A monocultura da Marvel

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Escrevi no meu blog no UOL sobre o porque do fracasso da DC e o sucesso da Casa das Ideias ser ruim para o cinema de entretenimento.

Vamos à real: a disputa entre Marvel e DC no cinema, que até pouco tempo atrás poderia ser considerada séria, não existe mais. A Marvel vem nadando de braçadas em seu próprio universo cinematográfico e mesmo que a DC não estivesse no páreo, a transformação da editora em estúdio de cinema já seria um dos eventos mais importantes da cultura neste século. Mas depois do fracasso de Liga da Justiça e da sequência de sucessos da Marvel de 2017 (o segundo Guardiões da Galáxia, o novo Homem Aranha, um surpreendente terceiro Thor e agora o trailer do próximo Vingadores), é nítido que a DC sofreu uma derrota que dificilmente recuperará seu universo, mesmo após o ótimo filme de estreia da Mulher Maravilha. Não há Flash ou Aquaman que possa reverter esse cenário. Talvez novos filmes do Batman, mas mesmo assim… É preciso ser muito otimista – e descolado da realidade.

O anúncio que a sessão para a imprensa do terceiro Thor aconteceria na mesma semana do novo trailer do primeiro filme da Marvel em 2018 (o Pantera Negra) mostrou que a Casa das Ideias estava aos poucos desfazendo a unidade de seu universo para atingir um público ainda maior. Tanto o trailer do filme que se passa na África quanto todo o filme que ocorre no espaço a anos-luz da Terra mostram histórias que acontecem dentro deste universo já estabelecido sem que necessariamente vinculasse os filmes entre si, o que tornaria a compreensão do todo cada vez mais complexa para o público que ainda não foi convertido. Como Doutor Estranho e o segundo Guardiões já haviam mostrado, o universo cinematográfico Marvel pode criar climas completamente diferentes e filmes que pertençam a gêneros que não conversam esteticamente entre si. Só o novo Homem Aranha que escorregou no excesso de referências, embora isso não tenha abalado a reputação como sendo o melhor filme que já foi feito deste herói.

O novo trailer, nesse sentido, funciona como uma pequena sinfonia. Ele prenuncia o segundo ato da terceira fase do universo inicial com o primeiro Homem de Ferro e vai elencando todos heróis disponíveis como motivos musicais ou instrumentistas exímios. Dá alguns indícios para onde vai o filme, tem pequenas revelações, cenas grandiosas e closes em rostos emocionados e atiça o público sem entregar o ouro, como todo teaser deveria fazer. Para os fãs, um deleite. Para o público que vai ao cinema sem saber que filme vai assistir no dia, é um marco territorial, definindo a existência de mais um novo filme de heróis a partir do semblante de um ótimo novo vilão, Thanos.

O problema é que com a DC fora da disputa, o gênero super-herói tende a ficar preso à Marvel. E por mais que o novo estúdio se desdobre em mil possibilidades diferentes, esse monopólio artístico e comercial tende a estagnar essa vertente cinematográfica à agenda de uma única empresa, mais ou menos como o conglomerado que a comprou fez com a animação entre os anos 50 e 90: pouquíssimos longas de desenho animado emplacaram comercialmente durante a época em que a Disney reinava, antes da ascensão da Pixar (outra empresa que a Disney comprou anos depois) e da Dreamworks.

E o culpado desse fiasco é inevitavelmente a mão pesada de Zack Snyder, que estraçalhou dois filmes do Super-Homem ao tentar atingir o nível de hiperrealismo dos Batman de Christopher Nolan. O tempo nublado de Snyder contagiou os demais filmes da parceria da DC com a Warner (outra culpada, por não confiar no próprio taco e refazer os filmes dezenas de vezes, a ponto de protagonizar o momento mais ridículo da história do cinema comercial deste século, com o bigode do Super-Homem apagado por computador). Mulher Maravilha conseguiu jogar uma luz natural momentânea nesse universo de explosões à noite, mas Liga da Justiça afunda ainda mais uma estética fadada ao fracasso. Se ninguém quer ver um filme com o Super-Homem, a Mulher Maravilha e o Batman juntos, quem vai querer ver o filme do Ciborgue?

