On the Run 52: Dancing Cheetah! – Tropicaliente

João Brasil está se despedindo momentaneamente do país que carrega no sobrenome, mas leva a alma tropical na bagagem – e nos deixa com a segunda mixtape da festa Dancing Cheetah, batizada de Tropicaliente. O mix leva o clima da festa que João tem tocado com Pedro Seiler e Chico Dub no Rio. Aproveita e dá uma sacada, que o blog da festa é puxado pra groove latinos, molejos caribenhos, batuques africanos e rebolados de lambada, puxado pelo filtro da dance music, eletrônica ou não.

Dancing Cheetah! – Tropicaliente

Jovem Guarda hoje

O Itaú Cultural fez um especial sobre a Jovem Guarda, com farto material multimídia e vários textos sobre o tema – vale a visita. E entre artigos assinados por bambas como o Fernando Rosa e o Ricardo Alexandre, me pediram para escrever uma matéria sobre a influência do movimento cultural no pop brasileiro do século 21. Olha o texto aê (para o ler o original, entre no site e clique na seção Textos).

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E que tudo mais vá pro inferno

Geração pop endossa a importância da jovem guarda para a história da música brasileira

Dá para imaginar o que seria da música brasileira se não houvesse a jovem guarda? Mesmo que não possa ser ouvido como um gênero específico – afinal, começou como a diluição do impacto mundial do rock por meio do senso estético e passional da América Latina –, o movimento talvez tenha sido o principal fenômeno musical do século passado no Brasil. Sua força vai além das canções e dos filmes de Roberto Carlos. Jovens, urbanos e elétricos, seus músicos conseguiram atingir o país com o mesmo impacto dos reis e das rainhas do rádio nas gerações anteriores e tiveram suas principais características absorvidas por quase todos os músicos, compositores e intérpretes que vieram em seguida. Do samba-rock ao tropicalismo, passando pela cena funk/soul dos anos 1970, pelos Mutantes e pela própria MPB, e indo até a música sertaneja e o rock dos anos 1980, todos reconhecem que a jovem guarda foi uma das manifestações populares mais autênticas da música brasileira, cuja repercussão ainda é sentida no país.

Por mais diverso e esquizofrênico que pareça ser o cenário pop atual, ele tem suas raízes inteiramente vinculadas ao movimento inaugurado pelo trio Roberto, Erasmo e Wanderléa. E da jovem guarda é possível colher frutos tão improváveis quanto a eletricidade dançante do trio Autoramas, as guitarras do La Pupuña, a autocrítica pop do Cabaret, o romantismo descarado do Cidadão Instigado, as melodias do Mombojó e o apelo direto de Lucas Santtana, além de toda a escola de rock gaúcho inaugurada pela Graforréia Xilarmônica, do carisma do pernambucano China e do tom confessional do Los Hermanos.

Um exemplo dessa influência direta está em Gabriel Thomaz, do Autoramas, que se reuniu com outros músicos de sua geração para, ao lado do tecladista Lafayette Coelho, reverenciar o período com a banda Lafayette e os Tremendões. Já China e alguns integrantes do Mombojó celebram a importância de Roberto Carlos com o grupo Del Rey. Trata-se de uma geração que cresceu ouvindo esse ritmo sem os preconceitos dos que, naquele período, o tachavam de música descartável ou rotulavam os músicos da jovem guarda de alienados políticos.

“Uma pitada sacana”
“Não sei se existe outro movimento nacional mais influente quando se fala em música popular. Todo mundo ouviu e tirou alguma coisa da jovem guarda, de Caetano Veloso ao brega paraense, de Amado Batista ao Autoramas”, explica Gabriel Thomaz. O gaúcho Frank Jorge, fundador da Graforréia Xilarmônica, concorda: “Foi ela quem trouxe o tipo de formação instrumental baixo, guitarra, bateria, voz e órgão, um novo enfoque para os arranjos”. O paulistano Curumin complementa: “Não consigo imaginar, por exemplo, o que teria acontecido com a tropicália, a psicodelia, o samba-rock e o rock dos anos 1980 caso a jovem guarda não tivesse acontecido”. Para Adriano Sousa, baterista da banda paraense La Pupuña, “o maior legado são as guitarras, os teclados do Lafayette e, claro, as letras, ingênuas mas com uma pitada sacana”.

