Jornalismo-Arte: Fernando Rosa (Senhor F)

Em mais uma edição do meu programa sobre jornalismo e música, puxo um longo papo sobre o trabalho de Fernando Rosa, que desde 1999 toca o site Senhor F (www.senhorf.com.br), mas que lida com jornalismo e música desde os anos 70, repassando momentos distintos da sua carreira que o fizeram entrar em contato com diferentes manifestações musicais e contraculturais no Brasil por décadas – até lançar seu site, que virou festa, festival, editora…

Assista aqui.  

O Outro Lado da Música: Psicodelia Brasileira, com Fernando Rosa

O curso, ministrado por Fernando Rosa, do site Senhor F, conta a trajetória do gênero musical no Brasil desde a Tropicália até os dias de hoje. Ele acontece nesta terça-feira, dia 3 de novembro, às 20h, e para garantir sua vaga gratuita basta acessar este link, escolher o número de ingressos e na hora de realizar o pagamento, incluir o código promocional “unibescultural” (sem as aspas, claro) para reservar sua vaga na aula. As inscrições podem ser feitas através do email inscricao@unibescultural.org.br. Dá para se inscrever na hora do curso, mas como as vagas são limitadas, é melhor garantir com antecedência.

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Conheci pessoalmente Fernando Rosa no dia em que conheci Rogério Duprat – nós dois nos conhecíamos apenas online e a apresentação ao vivo aconteceu aos pés do pequeno predinho em que o maestro tropicalista morava, quando fomos entrevistá-lo para a falecida Bizz em uma edição dedicada à psicodelia em 1999 (quando, sob a batuta do velho compadre Emerson “Tomate” Gasperin, pela primeira vez uma revista pôs os Mutantes na capa, trinta anos depois do grupo nascer). De lá pra cá, o respeito e a admiração pelo trabalho de Fernando só aumentam e não é exagero dizer que ele é ponto-chave tanto no resgate pela psicodelia brasileira (um dos estandartes da linha editorial de seu site, o já tradicional Senhor F) quanto pela revitalização da cena brasiliense a partir dos anos 2000, quando mudou-se para a cidade e passou a organizar o festival de integração latina El Mapa de Todos.

Tanto que ele foi um dos primeiros nomes que cogitei quando comecei a rascunhar esta série de aulas que se tornaram o curso O Outro Lado da Música, que acontece como parte das comemorações dos 20 anos do Trabalho Sujo. Além do curso ministrado por Fernando ainda teremos, neste mês, aulas sobre hip hop e black music no Brasil (com Ramiro Zweistch do Radiola Urbana e o mestre KL Jay) e sobre Rita Lee (com a fundadora do bloco de carnaval sobre a cantora, Alessa).

Para se inscrever na aula sobre psicodelia brasileira, basta acessar este link, escolher o número de ingressos e na hora de realizar o pagamento, incluir o código promocional “unibescultural” (sem as aspas, claro) para reservar sua vaga na aula. A aula acontece às 20h desta terça-feira e eu conversei com Fernando sobre o tema de sua apresentação e como andamo seus outros projetos pessoais.

O que podemos esperar da aula que você dará sobre psicodelia no Brasil?
Inicialmente, uma contextualização histórica de como surgem as primeiras manifestações do “gênero”, a partir das influências inglesas, em um primeiro momento, e depois americanas. As bandas de garagem, o Tropicalismo, Mutantes, o maestro Rogério Duprat, o guitarrista Lanny Gordin, a psicodelia regional do Liverpool, o Festival Ibirastock – que não houve – etc. Desse período em diante, as manifestações posteriores ao longo das décadas, como a psicodelia nordestina dos anos 70, especialmente com Paebiru, depois Violeta de Outono nos anos 80, Júpiter Maçã e Chico Science & Nação Zumbi nos anos 90. E. por fim, o que rolou nos anos 2000, em vários estados do Brasil, de Mopho a Boogarins, passando por StereoVitrola, Pipodélica e Efervescing Elephant, entre dezenas de outros.

Desde quando você se interessa pelo tema?
Desde sempre. Sempre tive um ouvido “torto”, mesmo quando ouvia música pop, nos anos sessenta, os detalhes, as pequenas variações dos arranjos, me chamavam a atenção. Na adolescência, o meu mundo, e dos meus amigos, tinha forte presença das bandas psicodélicas, como 13th Floor Elevators – para mim, o marco zero -, Jefferson Airplane, Grateful Dead, Pink Floyd – ainda dos anos sessenta. No Brasil, claro, o despertar foi com Mutantes, com sua sonoridade fora dos padrões, aquelas capas doidonas dos últimos discos. Outro momento importante foi a curiosidade despertada com o disco Avohay, de Zé Ramalho, que me levou até a psicodelia nordestina que originou aquele e outros discos. Ainda os shows do Liverpool, que assisti várias vezes ao vivo.

É difícil achar discos de psicodelia brasileira clássica hoje em dia?
Olha, a maioria dos discos mais importantes foi relançado de alguma forma, em vinil ou CD, no Brasil ou no exterior. Para quem quer apenas ouvir e conhecer, também praticamente a totalidade deles está “full album” no YouTube. Mas, claro, encontrar os discos originais, os compactos, os LPs, com capas, encartes da época, se tornou mais difícil com o “hype” criando em torno do gênero a partir de algumas histórias e discos. Por exemplo, os discos do Ronnie Von (1968) rolavam nas lojas nos noventa a preço de banana, o que atualmente não acontece mais. Em compensação, as reedições em vinil são uma boa saída para quem quiser ouvir no formato original, mesmo que relançado atualmente.

Na sua opinião, quais as bandas psicodélicas mais importantes do Brasil?
Bem, vou fazer um esforço para não cometer injustiças, pois são vários os critérios para chegar a um ou outro nome. Mas, vamos lá então, considerando as várias décadas em que o gênero se desenvolveu, com mais ou menos visibilidade. Mutantes, Liverpool, Spectrum, Módulo 1000, Ave Sangria, A Barca do Sol, Violeta de Outono, Chico Science & Nação Zumbi, Júpiter Maçã, Mopho. Além das bandas, tem artistas importantes que eventualmente, ou de forma aleatória, errática, produziram temas e/ou discos clássicos do gênero, como Lula Cortes & Zé Ramalho, Ronnie Von, Erasmo Carlos, Serguei, Damião Experiência.