A monocultura que pode ser protagonizada pela Marvel ainda tem esse agravante: tira do páreo histórias novas dos dois heróis mais emblemáticos da história dos super-heróis. Batman e Super-Homem são infinitamente superiores a qualquer herói da Marvel, somente o Homem-Aranha chega perto da importância dos dois. Nomes como Thor, Homem de Ferro, Hulk e Capitão América (sem contar desconhecidos do grande público como Doutor Estranho, Guardiões das Galáxias, Pantera Negra) são mais reconhecidos por sua iconografia do que por suas histórias. Mas na medida em que a Marvel conseguiu recapturar o Aranha de volta para seus filmes (abrindo a possibilidade de isso também acontecer com os X-Men), cada vez mais o estúdio se blinda contra possíveis ameaças ao seu recente reinado nas bilheterias.

Talvez a melhor solução para a DC fosse reiniciar seu universo, como tantas vezes fez nos quadrinhos. Usar esse recurso narrativo inclusive para apresentar novos atores e diretores, zerar histórias, começar de novo. Fazer como fizeram outras tentativas de universo compartilhado que não deram certo comercialmente, como o “monstroverso” da Universal que fechou suas produções após o fracasso de A Múmia.

Porque assim teríamos a possibilidade de ver versões convincentes no cinema para clássicos do quadrinho moderno, como Red Son, O Homem Que Tinha Tudo, A Piada Mortal, As Dez Noites da Besta, Asilo Arkham, Crise de Identidade, O Reino do Amanhã. Se a DC continuar insistindo nessa linha narrativa com esses atores e diretores inevitavelmente contemplará fiasco atrás de fiasco. À sombra cada vez mais forte da Marvel.

Mulher Maravilha surpreende

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Finalmente a DC lança um filme digno de sua reputação – escrevi sobre o ótimo Mulher Maravilha no meu blog no UOL.

Cheguei atrasado no bonde da Mulher Maravilha, sem o menor arrependimento. O filme de Patty Jenkins entra quase que instantaneamente para a minúscula categoria de filmes de super-herói que apresentam seus protagonistas de forma que agrade aos fãs dos quadrinhos bem como convença quem não faça a menor ideia quem são aqueles personagens. Nenhum dos sete filmes do Batman entra nessa categoria, o primeiro Thor e o Doutor Estranho quase chegam lá e apenas o primeiro Capitão América, o primeiro Homem de Ferro e o primeiro Super-Homem (o clássico, de Richard Donner, de 1978) desfrutavam deste pequeno Olimpo do entretenimento moderno. E agora a princesa Diana. Não é pouco: Mulher Maravilha é o melhor filme já feito com um personagem da DC.

A entrada da Mulher Maravilha como primeira representante feminina deste time é tão bem-vinda quanto sua aparição no deplorável Batman vs. Superman, também conhecido como o pior filme já feito. Sua apresentação é forte o suficiente para quebrar a atmosfera pesada e sombria de uma forma subitamente inesperada. Mulher Maravilha é um filme solar, diurno, mesmo quando caminha nas trincheiras da primeira guerra mundial. Jenkins foi esperta ao aproveitar que Zack Snyder não usou em seus filmes sobre o Super-Homem uma das principais qualidades do personagem – o lado positivo, pra cima, ingênuo e inspirador de um alienígena que acredita na raça humana. Assim, a diretora as esbanja sobre a sensacional Diana encarnada por Gal Gadot.

Gadot, por sua vez, é claramente um dos grandes trunfos do filme, um passe de mágica em forma de carisma que nos faz ter vergonha por esquecer de Lynda Carter, a Mulher Maravilha da televisão no final dos anos 70, durante toda a duração do filme – e além. Gadot nasceu para ser a Mulher Maravilha como Tony Stark é o personagem da vida de Robert Downey Jr. e Christopher Reeve é o eterno Super-Homem. Seu ar de ingenuidade para com a civilização e sua determinação nas cenas de ação carrega-nos para aquele estágio de suspensão de realidade em que você realmente acredita que aquelas cenas fantásticas estão acontecendo. E é claro que a beleza paralizante da atriz ajuda nesse papel.

