Mello Dias): Os EUA se preocupam com a pirataria no Brasil. E nós?Homem-Objeto (Camilo Rocha): Líder dos AndroidsBrasil tomando conta do Facebook, MIT e Harvard à mão, o Pinterest pornô e a agenda da semana

Impressão digital #104: Google e Facebook obsoletos?

E na minha coluna no Link desta segunda, comentei um artigo escrito na Forbes sobre o futuro do Google e do Facebook.

Como a web 3.0 pode tornar Google e Facebook obsoletos
Futuro Jetsons: Aparelhos conectados vão se adaptar à rotina

Na semana passada, o especialista em tecnologia da revista Forbes, Eric Jackson, fez uma profecia controversa. Dizia que, talvez, em cinco anos, grandes nomes digitais como Google e Facebook podem perder completamente a importância. Parece alarmista, mas a tese de Jackson tem embasamento.

Ele diz que o Google era um típico site da web 1.0, quando o mais importante era a organização da rede. Em sua infância nos anos 90, a web já era composta de milhares de sites – longe dos bilhões atuais – e seu público ainda tateava em suas primeiras navegações. Era preciso que alguém facilitasse o rumo naquele primeiro momento – época em que todo site tinha uma seção de links recomendados, lembra? Foi a partir dessa necessidade que surgiram sites como o Yahoo (um diretório de sites) e a Amazon (que organizava as compras online). O Google foi o principal nome da última fase desta infância e resumia os anseios do cidadão digital oferecendo apenas um campo de busca. “O que você quer saber?”, parecia perguntar.

Veio em seguida a web 2.0, oferecendo ferramentas para as pessoas publicarem o que quisessem online, sem precisar saber nada de códigos ou linguagens de programação. Surgiram os blogs, os sites de hospedagem de vídeos e fotos, podcasts e outros megafones virtuais para ampliar o alcance do conteúdo produzido pelos usuários. E quando todos se perguntavam quem poderia se interessar em assistir a um vídeo feito sem muito cuidado ou ver fotos feitas com celular, surgiram as redes sociais, que responderam à pergunta mostrando que os consumidores dos conteúdos gerados por pessoas comuns eram elas mesmas, em nichos. Foi nesse território que surgiu o segundo maior site da década , o Facebook.

Mas, do mesmo jeito que o Google patina para entrar na camada social dominada pelo Facebook, a rede social também pasta na hora de conseguir se transferir para a internet móvel. Todo aplicativo do site feito para funcionar em dispositivos portáteis ficam muito aquém da experiência em desktops ou laptops. Segundo Jackson, eis o problema do Facebook. Do mesmo jeito que o Google não conseguiu – apesar de todas as tentativas – entrar na era da web 2.0, o Facebook também não conseguirá entrar na web 3.0, que, segundo ele, é a web em que os celulares e smartphones são os principais dispositivos de acesso.

Permita-me discordar. Primeiro porque a web 2.0 está essencialmente associada à mobilidade. Não apenas de tablets e celulares, mas também de computadores portáteis. Fotos são tiradas pelo celular e compartilhadas em diferentes redes sociais quase que simultaneamente. Os protestos (Primavera Árabe, Occupy, entre outros) que vimos no ano passado foram protagonizados por celulares e câmeras portáteis, não por desktops.

Discordo também do fato de a web 3.0 ser a internet móvel. O que convencionou-se chamar de web 3.0 é a tal web semântica, que entende o que seu usuário quer e oferece exatamente aquilo que ele precisa. Assim, se a web 1.0 perguntava o que você queria, a web 2.0 traz o que você quer sem mesmo que você saiba que queira (pense na quantidade de assuntos que conheceu graças a links de amigos no Facebook). A web 3.0 facilitaria isso ainda mais – e você nem perceberia que está entrando na internet ao receber tais informações.

Eis meu ponto: a web 3.0 não é de computadores e celulares, mas de todos os aparelhos da sua casa, que, aos poucos, conectam-se à internet. Primeiro a TV, e depois logo virá o rádio, o carro, a cozinha e tudo que puder ser conectado. Não é simplesmente um navegador que, a partir de seus hábitos online, lhe entrega o que você nem sabe que está procurando e, sim, um futuro dos Jetsons – sem o carro voador. Você acorda e em dez minutos a água do banho está esquentando. E logo que você desliga o chuveiro, a cafeteira começa a preparar seu café. A web 3.0 nos desconecta de aparelhos, por completo.

