O dia em que os Beatles tocaram “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga

Tudo mentira, mas essa história que o Edmundo publicou no Estadão é genial.

Não era mais possível falar das flores no país tropical, mas ainda havia algum alento. Se quatro rapazes ingleses mostraram que era possível existir sargentos preocupados com corações solitários, o sonho ainda não havia acabado. Esperar o próximo disco dos Beatles era uma válvula de escape prazerosa. O que poderia vir depois de Sgt. Pepper’s? Conseguiria o grupo superar a obra em todo revolucionária?

Com as notícias da tensão entre os integrantes, as especulações sobre o que viria a ser o Álbum Branco causava ansiedade geral. Foi quando veio a bomba: os Beatles gravariam Asa Branca, lançada pelo velho Luiz Gonzaga.

“Ninguém sabia ao certo de onde veio a informação, mas sei que me disseram por aí e foi gente séria que falou”, garantiam todos que contavam a história num telefone sem fio que não demorou para ganhar destaque no rádio e na TV e páginas de quase toda a imprensa brasileira.

O próprio Gonzagão e seu parceiro Humberto Teixeira na autoria do lamento contra a desgraça da seca na vida dos caboclos do norte se surpreenderam. O velho Lua, que não se cansava de destilar ressentimento contra o iê-iê-iê que coroou outro rei em um trono que fora seu, mostrava um autêntico orgulho de tamanha honraria. “Os meninos ingleses têm muito sentimento e não avacalham a música. A toada deles parece bastante com as coisas do Nordeste. Até as gaitas de fole lembram a nossa sanfona”, publicou a revista Veja numa reportagem sobre a volta ao sucesso do sanfoneiro por causa da gravação de sua canção pelos artistas mais famosos do planeta. “Agora que eu quero ver se os Beatles vencem mesmo”, provocou, evocando os mais de 2 milhões de discos em quase 30 anos.

O clima era de festa e o orgulho brazuca foi às alturas. Mas cadê a Asa Branca tocada pelos Beatles? Após a euforia inicial, a imprensa começou a fazer o seu dever e foi perguntar à gravadora. Ninguém sabia de nada e um desmentido publicado alguns dias depois no Estado dava mais um toque surreal: “O empresário dos Beatles, Don Kass, desmentiu ontem que o conjunto inglês tivesse gravado Asa Branca, de Luiz Gonzaga, ou mesmo convidado Baden Powell para ensinar-lhes a tocar berimbau, como foi diversas vezes noticiado. Explicou que Paul McCartney compôs um samba, ainda sem nome, que será incluído no próximo long-play do conjunto”.

A essa altura, Gonzagão já sabia que tudo não passava de uma cascata inventada pelo agitador cultural, compositor e pai da pilantragem, Carlos Imperial, como conta Denilson Monteiro na biografia do homem que era mestre em espalhar lendas, nem sempre com a melhor das intenções.

Mas dessa vez, a causa de Imperial era nobre: resgatar o prestígio de Gonzaga ante um público que o desprezava. Imperial tinha uma tese de que havia semelhanças musicais entre o rock e o baião e depois de convencer um desconhecido grupo de rock que acompanha Ronnie Von a gravar Asa Branca, usou o tape para espalhar a notícia sobre os Beatles. Vendo que a mentira ficara fora de controle até para um pilantra de primeira grandeza como ele, procurou Gonzaga para contar a verdade e esclarecer a coisa publicamente. O sanfoneiro, que também gostava de contar das suas, não quis nem ouvir. Agradeceu ao Gordo, mandou às favas os pudores e aproveitou a maré. “Aquilo foi mentira, foi cascata bem favorável para mim”, declarou à edição brasileira da revista Rolling Stone: “Ganhei dinheiro, ganhei programa, dei entrevistas”.

Muito bom. A foto da página saiu do Instagram dele.

Blondie no Brasil?!

