O dia em que Stela Campos conheceu Daniel Johnston

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Estava no metrô quando Stela Campos me mandou uma mensagem. “Matias, beleza? No calor da emoção ontem, escrevi um texto sobre a nossa experiência como banda do Daniel Johnston”, ela me lembrou do show que perdi de nosso recém-falecido ídolo indie e por seu texto, pude reviver o momento que não vivi. Uma das grandes fãs de Johnston no país (autora de um EP em homenagem a ele), Stela havia tocado teclado na banda que acompanhou o show que ele fez em São Paulo em 2013 (organizado e bem lembrado pelo Lucio, no obituário escrito para a Folha). “Lembrei de você. Queria te mandar pra ver se você não anima de colocar em algum lugar. Sei lá… Só uma ideia”. Nenhuma ideia é “só uma ideia”, Stela – ou melhor “só uma ideia” às vezes é tudo isso. Por isso, segue a inspirada e tocante lembrança de Stela daquele encontro há seis anos, bem como o melhor registro daquela noite (o curta Devil Town: Daniel Johnston in São Paulo). Johnston é desses artistas que sua mera lembrança é suficiente para que sua importância siga resistindo. Obrigado.

Uma noite para lembrar- some things last a long time

Por Stela Campos

Estávamos em uma passagem de som, daquelas infinitas, tensa. Fazia uma hora que tocávamos sem a certeza de que nosso herói iria ou não testar o som com a gente. Faltavam algumas horas para fazer a apresentação para a qual ensaiamos por meses, sempre imaginando como seria quando ele assumisse de verdade a voz naquelas canções.

De repente, lá vem ele. Meio desengonçado, descabelado, do jeito que achamos que seria, mas passa reto e sem olhar pro lado. Nós no palco nos olhamos com um misto de excitação e medo. Afinal, ali estava ele se materializando na nossa frente. Ao mesmo tempo, o frio na barriga crescia, pois ele nos ignorou solenemente.

Resolvemos que o melhor a fazer era continuar a tocar. A música foi se espalhando pela casa de shows vazia. Ele sentado lá longe, autografando cartazes, começa a escutar. As notas vêm e vão. Então, ele se levanta e caminha em nossa direção, como se estivesse sendo atraído pela sonoridade da própria obra.

Ele sobe no palco, assume o microfone, ainda sem olhar. Diz que não queria tocar o teclado que a produção tinha conseguido para ele. A tensão se espalha. Ele olha para a guitarra do meu companheiro de banda, Adriano, e a pede emprestada. Com orgulho do mito tocar com seu instrumento, meu amigo abre um sorriso. Ele também.

Depois de cantar e tocar duas músicas sozinho, chega a nossa vez. A tensão continua. O irmão dele avisa que pode ser que ele não queira passar música nenhuma e que isso é normal. Começamos a tocar. Minutos depois, ele fecha os olhos. Pouco a pouco, vamos relaxando. A música acontece. De olhos fechados, meio hipnotizado, parece que gosta. Resolve então fazer um show só para a gente. Tocamos todas as músicas que tínhamos ensaiado para o show e mais algumas.

Uma viagem sonora como sempre sonhamos. Para nosso deleite, a passagem parecia não ter fim. Ficamos suspensos naquela comunicação musical sem intervalos. Acabamos muito emocionados com toda aquela sinergia. O irmão, feliz, diz que nem sempre é assim. Naquela época, em todos os lugares por onde ele passava, era acompanhado sempre por uma banda formada por músicos fãs locais. Um privilégio estar entre eles.

No fim da passagem de som, pego um CD com o EP onde gravei cinco músicas dele, em casa, em uma longa noite em 2005. Nunca pensei que um dia poderia entregar isso pessoalmente para ele. Mas, aconteceu. Ele pegou, olhou, olhou e demorou para entender que naquela arte linda, lá estava ele com fitas cassete saindo da cabeça e que eu tinha gravado suas músicas.

Quando percebeu tudo, me deu um abraço apertado e sussurrou coisas no meu ouvido que eu não consegui entender direito. Não importa, a missão de quase uma vida estava cumprida. Saí muito feliz dali. Na hora do show, foi lindo. Deu tudo certo, ele cantou tudo, trocou a ordem de uma música ou outra na hora, mas tiramos de letra. Já tínhamos estabelecido uma conexão musical com ele. A plateia sorveu cada palavra, cada acorde, com muito amor.

No camarim, ele ofereceu pizza e refrigerante para todo mundo. Pacientemente, autografou o cartaz do show que hoje fica pendurado em cima do meu piano. Some things last a long time….

Daniel Johnston: voz, guitarra
Adriano Mitocondrias: guitarra
Andre Pagnossim: guitarra
Alan Feres: Baixo
Vini Pardinho: bateria
Stela Campos: teclado