Márvio dos Anjos, da banda Cabaret, teoriza: “Radicalizando, sem a jovem guarda o cenário pop do Brasil teria abraçado esse conceito babaca de linha evolutiva da MPB de raiz. Haveria rock, mas Cabeça Dinossauro [1986], dos Titãs, por exemplo, não seria precedido por canções deliciosas como Sonífera Ilha e Insensível. O Los Hermanos teria inaugurado a carreira com Bloco do Eu Sozinho [2001], e perderíamos Anna Júlia, que é a obra-prima deles. Sem falar o que devem a eles várias bandas do fim dos anos 1990, como Autoramas, e todo o rock gaúcho. Por outro lado, os caminhos de Rita Lee – com o Tutti-Frutti – e de Lulu Santos não teriam sido pavimentados por uma série de corinhos, e talvez eles fossem menos subestimados do que são por parte da geração atual. Enfim, o problema é que, com ou sem jovem guarda, o Brasil ainda é muito preconceituoso com a música adolescente. A galera quer ver maturidade em tudo e não repara que isso é coisa de velho”.

Já o compositor baiano Ronei Jorge pondera a extensão da influência da jovem guarda: “Não sei se dá para precisar o legado da jovem guarda na atual geração. Muitas coisas se passaram e se misturaram: tropicalismo, bossa nova, música cafona, mangue-beat etc.”. Kassin, que participa de projetos como o + 2 e o Artificial, além da banda Acabou la Tequila, pontua: “Acho que as gravações mudaram muito com a jovem guarda – a forma de orquestração, a introdução da guitarra. Isso abriu as portas para o que veio depois”. BC, guitarrista da banda brasiliense Móveis Coloniais de Acaju, complementa: “Houve um lado tecnológico, quando surgiram guitarras, baixos e amplificadores nacionais”.

Liberdades individuais
O fenômeno pop da jovem guarda deve-se em grande parte à expansão da cultura rock ’n’ roll pelo planeta, que estabeleceu um novo parâmetro para a música feita no Brasil. “A jovem guarda é a precursora do rock no país e tem um papel importantíssimo num conceito de rock sobre e para a diversão”, continua Márvio. “Hoje, o engajamento político está cada vez mais démodé, as democracias estão aí como queríamos, os movimentos sociais e as ONGs, mas o que a nossa geração quer mesmo são as liberdades individuais. A jovem guarda falava disso e virou referência, mesmo com uma rebeldia mais ingênua. ‘Manter a fama de mau’ para sair com mulheres, o sonho com o carro, a insatisfação com a ilegalidade dos prazeres ou com a rigidez da moral vigente”. Kassin emenda: “Para mim, aquelas músicas do Chico Buarque falando coisas pelas beiradas não faziam o menor sentido quando eu era adolescente. Minha reação era: ‘Por que ele não fala o que está pensando?’. Claro que hoje entendo melhor o período, mas a jovem guarda não precisava ser explicada”.

“Música emociona ou não emociona”, diz o cearense Fernando Catatau, guitarrista e líder do Cidadão Instigado. “As pessoas queriam ouvir canções politizadas no Brasil, então qualquer uma que não fosse assim parecia não ser legal. E na jovem guarda era tudo muito simples e puro”. Frank Jorge concorda: “Os tempos pediam posicionamentos. E eles diziam coisas que faziam sentido para eles e, é claro, para milhões de brasileiros. Podiam não ter uma postura política orgânica, engajada, mas a exerciam na prática”.

“Quase orixás”
Lucas Santtana cita uma música como exemplo da força do movimento: “Quero que Vá Tudo pro Inferno, de Roberto e Erasmo Carlos, já começa negando a tradição da canção popular brasileira ao indagar: ‘De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar?’. Símbolos que sempre foram orgulho nacional são postos à prova para no refrão culminar no que Fausto Fawcett chamaria de ‘puro-desabafo-egotrip-adolescente’: ‘Só quero que você me aqueça nesse inverno/E que tudo mais vá pro inferno’”. Gabriel concorda: “A jovem guarda reside no trio Roberto, Erasmo e Lafayette, e Quero que Vá Tudo pro Inferno tem o dedo dos três. É o som característico da jovem guarda”. “É uma obra-prima”, afirma China. “Como um artista consegue fazer sucesso com uma música que manda tudo pro inferno? É meio surreal se levarmos em conta todo o momento político da época.”