Mas não é só ela. A direção de Patty Jenkins é a prova que realmente precisamos de mais diretoras mulheres no cinema. A abordagem das cenas de luta, a humanização na apresentação dos personagens secundários, a seriedade nas cenas mais intensas e desobjetificação do corpo da personagem principal dão um nó em vários clichês dos filmes de super-herói até então. O universo gráfico, barulhento e machista de super-heróis brigando entre si soa inteiramente monocórdico se comparado com este novo filme. Esse lado clichê, no entanto, não escapa nem ao filme de Patty Jenkins e seu terceiro e último ato é vergonhosamente o antônimo de tudo que o filme representava até ali.

Por dois terços, Mulher Maravilha é irretocável. A primeira parte do filme, que se passa na ilha mitológica de Themyscira, lar das amazonas a quem a personagem principal chama de família, consegue o estranho trunfo de colocar em movimento a versão visual mais aceita da mitologia grega, tratando a tela de cinema com retoques coloridos de pinturas renascentistas. Seu segundo ato, o grande momento do filme, apresenta-nos a um elenco de apoio de primeira (o Steve de Chris Pine, o Charlie de Ewen Bremner, o Sameer de Saïd Taghmaoui e o Chefe de Eugene Brave Rock, todos ótimos) enquanto mostra o mundo do início do século passado à protagonista, completa alheia à civilização fora de sua ilha mágica.

É aí que o filme transcende. Quando a recém-rebatizada Diana Prince passa a conhecer o que acontece no mundo fora do reino das amazonas, encontrando de frente o lado bom e o lado mau do ser humano, seu personagem ganha uma terceira dimensão rara nestes tipos de filme e levando o universo de personagens da DC no cinema para um rumo completamente diferente. Ao humanizar o tom do filme sem necessariamente humanizar uma heroína mitológica em mais de um sentido, Patty Jenkins abre uma janela que finalmente areja o tom claustrofóbico néon que paira sobre todos filmes da DC com a Warner (à exceção dos Batman de Christopher Nolan, apenas claustrofóbicos).

O fato de se passar no passado também ajuda nesse tom mais leve que Mulher Maravilha traz a este universo de personagens – e mesmo com o entendiante final cheio de explosões desnecessárias e cápsulas de poder, o filme não se perde no uso de geringonças tecnológicas que salvam a pátria ou de efeitos especiais. Estes são utilizados magistralmente na instantaneamente clássica cena em que a Mulher Maravilha se apresenta para o resto do mundo. Uma cena que sintetiza a importância do filme no cânone dos super-heróis, o carisma determinante de Gal Gadot e o pulso firme de sua diretora.

Além do terço final, Mulher Maravilha também peca por não ter um vilão convincente. Mesmo com o bem realizado jogo de cena feito com os personagens de Danny Huston e Elena Anaya, a revelação final não é tão surpreendente e faz o filme desandar feio em clichês hiperbólicos. A história em si (assinada também por Zack Snyder) também não é grande coisa, mas a forma como ela é conduzida faz que a motivação da protagonista assuma o papel do roteiro principal.

Tais defeitos, no entanto, não maculam o filme. O novo fôlego que Mulher Maravilha sopra sobre o infame estado que a Warner deixou o universo DC (depois das duas últimas bombas, Batman vs. Super-Homem e Esquadrão Suicida) é tudo que o estúdio poderia desejar. Mesmo derrapando na saída, Mulher Maravilha cogita a possibilidade que os próximos filmes da DC possam se recuperar do mico deste passado recente – sem tentar parecer com a Marvel, criando seu próprio universo de sensações e sentimentos que não seja um mero arremedo caricato da concorrência. Palmas para o filme.

Alex Ross aos 12 anos

O artista Alex Ross, autor das belíssimas imagens em HQs de super-heróis clássicas como Marvels e Reino do Amanhã, desenterrou, em sua página no Facebook, uma versão que fez da Liga da Justiça ainda em sua pré-adolescência.

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E publicou uma versão atual do mesmo grupo de heróis, mostrando a evolução de seu traço.

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Mas a base tá ali, né?