E a psicodelia brasileira hoje em dia, como anda?
Da mesma forma que o rock, sem espaço claro no cenário musical, mas persistindo com algumas bandas importantes, inclusive com projeção mundial, como é o caso dos Boogarins, de Goiânia. Existem grupos interessantes surgindo em vários pontos do país, como Baby Budas em Porto Alegre, Almirante Shiva em Brasília, entre outros. Apesar disso, existe uma produção dos anos 2000 que ainda merece uma maior atenção histórica. Muitas bandas deixaram registros importantes do gênero, que aos poucos vão sendo incorporadas na discografia da psicodelia brasileira. Grupos como Mopho, Plástico Lunar, Supercordas, Skywalkers, Pipodélica, StereoVitrola, Laranja Freak deixaram obras que merecem uma audição mais atenta.

Queria que você falasse do Senhor F – como o site foi criado, como evoluiu e como ele funciona atualmente.
Bem, a história da Senhor F começa no final dos anos noventa, em 1998, quando a conexão era basicamente discada, o site de busca top era o Alta Vista, o software de edição era o Front Page e não existia Facebook, nem Twitter. Surgiu com uma cara de zine, baseada em um tripé editorial, que garantiu um crescimento muito rápido em torno dos anos dois mil até meados da década. De um lado, o resgate da história do rock brasileiro, principalmente seu lado B, por outro uma conexão muito estreita com a emergente cena independente, suas bandas, novos selos, festivais. E no terceiro ponto, uma abordagem ainda inicial da música latino-americana, tratando especialmente das cenas sessentistas nos vários países. A partir da criação do Festival El Mapa de Todos, a publicação cresceu a cobertura editorial latina, que passou a ser principal a partir de 2013, com um novo formato visual e de navegação. Atualmente, o portal investe prioritariamente nos temas latinos, mas aos poucos começa a retomar o acompanhamento da cena nacional.

Aproveitando, fale sobre o Mapa de Todos. A quantas anda o festival?
Em sua sexta edição neste ano, dias 12, 13 e 14 de novembro, em Porto Alegre, o Festival El Mapa de Todos, afirmou-se como uma referência para a conexão Brasil – América Latina no terreno da música. Já participaram do festival artistas do porte de Babasónicos, Bomba Estéreo, Xoel López, La Vela Puerca, Los Mentas, Juan Cirerol e Bareto, entre outros. O festival tornou-se conhecido, respeitado, em boa parte pela curadoria ousada, pela manutenção do conceito artístico-cultural-político (no sentido da busca da integração) e pela organização e infra-estrutura de qualidade. Neste ano, o festival passou a ser realizado integralmente em teatros, para nós um facilitador da melhor relação entre artistas e público. Nesse período, contamos com o patrocínio-master da Petrobras, exigente em seus critérios de seleção, o que também demonstra o acerto do trabalho realizado. Neste ano, uma das noites do festival – Milongas Extremas + Vitor Ramil + Onda Vaga – teve “sold out” trinta dias antes.

O outro lado da música, mais um curso Trabalho Sujo

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A primeira novidade destes 20 anos de Trabalho Sujo é o lançamento de mais um curso – depois do Ecossistema da Música e seus filhotes, que continuam à toda lá no Espaço Cult -, é a vez de me dedicar tanto a outras abordagens temáticas em relação à música como dar espaço para novos professores (que praticam o que chamo de jornalismo ao vivo, trazendo matérias diretamente para seus antigos leitores, que podem entrar em contato direto com o tema).

A primeira dessas iniciativas acontece junto à Unibes Cultural, centro cultural localizado na saída do metrô Sumaré, aqui em São Paulo, que me convidou para bolar atividades para sua programação. O curso que apresentei – O outro lado da música – será inaugurado com três aulas neste mês e terá continuidade, provavelmente mensal, a partir de 2016.

A primeira aula é gratuita e acontece no dia 3, a partir das 20h. Nela, convidei Fernando Rosa, do site Senhor F, para falar sobre psicodelia brasileira – desde o início dos anos 60 até hoje. As coordenadas para quem quiser se inscrever na aula estão aqui, além de uma entrevista com o próprio Fernando. As próximas aulas serão pagas. A primeira delas acontece dia 23 de novembro e terá como tema como o hip hop brasileiro dos anos 90 ajudou a redescobrir a cultura negra dos anos 70, que terá a presença de Ramiro Zweistch, do Radiola Urbana, e do próprio KL Jay, que também irá discotecar. A aula seguinte acontece dia 30 e tem como professora a Alessa, do bloco de carnaval Ritalina (dedicado à Rita Lee), que irá falar sobre a importância de Rita Lee na música brasileira.

Vou dando as coordenadas à medida em que as novas aulas começarem.

Rogério Duprat

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Mais textos redivivos, desta vez a entrevista que eu e o Senhor F fizemos com o maestro tropicalista Rogério Duprat, para a primeira capa de revista que os Mutantes tiveram no Brasil (trinta anos depois, dá pra crer?), na gestão Emerson Gasperin da falecida Bizz, na virada do milênio. O próprio Tomate participou do encontro, mas interferiu menos que e Fernando no papo com o maestro e preferiu ficar apenas como testemunha.

Duprat, o maestro da revolução
* Por Fernando Rosa/Alexandre Matias

O maestro Rogério Duprat tem uma importância na história do tropicalismo e do rock nacional por vezes menosprezada. Em edição anterior de Senhor F, o maestro foi manchete da revista, com texto sobre a sua obra e, especialmente, sobre o seu disco mais raro – A Banda Tropicalista do Duprat, que gravou com participação dos Mutantes, em 1968. Nesta edição, trazemos entrevista com Duprat, que continua jovem, irreverente, antenado e, principalmente, consciente do papel que ele e seus parceiros de aventura tropicalista significam para a música brasileira.