A dupla Roberto e Erasmo tem papel crucial nessa história: “É clichê falar deles como Lennon/McCartney, Jagger/Richards, mas a alimentação entre os dois, a provocação, as piadas internas, a competição e a busca por aprofundamento de caminhos musicais sem sair do pop os tornam artistas muito mais interessantes. Como se não bastasse o repertório”, lembra Márvio.

Lucas Santtana pontua que “a canção popular brasileira foi geneticamente modificada pela dupla e sua herança é nítida até hoje quando ouvimos artistas atuais como China, Ronei Jorge, Catatau, Rubinho Jacobina e Flavio Basso”. “Os dois são quase orixás”, arremata Kassin.

Vida Fodona #136: Melhores de 2008 (parte 1)

Acompanhando a retrospectiva que venho fazendo no Trabalho Sujo, vamos dar nomes aos bois e ouvir o que de melhor rolou no ano que termina. Essa é a parte 1, que vai do número 50 ao 43, tanto na categoria melhores músicas quanto melhores discos. Simbora!

Black Angels – “Never Ever”
Wale – “The Kramer”
Katy Perry – “I Kissed a Girl”
Weezer – “Pork & Beans”
Copacabana Club – “Just Do It”
La Pupuña – “Speak to Me/Breathe”
Lil Mama (feat. Chris Brown & T-Pain) – “Shawty Get Loose (Don Zee Remix)”
Robyn – “Cobrastyle”
David Byrne e Brian Eno – “Strange Overtones”
Santogold – “Creator”
A-Trak – “Say Whoa (Megamix)”
Hercules & Love Affair – “True False, Fake Real”
SNJ – “Se Tu Lutas, Tu Conquistas”
Racionais MCs – “Vida Loka”
Pipodélica – “Hora H”
Mallu Magalhães – “Tchubaruba”

Vida Fodona #104: Toda Quarta-Feira

Chris Bell – “I Am the Cosmos”
Cartola – “Corra e Olhe o Céu”
Hurtmold – “Deni”
Bees – “Got to Let Go”
MGMT – “Electric Feel”
The Good, The Bad and the Queen – “Behind the Sun”
Gilberto Gil & Os Mutantes – “Pega a Voga, Cabeludo”
Screaming Trees – “Dying Days”
La Pupuña – “Money”
Los Amigos Invisibles – “Mujer Policia”
Sala Especial – “Interlagos 75″
Pulp – “All Time High”
Olivia Tremor Control v- “A New Day”
Calexico – “Guns of Brixton”
Raul Seixas – “Caminhos II”
Notwist – “Alphabet”
Radiohead – “Down is the New Up”
Nick Cave & the Bad Seeds – “Albert Goes West”
Sonic Youth – “That All I Know (Right Now)”
Portishead – “Nylon Smile”

Pós-Calypso Now

A bola da vez ou a nova Recife? Com o espetáculo Terruá Pará, que expande os horizontes da cena paraense para o resto do Brasil, Belém se firma como novo pólo de produção cultural brasileiro. Mas por que só agora?


Mestres da Guitarrada (Renato Reis)

No fim de semana de 17 a 19 de março deste ano, uma espaçonave de madeira pousou no palco do Auditório do Ibirapuera. O cenário (peças de artesanato agigantadas) e uma teatral modéstia roots da maioria de seus artistas, deixada de lado logo que a música começava, redesenhava uma simulação. Da mesma forma que a capa do disco-símbolo Tropicália ou Panis et Circensis, de 1968, lia o Brasil como uma família tradicionalista, esquizofrênica e vanguarda por falta de opção, o espetáculo Terruá Pará, concebido e executado pela Fundação de Telecomunicações do Pará (a TV Cultura local), mostrou a cena paraense como uma banda harmoniosa em que a tradição e a modernidade já não se chocam, como no tropicalismo, mas se interagem como uma tribo hippie, a utopia dos Novos Baianos elevada à escala de uma aldeia, cujas conversas podem se confundir, mas se complementam.

