Juçara Marçal: Curima

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Que prazer receber Juçara Marçal no Centro da Terra neste mês de outubro, quando ela toma conta das segundas-feiras com sua temporada Curima (mais informações aqui). “É uma palavra que vem do quimbundo e designa várias coisas ligadas a um rito: o próprio rito, a música, a dança, o canto, a festa, a brincadeira”, me explica na entrevista abaixo, em que disseca o que pensou para este mês. Curima parte de trabalhos estabelecidos da cantora carioca, cujo trabalho é pilar fundamental de duas grandes instituições da músicia independente brasileira, os grupos A Barca e Metá Metá. Mas em paralelo a estes trabalhos, ele sempre envolveu-se com colaborações, parcerias e outros experimentos sonoros, justamente os que revive durante este mês, trazendo elementos que ela vem flertando há pouco tempo: o improviso livre e a presença da dança em sua obra.

Na primeira data, dia 7, batizada de Outras Curima ela convida Rodrigo Brandão para um mergulho do canto falado, ao lado da baixista Clara Bastos, do trompetista Rômulo Alexis e da bailarina Aysha Nascimento. Na segunda, dia 14, que ela chamou de Curima 24h, ela mergulha no improviso ao lado do velho compadre Thomas Rhorer e de Marco Scarassatti, além da dançarina Marina Tenório. No dia 21, ela visita as canções eternizadas pela francesa Brigitte Fontaine, em Curima para Brigitte, quando leva este seu já conhecido trabalho para o campo do improviso, ao lado dos comparsas de Metá Metá Kiko Dinucci e Thiago França, além de Lincoln Antonio e do bailarino Ernesto Filho. Finalmente, no dia 28, ela invade o terreno de seu trabalho Anganga, feito ao lado de Cadu Tenório, na noite Anganga Curima, que contará com as presenças de Cadu e a volta da bailarina Aysha Nascimento. Ela conta a concepção geral da temporada e como ela conversa com a preparação de seu segundo disco solo na entrevista abaixo:

O que é Curima?
É uma palavra que vem do quimbundo e designa várias coisas ligadas a um rito: o próprio rito, a música, a dança, o canto, a festa, a brincadeira. Por isso, achei que seria um bom nome para as sessões que farei no Centro da Terra. Essas segundas-feiras serão abertas a essas várias maneiras de ritualizar o encontro.

Como você dividiu este conceito em quatro noites?
Quatro encontros de improvisação. Em cada um, o nó acontece a partir de algum projeto já existente, juntando amigos com quem já improvisei antes, e outros que convido para improvisar pela primeira vez. Em todos, uma bailarina – ou bailarino – interagindo com o som.

Fale sobre os convidados e o clima da primeira noite, Outras Curima,
Pra abertura, chamei Rodrigo Brandão. E essa aconteceu com a ajuda do acaso. Rodrigo está morando em Lisboa. Calhou de estar aqui para a tour Outros Espaço, com os músicos da Sun Ra Arkesrta. Quando soube disso, não tive dúvida, chamei-o pra abertura que acontece um dia após o fim da tour pelo interior. E a coincidência vinha a calhar. Eu participei do álbum do Rodrigo, o Outros Barato, de spoken word mergulhado no improviso livre. Além de participar cantando, um texto meu acabou entrando no disco. Então, o que era pra ser uma simples participação, foi momento de experimentação e descoberta também pra mim. Assim, Outras Curima celebra o encontro com Rodrigo, com o spoken word, com o improviso… Todas matérias novas na minha vida de cantora.
Chamei também a Clara Bastos, baixista da banda Orquídeas do Brasil. A gente já tocou junto no som do Paulo Padilha, por bastante tempo, mas é a primeira vez que nos juntamos para uma sessão de improviso. O trompetista Rômulo Alexis foi toque da Clara. Já tinha ouvido falar bastante dele, mas nunca rolou de tocarmos juntos. Nos conheceremos no palco. Desafio sempre instigante. E na performance corporal, a atriz, bailarina, diretora, que eu tive a sorte de conhecer mais de perto na montagem de Gota d’água {Preta}, Aysha Nascimento.