Mas concordo em um ponto com Jackson: o Google desta web 3.0 ainda não surgiu. E pode sim tornar Google e Facebook obsoletos em pouco tempo.

Sónar e tecnologia

Na edição de segunda do Link também entrevistei Ricard Robles, um dos fundadores do Sónar, sobre o papel de um festival de música em tempos digitais.

Palco, web e público
Fundador do festival de música e tecnologia Sónar, que acontece em São Paulo esta semana, discute impacto da internet no hábito de ouvir e curtir música

Criado há 18 anos na Espanha, o festival Sónar chega pela segunda vez ao Brasil no próximo fim de semana (a primeira edição foi em 2004), quando reúne, na sexta e no sábado, alguns dos principais expoentes da música pop contemporânea no Anhembi.

Diferente da maioria dos festivais, que chamam artistas de apelo popular para atrair um grande público, o Sónar sempre optou por atrações pouco conhecidas ou que estejam em ascensão, se firmando, em quase duas décadas de atuação, como farol para as novas tendências do mercado da música.

Mas como a música vem passando por uma transformação brutal, que envolve desde os processos de criação e distribuição, até a forma como a música é consumida e curtida, qual é o papel de um festival que sempre levantou a bandeira das novas tecnologias? Quem responde é um dos criadores do festival, o espanhol Ricard Robles, que esteve no País há poucas semanas, para acompanhar os preparativos do evento de música.

“Você tem razão quando diz que um evento que se ampara em apresentações ao vivo sofre pouco impacto frente às mudanças que estamos vendo – afinal, a natureza deste tipo de evento é anterior mesmo à era da música gravada”, explica. “Mas as transformações recentes mostram que há uma mudança crucial na forma como as pessoas consomem música. Hoje, graças à onipresença da internet, de computadores e de celulares, ouvir música está se tornando uma atividade cada vez mais solitária, individual. A importância do Sónar reside em proporcionar um momento de comunhão palpável para uma geração que não tem nem mesmo alguma referência física no que diz respeito à música. Não há mais CD, nem capas de discos. A música tornou-se uma experiência”, conclui.

Ele ressalta a importância do painel Sónar Pro, dedicado a palestras e discussões sobre o mercado da música, que sempre existiu no festival, mas que ganhou relevância nos últimos anos. “Começou como uma vitrine, mas hoje se tornou uma parte importante do festival para discutirmos o futuro deste mercado”, comenta.

Mas, com todas as mudanças, o formato palco-público ainda obedece à antiga fórmula, separando o artista da audiência, uma tendência que tem sido demolida na medida em que os meios digitais se popularizam. Será que é possível pensar em um festival que contemple a participação do público?

“Acredito que sim, e isto já vem acontecendo, mas acho que é uma dúvida que vai ser solucionada pelos artistas”, conta, citando o produtor Richie Hawtin como um exemplo prático. “Ele colocou uma pessoa para twittar em seu perfil quais músicas que estava discotecando. Ainda é um rascunho do que acho que vamos assistir no futuro, mas tais experimentações tem de partir dos autores, dos compositores”, conclui o espanhol.

Impressão digital #103: Os melhores filmes que ainda não foram feitos

Na minha coluna do Link desta semana, comentei sobre a profecia que Jimmy Wales, da Wikipedia, fez sobre o iminente fim de Hollywood.

Os melhores filmes de todos os tempos ainda não foram feitos
O cinema não vai acabar, mas mudar

Há uma semana, durante o encontro Global Inet, realizado em Genebra, na Suíça, o fundador da Wikipedia, Jimmy Wales, deu uma declaração no mínimo polêmica. Entusiasmado com a recente notícia de que seu site fez a vetusta Encyclopedia Britannica, que era impressa desde 1768, aposentar sua versão em papel, ele profetizou sobre o futuro da indústria do cinema: “Ninguém se dará conta quando Hollywood morrer. E mais, ninguém vai se importar”.

Não é uma continuação do velho discurso deslumbrado com o digital que o transformava em carrasco final de velhas mídias e tecnologias. Ao contrário do que foi alardeado por todo o século 20, o rádio não matou o jornal, como a TV não matou o cinema, nem o telefone matou a conversação. E quando o tema é internet, tais “mortes anunciadas” parecem apenas provocações – afinal, a internet não “mata” a indústria da música, do audiovisual, da fotografia ou das notícias, mas agrega cada faceta destes universos dentro de sua interface.