O sucesso da DC no cinema não está garantido

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A Warner mostrou bons trailers dos heróis da DC na Comic Con 2016, enquanto a Marvel preferiu criar expectativa… Não dá pra dizer que a DC ganhou, como comentei no meu blog no UOL.

E a revista em quadrinhos mais vendida do mundo é…

A DC encheu o peito pra falar que a revista de reestréia da Liga da Justiça (que deu início ao reboot digital da editora) era o gibi mais vendido no mundo em 2011, com tiragem de 200 mil e aí vem o Bleeding Cool e saca essa maravilha brasileira:

Sim: Turma da Mônica. Sim: Jovem. Sim: “Em estilo mangá”. Sim: o dia em que o Cebolinha ficou com a Mônica. Sim: tiragem de 500 mil revistas. E o detalhe que diz que é “história completa” na capa? Tá na hora do mundo saber a real: Stan Lee é uma moça perto do Maurício.

Impressão digital #0062: DC Comics digital

Minha coluna no Caderno 2 desse domingo fala sobre o fato da DC ter dado um boot em sua cronologia – pra sobreviver na era digital. Será?

Dilema digital
Quadrinhos no século eletrônico

A encruzilhada digital é implacável. Indústrias estabelecidas no século 20 graças à cultura de massas penam, no novo século, para se adaptar a uma realidade que celebra a cultura do nicho. Mais que isso, numa cultura digital, em que tudo pode ser copiado e reproduzido sem que o autor tenha controle da distribuição, fica cada vez mais complicado gerir um negócio que lide com a produção de conteúdo feita para milhões de pessoas.

A indústria do disco sentiu isso na pele ao servir de boi de piranha digital quando assumiu o papel de primeiro antagonista da web e processou quem baixava MP3 sem pagar. Hollywood sente dolorosamente essa mudança, quando o download de filmes via torrent a obrigou a apostar em superproduções e em novas tecnologias, como as salas Imax e 3D. Emissoras de TV do mundo inteiro veem suas programações escoarem para fora da grade rumo ao YouTube.

Música, cinema e TV estão sempre nas notícias quando se fala nesse assunto, mas uma indústria que é a cara do século 20 e está quase sempre à margem dessa discussão vem penando para retomar sua importância na era digital: os quadrinhos.

E quando se fala em indústria dos quadrinhos, dois nomes se destacam: Marvel e DC, editoras que criaram o conceito de super-herói moderno. A primeira tem se mexido drasticamente para continuar relevante nos dias de hoje, principalmente longe das revistas. Seu principal feito foi se transformar em estúdio de cinema para levar seus personagens para um público que não lê páginas em papel. A Marvel também pulou no iPad na primeira hora, criando um dos aplicativos mais festejados logo que o tablet apareceu. Mas a conta ainda não fechou – e a Marvel continua em busca de alternativas para fazer suas histórias em quadrinhos sobreviverem no século 21.

Sua principal rival, a DC, começou a se mexer de verdade na semana passada, quando anunciou que iria zerar sua linha de super-heróis e recomeçar a contagem de suas revistas, todas com um novo número 1. Não é a primeira vez que a editora que inventou o Super-Homem e o Batman tenta isso. Nos anos 80, conseguiu reiniciar seu universo com a saga Crise nas Infinitas Terras, em que permitiu que seus heróis pudessem fazer sentido no fim do século passado.

O novo reinício mira no digital. Além dos novos números 1, a editora deverá publicar, digitalmente, as mesmas histórias exatamente no dia em que elas chegam às bancas. O preço deverá ser mais barato que o das versões impressas, pois a editora quer que seu novo público volte para o papel uma vez que sentir o gosto dos novos títulos online.

Mas isso pode dar bem errado, já que, assim, eles podem matar um de seus principais redutos, que são as lojas de quadrinho – como a música online fez com as tradicionais lojas de disco. A estratégia trará novos leitores se der certo. Mas se der errado, pode afugentar até os velhos. Ninguém disse que seria fácil.

Marvel x DC: breakdance!

Na real isso era apenas um teste para ver se uma câmera nova estava funcionando, mas olha que foda…

Dica do Klaus, via Videogum.