Depois temos Curima 24h. O que é isso?
O segundo dia é uma deferência ao parceiro de longa data, Thomas Rohrer, um dos maiores improvisadores que conheço. Tocamos juntos desde o grupo A Barca. Depois o chamei pra compor o trio que me acompanhava no Encarnado. Recentemente, a gente formou esse Duo 24Horas pro Festival de Moers, que rolou em junho. Já tínhamos feito algumas sessões de improviso, sempre com mais gente, inclusive o Marco Scarassatti, que também é convidado desse segundo dia. Marco tem um trabalho incrível como improvisador e criador de novos instrumentos sonoros. Voltando ao 24Horas, pro festival, eu e Thomas propusemos um show do duo, que precisava ter um nome. Esse nome surgiu de uma brincadeira dele, da época d’A Barca. Nas pesquisas que fazíamos, nos deparávamos frequentemente com músicas tão encantadoras que a gente não queria nunca mais parar de tocar. Cada vez que surgia na roda uma música com essa vocação, o Thomas já anunciava: “Música 24 Horas”. Daí a chegar no nome do duo, foi um pulo!
A performance corporal desse dia é da Marina Tenório, atriz e bailarina que quando vi dançando numa sessão de improviso, com Thomas e Philip Somervell, fiquei encantada. Foi por causa desse dia que tive a ideia de fazer as sessões com participação de performers corporais. A Marina foi muito inspiradora nesse sentido.

Como Curima conversa com seu espetáculo em homenagem à Brigitte Fontaine? Quem mais toca contigo neste terciero dia?
Pro dia da Curima para Brigitte, a ideia é que as músicas que canto dela surjam em meio aos movimentos improvisados que vamos criar. Eu, Kiko e Lincoln já temos no repertório algumas das músicas da Brigitte arranjadas. Então o desafio será puxar essas canções em meio ao improviso. O Lincoln é parceiro de longa data – de antes d’A Barca até. Mas nunca estivemos juntos numa sessão de improviso. Por isso, resolvi propor o desafio pra ele e pra mim. Pra completar o time e a trama de improviso, chamei o outro parceiro do Metá Metá, Thiago França.
Na performance corporal, o Ernesto Filho, que é um aficcionado pela Brigitte Fontaine. Ele até fez um filme inspirado em suas canções. Por isso, no dia 21, teremos também a projeção desse filme, como elemento mobilizador das performances, que se chama: Pas Ce Soir (Esta Noite Não).

E a última noite, Anganga Curima, como conversa com seu trabalho com Cadu Tenório?
Este dia vai ser dedicado ao repertório do disco Anganga, que fiz em parceria com o Cadu. Com a Aysha Nascimento de volta pra fechar o ciclo. Ideia semelhante ao da segunda anterior. As músicas que já tocamos no Anganga, mas num contexto ininterrupto de improvisação. Os arranjos já estruturados surgirão – ou não! – em meio aos movimentos sonoros que formos criando na hora.

Curima já é uma preparação para seu próximo disco solo? Em que pé está este processo?
Estou bem interessada em cada um dos encontros ser momento de experimentar a elasticidade do canto, do verso, em meio aos movimentos sonoros improvisados. Testar possibilidades rítmicas da voz, timbres, pedais, buscar saídas diferentes pra algo já arranjado. Acho que a abertura natural de uma sessão de improviso vai me ajudar a aprofundar algumas questões que estou investigando pro disco novo. Mas não haverá nada do disco… Até onde eu sei!

O fato de você realizar esta temporada num teatro muda muito em relação a apresentá-lo em casas de show tradicionais?
Só o fato de a temporada poder ser pensada de forma mais experimental, pra apresentar um processo, não necessariamente um show pronto, já muda totalmente o jeito de encarar cada apresentação. E o fato de ser num teatro como o Centro da Terra torna tudo mais especial, pois é um teatro muito aconchegante. Propício a experiências mais intimistas, e também mais radicais.