O evento vem consagrar a capital paraense como um novo pólo de produção cultural no país. Desabrochando novamente depois de seus dias de glória no final do século dezenove (quando o látex ainda dava as cartas na economia mundial e Belém era um metrópole imperial, enquanto São Paulo era a décima cidade do Brasil), a cidade vive um feliz cruzamento de boas notícias. Entre sua inclusão no circuito de shows de rock independente à profissionalização da cena, passando por políticas culturais de inclusão, a nutrição de um crescente público local e a revitalização de tradições ancestrais, Belém do Pará surge na pauta cultural brasileira forte o suficiente para cobrar um débito para com a região Norte justamente quando a Amazônia começa a consolidar-se como palco da olítica internacional – sem conseguir, no entanto, livrar-se da pecha de “exotique” que paira sobre as aparelhagens da periferia da cidade e a estética brega, que eleva as cores e exageros do Carnaval a potências impensáveis. Neste sentido, o Terruá é apenas a ponta do iceberg.


Fafá de Belém e Trio Manari (Renato Reis)

No mesmo palco, uma banda formada pelo guitarrista do grupo Cravo Carbono e cultor das guitarradas Pio Lobato, pelo baixista e produtor Calibre (autor do disco de drum’n’bass Brazzonia), o baterista Vovô (também Cravo Carbono, e toca com os Mestres da Guitarrada e o grupo Cuba S/A), o mestre Curica no banjo, o arranjador Luiz Pardal tocando vários instrumentos e o festejado Trio Manari na percussão, recebia estrelas de diferentes grandezas da música do Pará. Do ataque efusivo da Metaleira da Amazônia (tiozinhos soprando instrumentos como se fosse a última vez) à sutileza suingada dos Mestres da Guitarrada (outros tiozinhos costurando a levada caribenha em guitarras sessentistas), das inusitadas Tubas da Amazônia (uma orquestra de graves visitando ritmos da selva) aos bonequinhos sinistros do Boi Veludinho, o vozeirão acústico de Fafá de Belém, o poperô selvagem do Tecno Show e a molecagem de Mestre Laurentino, a escrachada Dona Onete e a surf music do La Pupuña. Era como se a floresta tivesse mandado uma expedição de boas vindas à civilização, puros ritmos, danças e figurino espalhafatosos e um comportamento musical incendiário que acende a velha metáfora sobre a Amazônia – o inferno verde. Com muito menos espetáculo sonoro e visual Malcolm Mc Laren inventou o punk e George Clinton o P-Funk. “Nós viemos em paz”, pareciam dizer todos os músicos, numa apresentação que foi transmitida ao vivo para Belém, coroando um diz-que-diz que há um certo tempo vem apontando a capital do Pará como o lugar para se ficar de olho.

De lá vem as aparelhagens, festas populares em que o tecnobrega surgiu, e que encanta nomes como o DJ Dolores (que batizou seu último álbum com o nome destas festas) e Hermano Vianna. O DJ Iran, primeiro produtor desta cena a ser conhecido nacionalmente, já passou por palcos descolados paulistanos, como o festival Hype, a festa A Lôca e o Milo Garage. As guitarradas, recém-descobertas pelos connaisseurs do eixo Rio-SP (do produtor Carlos Eduardo Miranda ao multitarefas Kassin), terão seus Mestres (a saber, Curica, Vieira e Aldo Sena) se apresentando em plena Copa do Mundo, na Alemanha, e ganharam um forte aliado pop com a aparição do grupo instrumental La Pupuña, que funde o gênero com surf music e já passou por alguns dos festivais de rock mais conhecidos do Brasil. Mestre Laurentino já teve sua música-tema (o blues “Lourinha Americana”) regravada pelo Mundo Livre S/A e a banda Suzana Flag aos pouco se estabelece no cenário de rock independente do país.


Mestre Laurentino e Calibre (Renato Reis)

E de repente se instaura um clima cultural em que o Pará parece ser o novo Pernambuco. Como a coletânea que lançou o Tropicalismo no final dos anos 60 ou o release-manifesto que Fred Zero Quatro, Chico Science e Renato L escreveram ao lançar o mangue beat no começo dos anos 90, o Terruá Pará é uma carta de intenções que chega em outro momento de entressafra da indústria cultural de sua época. Vários artistas, em conjunto, prontos para matar a sede de novidade do mercado consumidor de cultura, da mesma forma que o fenômeno Calypso invade as ondas do rádio.