A questão, frisou Wales, não é tecnológica, mas social, citando a própria filha, Kira, de 11 anos, como exemplo: “Ela maneja com total desenvoltura uma câmara de alta definição, que usa para captar, editar e produzir seus próprios filmes na internet”. E continuou: “Quando essa geração completar 22 anos realizará filmes com mais qualidade que os de Hollywood. Esses mesmos filmes serão mais populares e destruirão o modelo de negócio vigente. Ocorrerá o mesmo que ocorreu com a Wikipedia, que fez que a Encyclopaedia Britannica deixasse de ser impressa 11 anos após a criação (da Wikipedia)”, declarou. E ao finalizar, cravou: “Há uma grande possibilidade que todo o modelo de produção esteja completamente ultrapassado em muito pouco tempo.”

Isso não quer dizer que o cinema vai acabar – longe disso. Wales falava especificamente da indústria cinematográfica norte-americana, concentrada nos estúdios de Hollywood, em Los Angeles. O modelo funcionou por décadas e foi se adaptando aos tempos: das salas de exibição à chegada da locação (primeiro o VHS, depois o DVD, outros candidatos a “assassinos do cinema”, cada um em seu tempo), passando pela TV a cabo e seu pay-per-view, filmes exibidos em voos até a tecnologia 3D. Tudo isso ficava concentrado na mão de alguns executivos, uma panela de técnicos, uma turma de atores e outra de autores. Mas eis que chegam as mídias digitais e, de repente, qualquer um pode fazer cinema. A princípio apenas alguns filminhos, feitos às vezes com o celular. Acontece que aos poucos outros truques típicos de uma indústria centenária (do figurino aos efeitos especiais, da iluminação à direção de arte, do roteiro à fotografia) são absorvidos por uma geração que nem sequer chegou à maioridade, como a filha de Wales.

Quando chegarem, em menos de dez anos, assistiremos a filmes completamente diferentes, que não se limitam a apostar no que é certo e fugir do que for mais ousado (este sim, o grande erro da indústria tradicional).

Falando de outra indústria, a da música, o ex-guitarrista do grupo inglês Oasis, Noel Gallagher, disse que “o consumidor não queria Sgt. Pepper’s (o clássico disco dos Beatles), nem Jimi Hendrix, nem Sex Pistols”, ao reclamar que a indústria havia se tornado uma imensa pesquisa sobre as vontades do público. Ele ecoava uma frase de Henry Ford muito repetida por Steve Jobs: “Se perguntássemos o que os consumidores queriam, eles não iriam querer o carro, e, sim, um cavalo mais rápido”.

A mídia não vai morrer, mas precisa se reinventar para se adequar. E se a indústria que toma conta disso não assumir logo estas rédeas, outros vão fazer isto por ela, criando uma nova indústria. A melhor analogia sobre a mudança remete à invenção da fotografia, que, teoricamente, acabaria com a função dos retratistas, uma vez que ninguém pagaria para ter um retrato pintado. O que aconteceu? Os pintores da virada do século 19 para o 20 criaram o impressionismo e o modernismo. E isso deve acontecer com o cinema, e logo. Como diz um amigo meu, ainda não vimos os melhores filmes de todos os tempos.

Link – 30 de abril de 2012

A vez do 4GEcad: Em xeque‘O direito autoral hoje é anacrônico e corrupto’Sem controleBlackberry: Correndo atrás (enquanto é tempo)Impressão Digital (Alexandre Matias): Os melhores filmes de todos os tempos ainda não foram feitosNo Arranque (Filipe Serrano): Os negócios da computação online estão apenas no inícioHomem-Objeto (Camilo Rocha): Fora da nuvemVida Digital: Alex BellosFoxconn sem água, Cispa quase lá, Apple viola e magnatas atrás de combustível no espaço

Link – 23 de abril de 2012

Solar • FotofiliaDepois da SOPA, a CISPAImpressão Digital (Alexandre Matias): Como a tecnologia molda nossa concepção de culturaP2P (Tatiana de Mello Dias): Governo aberto é tendência, mas ainda não é realidadeTudo em todo lugarVida Digital: Howard Rheingold: Como o online muda o offlinePiratas no poderSamsung Store, Rapidshare lança guia antipirataria, Apple usa ‘energia suja’, leilão 4G

Howard Rheingold: “Multidões inteligentes não são necessariamente multidões sábias”

Entrevistei o Howard Rheingold, autor de livros como The Virtual Community, Smart Mobs e o recém-lançado Net Smart, na edição do Link desta segunda. Ele vem para o Brasil no fim desta semana, dentro da programação do festival Arte.mov, que acontece em Belo Horizonte.