Como é que um maestro com formação erudita, com com contato com músicos de vanguarda, concretistas, acaba no rock, no pop?
Eu sou um músico multimídia. Eu já nasci assim. Acho que não é de estranhar. O que eu acho que é uma coisa da minha geração, essa coisa de atacar em várias frentes, um troço que foi comum. E temos casos parecidos como o meu. Amigos meus como Júlio Medaglia, Damiano Cozzela; houve outros casos. Eu tive oportunidades melhores do que os outros. Quer dizer, meus primeiros instrumentos foram gaita de boca, violão cavaquinho; foi antes de eu saber ler música; eu era um olherudo, não lia música, fui aprender a ler música depois. E aí, claro, trabalhando na área erudita, com a Orquestra de Câmara de São Paulo. Em seguida, fazer concurso, o violoncelo… fazer concurso e entrar na Sinfônica de São Paulo, estava me formando na profissão de músico. Aí, sim, dentro da profissão, começaram a aparecer as ramificações, até por necessidade fisiológica, para sobreviver a família. Eu me casei muito cedo; aos 21 anos já tinha uma filha. Isso tudo tinha que comer. E nesse tempo tocar só no Teatro Municipal não bastava, não era um salário. Então, fazia várias coisas. Aí, comecei a gravar muito; com isso, conheci muitos músicos populares, tocando em gravação de filmes, por exemplo, trilhas de filmes, enfim, muita música popular e, aí, acabei ficando muito amigo de Agostinho dos Santos, por exemplo. Toquei no que viria a ser, mais tarde, a Rede Globo, em São Paulo, era a Vítor Costa, era rede de televisão, não sei, não lembro o nome. Mas ali era toda a turma da Rádio Nacional, do Rio, que circulava para cá, porque aqui também chamam Rádio Nacional. Era Rádio Nacional e Televisão. Ali, a gente também conheceu muito músico popular. Eram os pré-roqueiros, os primeiros roqueiros eram ligados à vertente de Elvis Presley mesmo.

Você foi arranjador da Gravadora Vilela Santos? É desse período?
Vilela Santos… !

Você produziu o “Vigésimo Andar”, do Albert Pavão?
Pois é (risos)! Eu queria lembrar isso e não estava lembrando…

Quem mais produziu, nessa época, além do Albert Pavão? Baby Santiago, The Rebels… ?
Esse pessoal eu acabei conhecendo. Aí, sim, eu já era músico profissional, tocando em orquestra basicamente, e comecei a escrever para o Ataliba, como é o nome dele… ?

Era VS, o selo, o nome do selo era VS. De Paulo Vilela e Ataliba Santos.
E, aí, então, comecei a fazer vários arranjos e, na verdade, antes de fazer arranjo, eu estudei composição. Inclusive fui “mamar” nas vacas sagradas: Boulez, Stockhausen, aquele pessoal da música de vanguarda européia. Nós éramos afilhados deles. Um dia, Kollreuter – não sei se já ouviram falar – foi esse cara que trouxe essa coisa toda pra cá. Embora eu tivesse estudado principalmente com gente ligada à música nacionalista, “camarguista”, Olivier Toni e Claudio Santoro, com quem trabalhei em composição, orquestração, essas coisas. Fiz também um conservatório aqui, chamado Villa-Lobos. O Conservatório Villa-Lobos foi a minha formação em violoncelo, com as matérias complementares. Mas, aí, eu já tocava muita música popular, já estava familiarizado com essa coisa, e foi quando comecei a fazer esses arranjos aí, para a VS e a Penta. Tinha dois selos.

Alberto Pavão diz em seu livro que você assinou Rudá, no arranjo de Vigésimo Andar, para não ser cúmplice de um rock… Como é que é essa história?
Rudá é o nome do meu filho. Eu tinha um pouquinho assim de prurido erudito, de aparecer como compositor, porque eu era compositor de música de vanguarda, junto com – não sei se você sabe – as ligações que nós tivemos foi com os poetas concretos, Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos e outros. Fizemos festivais de música erudita, música de vanguarda e tal. Eles tinham uma revista importante – não lembro o nome -, uma revista a que a gente também comparecia, escrevendo artigos. Fizemos um grande manifesto, etc. Mas aí foi na volta, exatamente, na volta desse trabalho em que fui lá, “mamar” nas tetas culturais, é que a gente viu lá os “cagistas”, aqueles caras ligados ao John Cage (músico concrestista americano). E descobrimos, então, toda uma fatia de produção ligada ao acaso, ao happening, essa coisa, e começamos a fazer isso aqui. Eu, o Júlio Medaglia, o Damiano Cozzela, o pessoal que assinou aquele tal manifesto. Esse manifesto dizia exatamente isto: “chega desse negócio de coisinha da música erudita enfiada só dentro do teatro, pra meia dúzia de milionários e tal. A gente tem é que sair para a rua, fazer música na rua com os meios que houver; se forem bons ou maus, isso é outra coisa. Mas fazer o que for possível”. E aí que me aproximei deliberadamente da música popular. E é claro, nós somos do tempo em que a gente dançava os roquinhos, eu tinha 14 anos, eu já conhecia a minha mulher, nós dançávamos bem pra burro; íamos a todos os bailecos e dançávamos tudo – bolero, rock, samba, o que pintasse, e Gonzagão, que o Gil faz agora um show… Eu tocava todas as músicas do Caymmi, especificamente do Caymmi e do Gonzagão, acompanhado de violão.

Mas a aproximação em relação ao rock foi por motivo financeiro?
É… não só; também, é claro, eu já disse aqui… mas também porque a gente quis eliminar as fronteiras. Não deixando que se falasse que isto aqui é música erudita, isso aqui é música popular. Acabar com isso; a gente cantava e dançava tango, qualquer coisa. Então, todas as coisas estão aí, que são para a gente fazer mesmo. Nesse caso, nessa primeira fase aí, de arranjador, tinha um cara interessante que se chamava Edmar Aires Abreu – não sei se vocês ouviram falar. Ele era uma espécie de diretor de artístico nesses selos. Uma coisa grandiloqüente… quase sinfônica, mas com temas… Foi assim que começou. E ali, depois disso, eu não parei mais. Aí, vêm os prêmios, um prêmio aqui, outro ali, um faz uma badalação, outro faz outra. O povo brasileiro é o rei de jogar para o alto as coisas: é o maior do mundo, é o melhor do mundo, aquelas coisas; adoram dizer que em tudo são o melhor do mundo. Não é nada. Era uma bosta igual às outras. Nada disso. Todo esse trabalho ainda era uma coisa incipiente; a gente ainda não tinha descoberto o grande filão do pós-rock. Isso aqui é 1960.