Mas olhando do lado de lá, na verdade, o Terruá Pará é a consagração de uma gestão vitoriosa, a de Ney Messias Jr., presidente da Funtelpa. Há três anos, ele assumiu uma retransmissora da rádio e TV Cultura local e mudou as coisas por lá, radicalmente. “Estamos há três anos trabalhando a cena dentro da programação da rádio e da TV, promovendo eventos nas ruas, festivais de música, apoiando produção de shows, CDs e temporadas fora do Estado”, explica Ney, que assumiu o papel de embaixador da cultura paraense. “A grande mudança na TV e Rádio Cultura é que deixamos de ser apenas radiotransmissores e passamos a ser fomentadores culturais. Partimos para elaborar projetos culturais e esses projetos acabaram se transformando em produtos inovadores da nossa grade de programação. Com isso ganhamos em audiência e verbas da iniciativa privada”.

Assim, Ney usou a produção local para atrair parceiros e incentivar a própria cultura do estado – que culminou com o evento apresentado em São Paulo. “Este é um conceito que me persegue há muito tempo”, explica Messias. “‘Terroir’ é um conceito usado na industria vinícola, que determina que existem produtos que só podem ser fabricados numa região única do planeta, que possuem microclimas únicos, gente única, cultura única e por isso geram produtos sem similares. O champagne francês, por exemplo, só pode ser fabricado na região de Champagne, por conta de todos esses detalhes que só existem lá. Criamos um terroir musical,o Terruá Pará. Como só aqui tem carimbó, lundum, banguê, siriá, samba de cacete,etc. Essa é uma sonoridade única no planeta”. Entre os desdobramentos do espetáculo, ele não descarta uma excursão da apresentação por outras cidades do Brasil.

“O Pará é a última novidade sonora do país”, continua Ney. “A grande mídia sempre colocou no ar nossos exageros sonoros, como o brega, o Calypso, que também são bons. Mas essa fixação pelo excesso acabou deixando de lado nossa simplicidade e sofisticação sonora. Foi o que levamos pra Sampa. Agora era o momento de se mostrar para o Brasil e o melhor lugar seria São Paulo, levando 60 artistas na bagagem”, conclui.

“De tempos em tempos os olhares da mídia e, conseqüentemente, do grande público se voltam pra um canto. E Belém é a bola da vez”, explica Martina Mendonça, apresentadora do programa de rádio Protótipo, que abre espaço para a produção local e é um dos responsáveis pela criação de um público na cena local. “Os artistas estão mais profissionais e as coisas só começaram a andar agora, porque de alguns anos pra cá que eles realmente foram incentivados a produzir, criar, inovar”.

Dividindo a apresentação do programa com o produtor Angelo Cavalcante, Martina explica o formato do Protótipo, que é semanal. “A primeira meia hora é pra mostrar demos e produção independente de todo o Brasil – bandas, nos escrevam (protótipo@funtelpa.com.br)! Em seguida, descemos pro outro estúdio onde colocamos uma banda pra fazer quatro ou cinco músicas ao vivo no programa. É muito bacana, o não falta é banda se inscrevendo pra ir fazer essa onda ao vivo. Já tocou ao vivo no Protótipo bandas de fora, como o Nervoso e o Los Pirata, quando estiveram por Belém pra show promovido pela Dançum Se Rasgum Producione”.

A produtora em questão também é responsável pela boa fase da cena local, ao trazer nomes como Wander Wildner, Nervoso e Autoramas para apresentações em Belém, fazendo com que as bandas locais se percebessem próximas de nomes consagrados do cenário independente brasileiro. “Sinceramente, acho que a cena chegou agora ao eixo Rio-SP porque nada mais relevante acontece no Brasil inteiro”, explica Marcelo Damaso, um dos sócios da produtora. “Rio e São Paulo nunca tiveram tanta expressão assim no meio musical, principalmente roqueiro. Tiramos meia dúzia de bandas realmente boas que surgiram no sudeste, o resto veio das margens”.