Como o online muda o offline
Teórico pioneiro em cultura hacker e comunidades virtuais, Howard Rheingold vem ao Brasil dez anos depois do lançamento do livro que anteviu os movimentos políticos organizados online no ano passado e fala de sua preocupação com a privacidade na rede

Howard Rheingold escreveu um livro sobre comunidades virtuais quando a internet ainda saía da fase dos BBSs e fóruns frequentados por acadêmicos e entusiastas da nova mídia. The Virtual Community, de 1993, não só funcionou como guia teórico sobre o funcionamento cultural da internet exatamente no momento em que ela começava a se popularizar, como consolidou a importância do escritor como visionário digital.

Na época, ele já tinha passado pelo mítico laboratório PARC da Xerox (berço de grande parte dos itens da computação pessoal que usamos até hoje, como a interface gráfica e o mouse) e havia publicado outros dois livros: Out of the Inner Circle: A Hacker’s Guide to Computer Security (Fora do Círculo Interior: Um Guia sobre Segurança de Computadores para Hackers, em tradução livre) ao lado de Bill Landreth e Tools for Thought: The History and Future of Mind-Expanding Technology (Feramentas para o Pensamento: A História e o Futuro da Tecnologia de Expansão da Mente), ambos publicados em 1985. Nenhum teve edição brasileira, nem os que foram lançados depois.

De lá para cá, estabeleceu-se como cronista do mundo digital e futurista do comportamento online, aura consolidada com suas colunas para o jornal San Francisco Examiner nos anos 90. Em 2002 escreveu seu visionário livro Smart Mobs: The Next Social Revolution (Multidões Inteligentes: A Próxima Revolução Social),que já antevia os movimentos populares e organizados online que ocorreram no ano passado, como a Primavera Árabe e o movimento Occupy Wall Street.

Rheingold vem ao Brasil para falar de seu quinto livro, Net Smart: How to Thrive Online (Esperteza de Rede: Como Prosperar Online), lançado no mês passado, durante o festival Arte.mov, que é realizado nesta semana em Belo Horizonte. O Link conversou com ele por e-mail sobre as mudanças políticas e sociais que estão acontecendo graças à nova realidade digital.

Qual sua visão sobre as redes sociais, do ponto de vista de um dos pioneiros das comunidades virtuais?
Na minha opinião, redes sociais como o Facebook são uma espécie de bênção mista. Elas permitem que as pessoas se conectem entre si, embora, em alguns casos, isso não é um benefício positivo, Basta lembrar das pessoas chatas que você deixou para trás quando mudou de casa, escola ou emprego. As rede sociais também tornam muito mais fácil compartilhar informação com pessoas com quem mantemos vínculos sociais. Este aspecto fortalece o tal “capital social” – a capacidade de grupos conseguirem atingir metas coletivas fora de instituições formais como contratos, leis, governos – que depende de “redes de confiança e normas de reciprocidade” de acordo com sociólogos. Contudo, tais serviços não fazem aquilo que era feito em comunidades virtuais que permitiram o crescimento rápido da internet e que tornavam possível conectar pessoas com interesses em comum mas que não se conheciam. O Facebook restringe a comunicação, transforma a privacidade em produto e comercializa toda ação de seus usuários. Ao mesmo tempo, há milhares, talvez milhões, de listas de e-mail, fóruns online, salas de bate-papo, blogs e wikis com área de comentários.

Meu maior medo em relação ao Facebook é que ele tenta fechar a internet aberta. Sir Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, recentemente nos alertou sobre isso em um artigo. Berners-Lee não precisou pedir permissão a ninguém para criar a web e os criadores do Google não tiveram de pedir a ninguém para reprogramar um serviço controlado para transformá-lo em uma companhia multibilionária a partir de um alojamento universitário. A inovação depende da natureza aberta da internet, mas o Facebook está caminhando diariamente para transformá-la em um sistema fechado em que ele dita as regras.