Como foi que vocês descobriram esse filão?
Isso aí foi mais ou menos na era dos festivais, um pouquinho antes nós começamos a ouvir Beatles. Depois, fui para Brasília e aí a gente já estava ouvindo muitos os Beatles; começaram a aparecer os discos em fins de 64, 65. E lá fizemos alguns concertos muito interessantes. Uma das razões de os milicos terem invadido, era que eles achavam que aquilo era subversão, era música feita com aparelhos eletrodomésticos, leitura do jornal do dia… O coro era assim: todo mundo tinha o jornal do dia e, aí, a gente indicava entre nós um que era o maestro e, então, ele dava a dica. E o cara lia o que tinha na frente. Quando ele chamava uma dica, todo mundo lia, “tuque”, o que tinha na frente. Era uma balbúrdia total. E outra coisa: ninguém sabia quem era professor, quem era aluno, o que fazia parte também da nossa jogada e não era tão subversivo assim. A gente estava voltado para o mundo e os caras eram uns “caretas”. Não é só porque eles eram fascistas – eram caretas, filhos da puta mesmo. Aí começar a interferir cada dia mais, e nós todos, 200 professores, pedimos demissão e fomos embora.

Você, então, estava entre os 200…
O Cozzela também, o Cláudio Santoro…

Os Beatles são os elementos de ligação com essa mudança, dessa sua aproximação com o rock, é isso?
É, não só os Beatles, mas a também outros grupos. Em 62/63, eu vi os filmes dos Beatles na Europa.

Você travou contato mais próximo com os Mutantes na preparação do arranjo de “Domingo no Parque”. Mas, antes disso, já tinha trabalhado com O’Seis?
Vou contar uma historinha, como foi a coisa: quando nós voltamos a Brasília, nós começamos a pesquisar esses caras, esses grupinhos que já eram Jovem Guarda. Tinha, então, o Solano Ribeiro, que é produtor até hoje, está produzindo agora esse novo festival da Globo. Solano Ribeiro, com o jornalista Chico de Assis também, e outro cara que virou cronista esportivo, Alberto Helena Júnior…

Foi ele – Alberto Jr. – que deu o nome de “Mutantes”, que batizou os Mutantes?
Não sei.

Na biografia dos Mutantes…
Não sei. Acho que não é verdadeira essa informação… Pra nós foi ele quem achou Os Mutantes. Ele que andava querendo achar os Mutantes.

Ele que achou os Mutantes? O’Seis?
Ele que achou, porque ele começou… A gente insistiu: vamos ficar atrás desses grupinhos que fazem a Jovem Guarda, porque é o que tem de rock aqui, goste ou não goste, é isso o que tem. Então, muitos eram fraquinhos, mas tinha um cara aqui também… Albert…

Albert Pavão?
É, Albert, que era…

Irmão da Meire Pavão… .
É .. Pavão (entusiasmado)!! A Meire!! A Meire era a irmã dele, o pai deles… era…?

Theotônio Pavão.
Ah, isso mesmo… Exatamente… Eu fiz nesse selo aí o “Vigésimo Andar”… E tinha outros roqueirinhos também… O Helena nos levava. Olhe, tem um grupo na Bela Vista; a gente ia ver, é bonzinhos, quem sabe, e tal. Mas sei que quando chegamos lá, tinham Os Mutantes lá; quer dizer, quebrou a nossa cara, porque eles estavam fazendo os Beatles igualzinho os Beatles. Faziam Beatles perfeito. E já tinham já suas músicas, faziam suas músicas. E aconteceu que, então, nesse ano de 67, o Júlio Medaglia, que estava lá no júri de seleção da Record, aí por acaso, ele, conversando com o Gil, ele viu que o Gil estava meio malcontente, não estava satisfeito de fazer só com orquestra; como todo mundo fazia aquele negócio de festival; ele queria botar pra quebrar também. Ele e Caetano já estava pensando que tinha que chegar à música pop. Era a última palavra, aquela coisa que estava misturando, comportamento diferente, não mais só musiquinha. Então, o Gil, conversando com o Júlio, perguntou quem ele achava que podia ajudar no arranjo de “Domingo do Parque”. E ele me apresentou ao Gil. Aí, Gil disse: “veja, o que você quer fazer?” “Eu acho que o negócio é partir para o pau mesmo, botar rock, misturar com essa coisa baiana de vocês, e mandar o pau”. E ele: “Está bom, você conhece alguém?”. E eu disse: “eu vou trazer as únicas pessoas que servem pra você… Dá um tempo, um dia ou dois…”. Então, peguei Os Mutantes, porque eu já estava “mamado” neles, porque eles eram um grupo de uma pureza sensacional, aquela coisa das primeiras músicas deles. Nenhum deles, nenhum desses grupos tinham aquela ingenuidade gostosa, agradável, aquela encenações que a Rita já fazia, e eles também, os meninos…

Tinha um elemento nos Mutantes que era um elemento de subversão também…
Ah, sim! Não tinha nada disso… Ao contrário, eram antinacionalistas.

Engraçado você falar dessa aproximação que teve com o Gil, porque eu acho assim, que, pela observação histórica, sem os Mutantes e sem a sua presença, o tropicalismo não teria esse grau de…
Talvez não tivesse essa cara que teve…

Há um elemento de subversão, essa coisa de romper mesmo…
O grupo, que fez “Alegria, Alegria” com o Caetano, também era bom. Mas era frio, não era quente, era frio… Era argentino… Então, eles tinham assim, eles faziam, tocavam bem, mas não tinha essa coisa inexplicável que Os Mutantes tinham. Essa grandiosidade… ingênua, espontânea, tudo isso.

E quando vocês começaram a tratar a tropicália como movimento, tanto a tua influência, quando a dos Mutantes foi definitiva para dar esse caráter mais de subversão artística?
A influência foi total, dos Mutantes, porque eles (Gil e Caetano) passaram a fazer espetáculos com os Mutantes. Daí para a frente, depois, os festivais para a frente, todos eles são mais…

E a sua influência deu uma espécie de respaldo erudito; se um maestro não estivesse no meio…
Não, todo mundo conhecia; no fim de 67, todos conheciam aquele disco Sgt. Pepper’s e é claro que, quando viram os meus arranjos, disseram “é esse cara aí”. Porque eu não era melhor nem pior do que os outros!

Por ser um maestro erudito, exterior, essa coisa toda, não dava um certo aval? Uma credibilidade, uma sustentação ao movimento?
Não sei, mas foi a união da fome com a vontade de comer. Estávamos todos a fim disso aí. Não é que eu fiquei dando aula para eles; ao contrário, eu que aprendi pra burro com os Mutantes, com o Gil, com o Caetano, com todo mundo, como fazer uma coisa, que pode ser ao mesmo tempo com uma certa correção, com uma correção que a gente já conhecia, de músicos, e fazer isso, de uma coisa popular e avançada, uma coisa na frente dos Beatles.