O Edmundo me perguntou outro dia e o Chuck twittou na calada da noite:

Ah, ele sabe de algo que nós (ainda) não sabemos. Aí tem.

O dia em que São Paulo quis proibir o pastel de feira

É uma tradição que vem de longe. O Edmundo explica melhor essa história.

Faroeste Caboclo via Google Maps

Os dois melhores resumos da epicidade brasiliense dada por Renato Russo em suas letras estão em suas narrativas trovadoras, “Eduardo e Mônica” e “Faroeste Caboclo”. Mas enquanto o Romeu e Julieta do cerrado traduz o dia-a-dia de uma sociedade que ainda se descobria, em auto-formação, “Faroeste” delimitava o contorno geográfico, os limites em que aquela nova cidade se reconhecia. A partir desta constatação, o Edmundo fez um Google Maps localizando os pontos citados no épico do terceiro disco do Legião. Bem foda.

Angeli, Glauco, Laerte e Henfil

Se dá para ter uma ideia da zorra que devia ser um apartamento dividido pelo Daniel Filho, Hugo Carvana e Miéle no Leblon dos anos 60, dá para imaginar como seria um lugar desses em Higienópolis, habitado por Glauco, Laerte, Angeli e Henfil no fim dos anos 80? O Edmundo recapitula esse convívio em seu blog:

E entrar para o círculo de amizades de Henfil não significava apenas conversas em salões de humor ou encontros eventuais. Henfil, como já fizera com outro jovem promissor, o Laerte, levou Glauco para morar em seu amplo apartamento no número 419 da rua Itacolomi, no bairro de Higienópolis em São Paulo. Ao time de moradores logo se juntariam os cartunistas Angeli e Nilson.

Sim. Isso aconteceu. Por um bom período, Henfil, Glauco, Angeli e Laerte viveram sob o mesmo teto. Detalhes dessa insólita convivência estão narrados em “O Rebelde do Traço – a vida de Henfil”, biografia escrita por Dênis de Moraes lançada em 1996 pela José Olympio Editora.

A vida no “bunker”, como o apartamento da Itacolomi foi apelidado, parecia a de uma república socialista, conta Dênis no livro. Henfil era paternalista ao extremo com seus seguidores e queria inclusive moldar o trabalho deles em treinamentos supervisionados pelo guru.

“… Sentavam-se na prancheta e desandavam a criar. Daqui a pouco, uma voz severa ecoava:

– Solte o braço!

Henfil ensinava-lhes truques, corrigia falhas e implicava…

… No afã de guiá-lo, Henfil exigia de Glauco uma resignação de tailandês. Pedia-lhe que prenchesse uma folha de papel com risquinhos de caneta. Se o ritmo estivesse lento, segurava-lhe o braço e repetia:

– Vamos, continua de onde parou. Pensa, fala um e faz um risquinho. Pensa, fala dois e faz outro risquinho…”

Quem o visse agir daquele modo poderia concluir que não levava fé nos discípulos. Muito pelo contrário… …Venerava o cartum de Glauco no qual um homem preso na parede por argolas de ferro cutuca, com a ponta do pé, a bunda do carrasco.

Mas o bunker da Itacolomi não se resumia a trabalho, como conta Dênis de Moraes.

“Se não bastasse, Henfil no bongô, e Glauco, na guitarra elétrica, completavam-se em noitadas de jazz.”

Em meio a projetos mil na agência alternativa Oboré – de revistas a panfletos sindicais e até a tentativa de criar uma versão nacional do grupo inglês Monty Phyton na televisão:

“Henfil, Glauco, Laerte, Nilson e, por um tempo, Angeli, embrenhavam-se pela noite paulistana. Empurravam-se, gozavam-se mutuamente, imitavam o jeito de andar de um amigo ausente, mexiam com uma louraça, confidenciavam aventuras amorosas, azaravam.”

Dá pra imaginar o que podia ter sido isso?