Uou, Westworld!

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Escrevi no meu blog no UOL sobre o porque do remake de Westworld, produção de JJ Abrams e Johnathan Nolan, já poder ser considerada a melhor série de 2016.

E a HBO conseguiu mais uma vez. Westworld vem superando todas as expectativas, episódio a episódio, e caminha para se tornar o grande evento da TV em 2016, fazendo a emissora recuperar-se do fiasco que foi a primeira temporada de Vinyl e a promissora mas fria The Night Of. Um enorme quebra-cabeças magistralmente montado em frente aos nossos olhos, intercalando a frieza de máquinas com o calor do velho oeste norte-americano, reinventando completamente uma premissa simples de um filme dos anos 70 para o século 21 e enfileirando monólogos magistrais, atuações impecáveis, cenas intensas, diálogos esclarecedores, teorias complexas e revelações sensacionais.

Para quem não está acompanhando, eis a breve premissa, sem spoilers: num futuro próximo existe um parque de diversões para adultos chamado Westword, em que você paga para viver como nos tempos mais selvagens do povo norte-americano, interagindo com robôs idênticos a seres humanos que ficam à disposição dos convidados. E esta disposição é degradante: os “anfitriões” (hosts, em inglês, como os androides são referidos na série) se tornam objetos para todo o tipo de humilhação que os convidados queiram praticar, e assim são tratados como meros objetos e quase sempre morrem mortes violentas – apenas para serem religados e voltar ao papel de escravo dos desejos alheios.

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Mas algo acontece: os robôs aos poucos começam a entender sua própria condição. Acumulando memórias de suas vidas passadas, alguns dos protagonistas da série vão lentamente entendendo o que vivem e, cada um à sua maneira, vai despertando sua consciência e aprendendo a lidar com aquela nova realidade. Alguns simplesmente entram em parafuso e dão tilt – logo no primeiro episódio da série há um destes -, mas outros conseguem ir além. E poucos humanos conseguem perceber isso.

Isso é apenas a premissa inicial, o tabuleiro armado em que seus produtores desdobram cenas ousadas, violentas e emblemáticas, criando uma mitologia específica enquanto mostram personagens rasos lentamente sendo aprofundados. A partir disso, há um enorme e complexo jogo narrativo que faz o espectador perder-se em histórias que parecem acontecer simultanemente, mas que ocorrem em épocas diferentes – um truque genial que parte do princípio de que os robôs não envelhecem.

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Sob esta premissa, há um duelo entre os criadores do parque, Arnold e Ford, que têm ideias distintas para aquele mundo robótico: enquanto o primeiro quer evoluir a inteligência artificial para a descoberta da consciência, o segundo considera isto perigoso e prefere apenas usar os seres sintéticos para “contar novas histórias”. Ford ganha a disputa e Westworld passa para as mãos de uma empresa chamada Delos, cujo interesse no parque vai muito além da gerência dos lucros gerados pelos visitantes e segue desconhecido. A série de dilemas éticos e morais abertos a partir desta disputa seria assunto para uma série apenas sobre isso, mas Westworld vai além.

Personagens como a cândida Dolores Abernathy vivida por Evan Rachel Wood, o assustador e admirável Robert Ford de Anthony Hopkins, o intrincado Bernard Lowe de Jeffrey Wright, a impressionante Maeve Millay da Thandie Newton e o Homem de Preto de Ed Harris humanizam e emocionam a história com atuações grandiosas e exigentes, Eval Rachel Wood e Thandie Newton especificamente brilham como poucas atuações na TV nesta década e até coadjuvantes como Hector Escanton do nosso Rodrigo Santoro, o William de Jimmi Simpson e a Clementine de Angela Sarafyan desequilibram bastante o seriado.

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Tudo isso sendo orquestrado em cenas que transcendem gêneros e criam imagens impactantes para a cultura pop. Westworld consegue elevar o western para um patamar quase surreal, misturando orgias, canibalismo, religião e genocídios, aprofunda questões éticas tocadas apenas de forma superficial pela ficção científica moderna, atualiza os robôs para a era da impressão 3D e aposta na inteligência do espectador, proporcionando momentos de puro deleite narrativo (o final do oitavo episódio, por exemplo, já é um dos grandes momentos do ano na TV).

Os detalhes também são de tirar o fôlego: cenografia, direção de arte e trilha sonora mantém aquele padrão da emissora em que ela acerta mesmo quando as séries são ruins. A trilha especificamente é um achado: versões para músicas de Amy Winehouse, Radiohead, Rolling Stones, Animals, entre outros, tocadas naqueles pianos típicos de saloon (automatizados, como se fossem os primeiros robôs).

E por cima de tudo há um labirinto. Uma mapa literal que pode ser percorrido geograficamente mas também um jogo lógico que amplia o teste de Turing para uma realidade em que a inteligência artificial evolui como um fractal. Um desafio posto no coração da série tanto para seus protagonistas quanto para seus espectadores, que vai recompensando a cada novo episódio.

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A primeira temporada da série termina no próximo domingo, quando seu décimo episódio vai ao ar (a HBO brasileira vem transmitindo os novos episódios exatamente à meia-noite entre o domingo e a segunda, com reprises na segunda às 21h) e tudo indica que teremos a conclusão de uma série de enigmas e mistérios abertos ao longo dos episódios anteriores – além de tantas outras perguntas que só serão respondidas na próxima temporada, já renovada para o ano que vem.

A esperteza da série vem do casamento de dois talentos: J.J. Abrams, o criador de Lost e Fringe, além de ter ressuscitado Jornada e Guerra nas Estrelas para o novo milênio, e Johnathan Nolan, responsável pelos roteiros dos filmes de seu irmão Christopher Nolan. O primeiro é mestre em instigar a curiosidade, provocar o espectador, abrir teorias e propor possibilidades. O segundo brinca com duplos sentidos, lineraridades temporais e sabe concluir bem as histórias. Os dois já haviam trabalhado juntos na ótima Person of Interest, uma série mais modesta em termos de produção e de narrativa, e agora podem ousar graças à liberdade dada pela HBO. Nolan chamou a esposa Lisa Joy (que já havia assinado as séries Pushing Dasies e Burn Notice) para ajudá-lo na criação daquele novo universo.

Até o fim da semana volto ao tema explicando ainda mais as teorias da série e mostrando como Westworld pode ser muito mais do que apenas a melhor série deste ano. Por enquanto recomendo que você que ainda não assistiu dê um jeito de ver os nove episódios antes do próximo domingo e você que está acompanhando comente a série abaixo. E já deixo de sobreaviso aos comentaristas incautos – por favor avisem sobre spoilers antes de fazer seus comentários sobre a série para não estragar a surpresa de quem não assistiu ainda.