Tem uma história de que, antes disso, você teria trabalhado com O’Seis, o pré-Mutantes; um projeto de música, com Solano Ribeiro, pra fundir música sertaneja com rock?
Aí, sim, mas isso era o Chico de Assis que forçava mais a barra. Eu também achava que podia, porque estava crescendo essa faixa sertaneja. Só veio a explodir bem mais recentemente, só há poucos anos que explodiu, pra valer, esse pé no saco que agora você não consegue ouvir outra coisa…

O rock rural depois, que contou com os seus arranjos, por exemplo, em Terço, Bendegó, não seria um desdobramento dessa idéia original?
É, a mistura veio. Com Alceu Valença, (Geraldo) Azevedo. Fiz um disco inteiro com Alceu Valença e Azevedo. Era uma dupla, você sabe. Fiz um LP inteiro. Mas também fiz com João Bosco. Enfim… Não é que eu só queria ver rock daí para a frente, não é. Tanto que chegou uma hora em que eu não agüentava mais ver rock, isso sim… Quando passou mais dois ou três anos e o pessoal todo repetindo a mesma coisa, me encheu o saco e comecei a puxar o carro. Fui fazer mais tarde alguma coisa com o Terço, com Sá, Rodrix & Guarabyra.

Com o Bendegó…
Enfim, ao que me dediquei e com mais força foi nesses dois anos – 67 e 68 – de aproveitar aquela… Era um material humano reunido… E que os milicos fuderam, prendendo os caras, no fim de 68. Eu viajei com os Mutantes para fazer uma música só deles, naquele festival da França… lá de Cannes; era D. Quixote. Eles foram defender lá e eu fui com eles e orquestra. Quando nós voltamos, o Caetano estava preso, estava todo mundo apavorado, e nós, na rua, porque o pessoal da Philips… , enfim, passava aqui, nós fedíamos, tínhamos fedor subversivo. Então, não valia a pena ficarem muito ligados a nós, aquela sujeira… Então, todo mundo aí começou a fugir. No fim de 68 para 69, aí foi terrível – acabaram, proibiram, não podíamos mais fazer teatro.

Foi o AI-5.
Já estava armado um esquema muito bom com o Guilherme Araújo. Esse cara era um puta cara, um cara com uma belíssima cabeça…

Como é que era a coisa do estúdio? Por que vocês produziram verdadeiras loucuras que só os Beatles eram capazes disso. Você fala com entusiasmo muito grande dos Mutantes. Eu queria que você falasse como começou o teu namoro com os Mutantes que, para mim, é um dos períodos mais férteis da música brasileira? A partir daí como é que você descobriu que aquele grupinho que imitava os Beatles direitinho podia…
Pensava-se que esse grupo tivesse algumas ligações com a TV e tal. Houve um festival, onde apareceu o Milton Nascimento, na atual TV Canal 9, antes de aparecer esse festival da Record, que é onde apareceu Caetano, Gil. Esse outro festival foi bem badalado, era TV Excelsior (Canal 9). Ela tinha tentado ser uma TV de alto repertório, só dedicada às coisas culturais. Eu também atuei nesse tempo, um ano antes, ou dois anos antes. Mas aí, de repente, descobriram que o negócio era festival de música popular. O Milton Nascimento foi uma pessoa que apareceu em São Paulo, nesse festival. A idéia que se tinha era fazer uma espécie de programa dos melhores roqueiros. Havia outros grupos, eu não me lembro agora, mas sei… Depois de conhecer os Beatles, os Mutantes, era difícil ficar trabalhando com outros mais primitivos, porque eles eram avançados em certas áreas, eles tinham a mãe pianista, pianista erudita, fazia concertos, cheguei a tocar com ela…

E um dos irmãos fazia os instrumentos, o Cláudio César…
O irmão, era um espetáculo esse cara… Isso ajudava muito, porque não precisava ficar esperando vir a guitarra dos Estados Unidos; ele fazia, quando tinham alguma idéia, ele faziam imediatamente lá, um trocinho deste tamanho (mostrando o gravador), que…

Mas quando começou essa descoberta de que os Mutantes eram mais do que um simples grupo de rock prefeito, que podia ser maior do que os Beatles?
Era um time pesquisador. Eles estavam permanentemente… Depois, eram muito atentos a todas as coisas. Aquelas brincadeiras da Rita eram coisas que os americanos andavam fazendo, aquela coisa de simular certa ingenuidade, fingir que é bobo, aquelas coisas, e só eles sabendo que aquilo era gozação. Então, isso aí foi se desenvolvendo, eles acabavam fazendo disso um retrato, a cara do grupo era isso. Tinha um negócio de tocar instrumento raro, uma harpinha. Enfim, eu só podia cair de amores por eles, não tem outro, era o maior grupo que o país tinha dado até ali.

Como era essa coisa de estúdio, vocês produziam coisas fantásticas que nem os Beatles faziam…
Nós tínhamos essa história, que você já sabe, de misturar todas essas músicas, todos os tipos de música, e eu em especial tinha uma predileção por gozar a música, fazer gozação, algumas pornográficas, por exemplo, na música – não é uma música, é uma peça do Caetano… esqueci a palavra – como é o nome?

“Épico”?
Foi aquele que diz que foi na Bahia, quando eles estavam confinados lá…

“Acrilírico”.
“Acrílírico”! Ele acabou me dando a parceria. E o Gil também tocou na parceria; de um Gil com dois Rogérios, o Rogério Duarte. No “Acrílirico” tem vários sons feitos num estúdio. Um deles, um desses sons é um peido meu (risos). Fiz questão absoluta de entrar no estúdio – e o Fritz era um operador, também entrou na gozação, um ótimo operador. Aí eu dizia, “dá um tempo”, fique atento aí. Um dia eu vou contar para todo mundo qual é o lugar em que tá esse peido, eu tenho que localizar de novo, mas tá lá. Isso fazia parte do nível de gozação que a gente estava disposto a assumir.

E a história do LP A Banda Tropicalista do Duprat…
É, eu não gosto muito daquilo. Na verdade, eles forçaram muito. Para começar, aquela foto… O pai do Edu Lobo era produtor – já falecido, Deus o tenha em bom lugar – mas eles não entendiam as coisas. Dentro da gravadora, eles não entendiam bem as coisas. Então, forçaram a barra, me fizeram subir em cima da mesa para bater fotografia… Coisa tão boba, ingênua, cretina, mas enfim, acabei fazendo porque queria fazer o disco, tem umas coisas que eu gosto. Mas ele sofreu um pouco do efeito desse negócio do repertório, de me forçarem um pouco algum repertório da música internacional, que era um pouquinho mais comercializada. Mas agora, sei lá, eu teria…

Quem é o autor da capa do LP A Banda Tropicalista do Duprat?
Não sei.