Ele fala da consolidação do público rock local: “Na verdade, não houve um público criado, e sim uma galera que não tinha para onde ir. O rock sim estava sendo deixado de lado nessa época. Aí que entramos. Neste mesmo primeiro lugar, o Café Taverna, nós chegamos a ficar apenas quatro meses. Depois tivemos que mudar para uma casa maior, com capacidade para 500 pessoas e quatro ambientes – que nós fomos criando. A casa, na verdade, era apenas um lugar para um café, um happy hour. O que aconteceu é que soubemos vender o nosso peixe, tanto que estamos no nosso terceiro ano de atividade. Todas as festas atraem sempre um público diferente, pela mudança de temas. A base é rock’n’roll, mas sempre entram outros elementos de acordo com o tema. Então, esse público reprimido passou a curtir junto com a gente toda essa sacanagem”.


La Pupuña (Renato Reis)

Entre os nomes que formam esta nova cena, lista Marcelo, estão, bandas como “A Euterpia, La Pupuña, Johny Rock Star, Stereoscope, Suzana Flag, Cravo Carbono, Coletivo Rádio Cipó, Madame Saatan, Turbo e Delinqüentes”. Martina emenda: “Há alguns anos, poucos nomes recebiam destaque. Muito músico fazendo trabalho cover e temendo tocar trabalho autoral porque realmente eram poucos os locais – e poucos os ouvidos – habituados a isso. O que até atrasou umas e outras figuras na cena musical paraense. Mas hoje o que eu percebo é uma música popular paraense melhor produzida, sem tanto molde ufanista. Desde o carimbó pau e corda até os grandes nomes”.

Ela tenta dissecar o DNA da música paraense: “Elementos percussivos são marcas registradas. Letras fáceis, melodia dançante… As guitarradas cada vez mais intuitivas e criativas. O Carimbó aliado a uma batida eletrônica. Velhinhos botando a voz pra fora ganhando o devido respeito”. Marcelo aponta outro elemento comum: “O brega. Acima de qualquer coisa. Ser cafona aqui nunca foi problema, tanto para as bandas de metal, como o Sress, como para o pop, como Suzana Flag. Atualmente eu acho que a redescoberta da guitarrada é um momento forte que vai ser lembrado muito lá pra frente”.

“A imprensa fica ávida por uma nova Recife, uma nova Porto Alegre”, continua Marcelo. “Então eles tem que eleger alguém, e Belém entrou por essa diversidade que vai do pop com guitarras distorcidas a alguma inovação como a guitarrada e o tecnobrega”.

“As festas de aparelhagens rendem histórias intermináveis”, começa Martina. “São festas do subúrbio paraense, com muito tecnobrega, caixas de som imensas, potência sonora lá nos ceus e o tempo todo lotada. É o templo do movimento brega. É onde se concentra boa parte da massa, seja bregueira ou não-bregueira – mesmo quem não curte muito o ritmo, acaba indo nem que seja pra conhecer. O DJ rege a festa. É incrível. Ninguém fica parado. Todo mundo dançando, balde de cerveja no pé, na mesa… E a batida tecno predominando nas bases da grande maioria das músicas que tocam. Uma batida pra lá de rápida como base, que tá caindo, sim, no gosto de outro nicho. As pessoas já falam bastante em tecnobrega, a cada dia que passa surgem mais e mais artistas produzindo esse tipo de música e a resposta é sempre a lotação dos shows e as músicas na ponta da língua. Gaby Amarantos e DJ Iran ganham lugar de destaque no tecnobrega. Só acho que o lance de explorar, na maioria das vezes, só o lado pitoresco, exótico da coisa não é um ponto favorável pra difundir o tecnobrega”.


Gaby Amarantos (Renato Reis)

E com razão, afinal musicalmente o tecnobrega ainda engatinha, sendo festejado mais pelo fato de ser música eletrônica feita na selva do que por suas qualidades musicais, ainda incipientes – mesmo comparada a gêneros que erguem a tosqueira como um troféu, como o grime inglês e o funk carioca.

“Eu sei que estamos vivendo um momento de efervescência cultural mesmo”, conclui Marcelo. “O negócio é aproveitar e gozar. O que me incomoda é esse exagero da mídia nacional em cima de Belém. Como te falei, é maldita caça à nova Recife. O problema é que essa ‘descoberta’ pode nem trazer grandes frutos como trouxe a Recife naquela época, já que vivemos um período difícil, com a questão das gravadoras caindo e de estarmos muito deslocados do resto do país. Tudo bem, culturalmente, estamos lindos. Mas e ai, isso vai se manter sem grana?”.

Materinha que saiu na Simples que tá na banca