Você acha que estes serviços ameaçam a privacidade? O conceito de privacidade mudou?
Como colunista, sempre alertei sobre as ameaças à privacidade, há 15 anos. Muito pouca gente nos EUA parece se importar. Nós estávamos despreocupados – para não dizer ansiosos – em trocar nossa privacidade pela conveniência e, especialmente depois do 11 de Setembro, pela ilusão de segurança. Os avanços tecnológicos de hoje rastreiam todos os nossos passos online e constroem poderosos portfólios de informação sobre bilhões de pessoas. Câmeras de vídeo nas maiores cidades do mundo podem reconhecer rostos de pessoas específicas. E agora não tememos mais apenas o Estado – nossos vizinhos, ex-cônjuges, estranhos que ficam com raiva da gente no trânsito e anotam nossas placas, todos eles podem descobrir muita coisa sobre qualquer um de nós. Acho que está claro que a privacidade não significa mais o que significava antes das rede sociais. Quando o Facebook acionou seu feed de notícias – permitindo que você veja atualizações instantâneas sobre o que todas as pessoas na sua lista de amigos estão fazendo naquele momento –, as pessoas se sentiram ultrajadas e houve uma espécie de revolta. Seus usuários sabiam que qualquer pessoa poderia ver o que elas haviam postado em seus perfis, mas a simples ideia de que estas informações poderiam ser publicadas em suas redes de forma instantânea aborreceu o senso de privacidade de muitas pessoas que já usavam a rede social. Mas agora o feed de notícias é aceito por todos. Os limites da privacidade vão mudando. Acho que é importante distinguir entre informações que podem ser constrangedoras para outras pessoas e aquelas que podem dar poder a outras pessoas em relação a nós mesmos. É muito tarde para parar essa vigilância tecnológica e as violações de privacidade promovida pelos governos e por iniciativas comerciais. O melhor que podemos fazer é educar as pessoas de forma que elas possam tomar as providências necessárias para proteger suas privacidades. Eis a razão de eu ter escrito o livro Net Smart, que ainda não tem uma edição no Brasil.

Você acha que as comunidades online podem melhorar a vida fora da internet? O mundo digital pode fazer as pessoas se sentirem parte de uma comunidade mesmo quando não estão conectadas à internet?
Sem dúvida. Sou um sobrevivente do câncer e posso garantir que isso funciona. Há pessoas no Brasil e em qualquer país do mundo que têm recebido muitos benefícios desta comunidade – informação necessária, apoio emocional, sensação de pertencimento – de comunidades virtuais.
Uma pesquisa recente feita pelos sociólogos Barry Wellman, Keith Hampton, entre outros revelou que as pessoas que passam mais tempo se comunicando online com seus vizinhos também se envolvem mais com eles fora da internet. Esta questão era usada como jurisprudência por filósofos de escritório e juristas, mas pesquisas científicas recentes revelaram que a participação em comunidades online não é necessariamente alienante e em muitos casos pode trazer benefícios para a vida fora da vida conectada da internet.

Uma vez que todos estão online, a tendência para o futuro é que nos tornemos mais isolados ou gregários?
Sei que as pessoas que realmente criam uma cultura na qual elas participam – seja comentando num blog, organizando uma wiki, participando de uma comunidade virtual ou outras centenas de formas de contribuir com a cultura online –, se veem como cidadãos ativos, comparados a pessoas que se veem apenas como consumidores passivos de uma cultura criada por outros. A incerteza crítica vem do fato de não sabermos a forma como este conteúdo será disseminado. As pessoas saberão que existem formas de participar? Estas habilidades não são ensinadas nas escolas, apesar de muitos ensinarem isso uns aos outros. De outra forma, não teríamos a web! Novamente, este elemento educacional foi um dos motivos pelo qual escrevi meu livro. Eu até criei um currículo para professores de universidade ensinarem essas habilidades.

Como você acha que os levantes populares organizados online durante o ano passado vão evoluir nos próximos anos?
Escrevi um livro sobre este fenômeno há dez anos e notei que a combinação entre telefonia móvel, internet e computador pessoal estava criando uma nova mídia que diminuiu bastante as barreiras para tornar a ação coletiva possível. Mesmo antes dos eventos que você mencionou, as eleições na Coreia e na Espanha mudaram devido ao uso deste tipo de mídia. As pessoas têm como organizar ações com pessoas que nunca tiveram contato. Da mesma forma que a imprensa escrita permitiu que as pessoas criassem democracias nas quais os cidadãos podiam decidir pelo futuro de seus governos, as tecnologias de hoje têm permitido novas formas de organização política. E não apenas política – a Wikipedia, a comunidade do software livre, a resposta voluntária a catástrofes e muitas outras formas de ação coletiva ainda estão apenas surgindo. Multidões inteligentes não são necessariamente multidões sábias, e as pessoas se organizam tanto para construir quanto para destruir coisas. De novo, acredito que a educação – o que as pessoas sabem sobre seus novos poderes – fará a diferença.