Porque essa capa é a primeira a satirizar o Sgt. Pepper’s dos Beatles…
Eu não sei quem fez esse trabalho. Eu lembro que eu não interferi na escolha. Eu disse: não é meu problema, manda fazer. Quem acha que sabe fazer… Não sei. Uma hora vou perguntar pro Manuel Barenbein… Outro cara espetacular, o Mané Barenbein. Foi sorte nós termos esse cara. Já era da Polygram, Phillips… Ele é um cara que deu a maior cobertura. Defendia a todos nós perante a direção da gravadora, porque não era fácil, com o francesão que tinha lá, que só queria botar besteira, não é?

Em As Amorosas, têm duas músicas com os Mutantes, que também participam do filme? Isso foi lançado na época, um lp da trilha? Existe master disso?
Não! Foi feito só pro filme.

Só para o filme?
É, eles aparecem no filme.

O Peticov (Antonio) também aparece no filme, no papel de um hippie.
É num boteco… É um pouco forçado aquele boteco…

Quando tu entrou nessas histórias de música pop, tu rompeu com teus colegas eruditos?
Alguns. A maioria não. Eu continuei a fazer, trilhas de filmes, essas coisas… Agora, quando eu voltei para Brasília, já não voltei para a Orquestra Sinfônica mais. Porque eu já havia experimentado uma vida independente daquilo. Eu não quis mais tocar na Sinfônica. Voltei e pedi demissão, eu havia pedido licença antes; voltei e pedi demissão, não quis mais tocar na Sinfônica. Não que eu tenha sofrido alguma restrição profissional por causa disso, acho que não. Ao contrário, os músicos que continuaram a gravar comigo, músicos eruditos.

Mas não era uma coisa meio contraditória, assim, tipo… Com os Mutantes tu fazia gozações com música erudita e, depois, tu gravava música erudita de verdade não era uma coisa meio contraditória?
Eu não tinha… uma das coisas que eu fiz nesse selo ainda é fazer tudo isso em bossa nova. Não sei se você chegou a ver, tocava clássicos em bossa nova… . Soltaram até com dois títulos, acho que eles tinham dois selos para isso, para jogar uma parte aqui outra lá… Penta e o outro VS, era o mesmo disco, a mesma mistura, ela saiu com o nome de “Clássicos em Bossa Nova” num deles e, no outro, com outro nome. Mas eu vinha fazendo isso… e eles gravavam comigo…

Quando viste os Mutantes, te apaixonaste por eles. E eles, se apaixonaram por ti…?
Acho que sim. Pergunta pra eles. Precisava ver a festa que a Rita Lee fez há pouco tempo. Ela me pediu uma faixa, o “Gosto do Azedo” e, aí, na gravação pela MTV lá no Rio, ela insistiu que eu fosse; fez a MTV, obrigou a MTV a pagar, minha mulher foi junto e, puxa!, na hora que ela tocou o troço, a festa que ela fez. Ela é tão minha amiga quanto eu dela. Ela fez uma puta festa, sobre o meu arranjo, lá na gravação. Foi um teatro lá.

Essa admiração era recíproca?
É. O Arnaldo também, mesmo depois. Vocês souberam que ele teve um problema de saúde, seríssimo, ele pirou um pouco, mas foi internado num hospital, que deixaram janela aberta. Onde é que já se viu? Um hospital que tem um departamento dedicado a doenças mentais, deixam uma puta de uma janela aberta, o cara pode se atirar…

Você tem contato com o Arnaldo hoje?
Ultimamente, pouco. Mas ele foi muito à minha casa lá em Itapecerica. Ele mora num sítio. Ele mora em Juiz de Fora, Minas Gerais. A mulher dele também é muito conhecida nossa, conhecida de outras coisas. Mas não é tão fácil a gente se encontrar. Agora, com o Serginho, perdi um pouco de contato porque ele viaja para caralho, virou jazzman também. A vida do Serginho é na ponta dos dedos.

Você consegue fazer um retrato de cada um dos Mutantes, dentro do estúdio, qual era o papel de cada um deles, o Arnaldo fazia isso, a Rita fazia aquilo, o Sérgio entrava com… Eles eram grandes instrumentistas?
O grande músico, inventor mesmo, criador era o Arnaldo, sem dúvida. Agora, charme, essas coisas eram com a Rita, e o Serginho era mais coisas técnicas, ele não sabia música, por exemplo, do ponto de vista de música erudita, mas com guitarra ele tocava qualquer coisa, até fazia brincadeiras. E o Arnaldo era mais universalista, um cara mais John Lennon… por sinal, saiu uma coisa sobre o John Lennon… eu não acredito… você viu?

Que ele fazia sexo com a mãe dele1… Inclusive a matéria que saiu antes, há um mês, é que ele financiava o IRA. Então, acho que é uma campanha…
É foi a primeira coisa que pensei; aí tem treta; coisa editorial… parece que têm coisas inéditas. Há pouco tempo também, a japonesa lá… ela teria material inédito para soltar…

Quando os Beatles acabaram, tu não estavas mais no rock? Tu já tava de saco cheio do rock?
Acho que já estava, sim.

Aquela história que tu disse aqui, aquela coisa que ficaste dois, três anos no rock?
Eu não lembro as datas.

Você falou do fato de o Arnaldo ter pirado no meio dos anos 70. Eu queria pegar esse gancho para falar de outra coisa. Eu queria saber como era a relação dos tropicalistas e, especificamente, dos Mutantes com drogas, e como isso se refletia na música, como era. E no estúdio? E a tua própria experiência também…
Todo mundo consumia um pouco. Mas, eu, por exemplo, nunca fui às drogas pesadas, não cheguei… Acho que também Caetano e Gil, não. O Arnaldo, um pouco; a Rita, uma ou outra experiência, talvez. Mas, maconha rolou pra todo lado. Quase igual ao tabaco… Toda essa área aí… maconha…

Quando você fala drogas pesada, o que é? Ácido? LSD?
Ácido, eu não ataquei, eu não tive coragem. Eu já tinha várias notícias, eu não estava afim de pirar clinicamente.

E como funcionava a relação com as drogas musicalmente? Porque, nos Beatles, o espelho, o parâmetro com os Mutantes, tinha uma lei assim de que nos estúdios não se usa droga porque atrapalha…
Eu nunca usei para facilitar êxtases, essas coisas… na minha presença, frente à música, ao trabalho, procurei estar sempre careta, sempre bem careta, para ver as coisas que estavam acontecendo. Eu recomendava a eles; várias vezes falei “tudo bem, não tenho nenhum preconceito, façam tudo o que quiser, mas esse negócio de chegar ao estúdio, encher a cara de todas as coisas e chegar lá e ficar duro no chão… ”

Mas acontecia essa coisa com os Mutantes?
Não. Eu acho que eles não… Na hora em que eles iam trabalhar, acho que não; talvez em shows. Mas em gravações não; em gravações, eles estavam sempre caretas também, porque não dá certo, não combina…

No começo do rock, tu estavas presente. Na Tropicália, mais ainda; na “pré-invasão nordestina”, que foi o primeiro disco gravado pelo Geraldo Azevedo e o Alceu Valença, em 72, lá estava o Duprat. Como é que tu explicas isso?
Você conhece o Brasil. Até hoje, é assim; aparece um cara que faz uma coisa diferente, todo mundo vai levantar o cara… Com a mesma facilidade, tira a mão dele e vai ver ele cair. Então, era isso, todo mundo achava que tinha uma fórmula secreta qualquer. E não tinha nada disso. Eu sempre achei que podia ajudar todo mundo, com a minha experiência.

Mas você tinha consciência disso, que você estava sendo a moda da vez, que já, já eles iam largar…
É esse negócio da moda, para mim, tem isso; o Brasil tem isso, os Estados Unidos também têm; é esse negócio da obsolecência programada…

Em 63, você e o Cozzela fizeram experiência ou gravaram com um IBM 1620, com cartão de perfurar e tal… Como foi isso naquela época? Como é que tu vê agora essa coisa da música eletrônica?
Era uma coisa primitiva porque o computador com que fomos trabalhar tomava três salas dessas daqui… Era verdade. Fora a impressora, que tomava outra sala.

O computador era de quem? De um banco, de um órgão?
Era da Escola Politécnica, da USP.

Com o pessoal viu na época o uso pouco ortodoxo do computador? Esse uso artístico do computador?
Ah sim, mil gozações. Não tinha alma, cadê a alma? Aquela coisa dos italianos, que gostam de ópera, da grande alma. A resposta foi sempre essa… Ih, esses caras estão loucos…

Hoje, a música eletrônica também tem essas barreiras aí. “Essa música aí é feita com botãozinho, isso não é música”…
Isso aconteceu com a guitarra. Todos os puristas da música brasileira…

Teve até passeata contra a guitarra, com Elis Regina, Edu Lobo, Vandré… A MPB mais tradicional organizou uma passeata contra a guitarra elétrica…
Foi a mesma coisa, o que aconteceu com o pessoal da música erudita em relação à música atonal em geral. Foi a mesma coisa que aconteceu também com os caras da MPB, que jamais nos perdoaram. Eu não tenho nada contra esses caras, mas o fato é que o próprio Chico queria distância, não se comprometia, não queria nada com a gente.

Mas em 72 você fez um arranjo de “Construção” e “Deus lhe pague”?
Eu estava no Rio e ele estava fazendo um show no Canecão. Alguém lá nos pôs em contato com alguém da gravadora, talvez, fosse o próprio Barembein, não tenho certeza. Eu estava no Rio fazendo outra coisa, gravando outro disco, não sei o que era. Aí, veio alguém, eu já tinha ouvido a música “Construção”, não sei se em show. Interessante, é uma brincadeira com proparoxítonas. Então, na hora que me mandaram avisar, eu fui direto lá, dizendo que ele queria, que ele estava me chamando. Eu fui direto lá, fui ouvir, estavam ensaiando no Canecão aí, tudo bem; eu ouvi e pedi, então “me arrumem uma fita, eu vou trabalhar”. Tinham pressa. Tinha o negócio de pressa, já estavam começando a gravação. Aí, eu fui para a casa do meu irmão que morava no Rio e escrevi a coisa, porque eu não podia ficar no Rio, tinha que voltar para São Paulo, e deixei na mão do Barembein, ou de alguém lá.

Mas foi de um dia para outro?
De um dia para outro. A parte dele estava pronta, com MPB4. Mas também foi a única coisa que eu fiz com o Chico. Depois, ele viajou também… Foi pra Itália. Perdi o contato.

Vocês falaram nesse negócio tipo rock estava o Duprat, “Tropicalismo” – estava o Duprat, começou a “Invasão Nordestina” – estava o Duprat. Mas, de repente, Duprat saiu da discussão… Na década de 80… , o Duprat deixou de ser moda?
O problema maior aconteceu com aquela coisa do inferno, em 69, depois do AI-5. Nós todos ficamos na rua, de cueca com as mãos no bolso… Os baianos foram proibidos de voltar, tiveram de ficar confinados.

Você sofreu alguma sanção política?
Direta, não. Só mais tarde, quando tiveram no júri, lá da Globo, com aqueles caras nos pegando pelo cu das calças.

Essa é uma história que foi desenterrada agora, com aquele vídeo, aquele documentário do Walter Franco. Houve uma ingerência militar para o “Cabeça” não ganhar…
A impressão que eu tive, e o Décio, que estava lá, também tinha essa impressão, aliás, até conversamos sobre isso há poucos dias – mas o Solano continua insistindo que não, que foi só política o negócio. Eles cismaram que a Nara Leão não podia ser presidente de júri nenhum neste planeta fascista, que era o Brasil naquele tempo. Talvez existisse as duas coisas, na verdade. Acho uma besteira discutir isso agora, trinta anos depois… Em todo caso, eu continuo achando que foi mais comercial da Globo, porque eles traziam aqueles cantores daqueles países… Têm países, lá, do tamanho deste apartamento, que é um país.

Você trabalhou com Walter Franco. Eu queria que tu falasses um pouco do teu contato com Walter Franco e analisasse a obra dele. Ele tem também esse trabalho de estar voltado mais para a vanguarda do que para a música popular.
É e não, quer dizer, sei lá. O Walter Franco é um um cara multimídia também, um cara que atacou várias áreas, vários tipos de coisas; a gente foi se encontrar, eu produzi o disco dele, o disco dele que tem na cabeça o poderoso Pica-pau. Sabe quem é o Pica-Pau, o Walter Silva (o Pica-Pau); ele tinha programa de rádio, mexeu com a bossa nova… Quem ia produzir o disco do Walter Franco era o Pica-Pau. Quando ele conheceu o repertório e conheceu melhor o Walter Franco, que é uma cabeça formidável, tem uma idéia a cada segundo, é impressionante o Walter Franco… aí, pulou fora. Aí passou para mim, porque ele achou que eu ia ter melhor trânsito, e de fato tive, nós nos entendemos maravilhosamente, o disco foi uma beleza.

É o da mosca – “Ou Não”?
É. É um disco todinho… , não lembro a data, mas… Depois disso, a partir – só para completar esse papo aí – foi uma coisa muito grave; todos ficaram na rua, desmanchou a todos, os Mutantes e os baianos estavam fazendo show juntos, no Canecão, no Rio, e na Boite Sucata, que era do Ricardo Amaral. E ali esquentou a coisa, porque começaram a pegar uns motes mais políticos “seja herói, seja marginal”.

Hélio Oiticica…
Enfim, teve um major que um dia foi lá ver um show, quebrou o pau, foi lá com a Polícia Federal e dedou, entregou. Essa foi a razão. Isso no fim de 68… Isso que gerou a prisão deles.

Talvez seja por isso que os Mutantes tenham partido, depois da saída da Rita, para uma coisa mais progressiva, mais apolítica?
A gente nunca deixou de ser cagista. O Cage era nosso grande modelo. Cage e, enfim, os americanos que tinha por lá. Eu tinha conhecido o Frank Zappa, lá na Alemanha; ele era cagista.

Pergunta – Em que época?
Em 62. Ele não era… Nós nos conhecemos assim. Eu estava com o Gilberto Mendes, o Billy Correa de Oliveira, inclusive eles… ; outros caras, outros brasileiros… Cozzela tinha ido no ano anterior. Os americanos é que estavam fazendo, então, a grande farra na música erudita, fazendo já gozação com os grandes ídolos da música serial. O serialismo era o contrário, era a coisa toda superestruturada, tudo estruturado, tudo amarrado. Eu tenha uma composição que se chama “Organismo”, que vai ser gravada provavelmente nos próximos meses. Era nesse tipo aí, bouleziana, tudo era seriado, estruturação dos sons, a reunião dos sons, a reunião dos grupos, o jeito de cantar, porque também tinha canto. E, aí, o Zappa passou lá e botou, jogou merda no ventilador. O Zappa e outros amigos deles. Ninguém conhecia o Frank Zappa, ele não fazia, não tinha formado os Mothers of Invention, uma coisa caralhal… Não sei se já se já chegaram a ouvir… espetacular. Mas ele estava prestes a fazer isso, mais tarde, às… . Quando nós chegamos, mais tarde, em 69, que eu fui vê-lo em Nova York, já era 69. Enfim, essa geração, aí, que está hoje beirando os 70 anos, como eu, 68 anos, é que fez essa mistura toda. Então, tudo virou uma coisa só. Não tem esse negócio que tem música erudita, tem música popular; não sei o que, é som aí.

Mas também uma quebra de barreiras entre diversos gêneros da própria música popular?
É, esse pessoal, Cozzela, o Júlio Medaglia mesmo, mas fora do Brasil, muita gente fez essa fusão geral de todas as músicas. Não precisa mais da rótulo; tira esses rótulos daí, até jazz e sambão, por que não? Qualquer coisa.

Mutantes vêm depois do Beatles?
Como assim?

Na sua hierarquia, Beatles e, depois, Mutantes?
Ah, é outra coisa; têm coisas que os Beatles não saberiam fazer. “Panis et Circenses”, por exemplo, nós fizemos um happening naquela música. Você pensa que os Beatles fizeram alguma vez? Nenhuma peça dos Beatles era uma coisa assim avançada. Não quero denegrir os Beatles, espetaculares e tal. Mas esses caras estavam na frente.

Já havia essa consciência de ser melhores que os Beatles? Você sabia que os Mutantes eram melhores do que os Beatles?
Eu, pelo menos, sabia (risos). Eu sabia que os Mutantes eram melhores que os Beatles.

O inglês é muito escolar, muito comportado mesmo quando quer ser mais gozado, eles são muito certinhos. Brasileiro já é mais moleque… com um maestro maluco…
É aquela coisa de valer tudo. Você se lembra, tem momento em que a música pára lá, fica só ruído de pratos, “passa a salada aí!”… Isso aí é claro que tinha a ver com o happening que a gente fazia…

E a história de citar Marighella em uma das músicas de Gil, se não me engano?
Eu fiz umas coisas, essa coisa com o Gil e com o Caetano, que era usar emissão de rádio, noticiário do rádio. Mas eu punha em rotações diferentes, que era para ninguém ficar reclamando; os milicos não virem reclamar. Então, teve gente que andou decodificando aquilo lá.

“Ando Meio Desligado”, dos Mutantes, tem uma versão normal do disco; mas existe uma segunda versão ao vivo, e uma outra em que, ao invés de ter sonoridade de órgão meio distorcida e tal, tem barulho de metralhadora, tiros. De quem foi a idéia?
Não me lembro disso…

E “Chão de Estrelas”? Lembra como fizeram no estúdio?
Não, mas eu sei que a gente agia muito coletivamente, é coisa que eu dava a idéia e, depois, eles faziam, e vice-versa.

O Cláudio tinha também grande participação nisso?
Mas na feitura, nos instrumentos…

Você trabalhou com o Lanny Gordin. Como ele era?
Um prazer. É meio jazzista, um cara meio jazzista. Mas um grande músico. No disco da Gal Costa, que eu fiz inteirinho, em todas as faixas o Lanny está, eu nem lembro qual é o disco… O Lanny inventava pacas também. Ele não lia música, mas lia cifras, acordes. Só que ele lia e acrescentava umas 400 notas naquilo que estava escrito. Ele era espetacular.

Olhando uma enciclopédia, que deve ser a mais conhecida, no seu verbete, “en passant”, tem uma referência a tua participação no movimento tropicalista, e o resto é o teu lado erudito. Como é que você vê isso? De não haver o resgate desse teu lado mais intenso, esse lado sobre o qual conversamos aqui…
… Em uma enciclopédia, advinha o que o cara queria botar? Só quer botar coisas enciclopeidais (risos).