Olho Seco no Centro Cultural São Paulo

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A segunda edição do ciclo Concreto, que reúne bandas clássicas e novas da cena punk e pós-punk de São Paulo no Centro Cultural São Paulo, recebe as presenças do mítico Olho Seco, uma das principais bandas da história do faça-você-mesmo paulistano, e do grupo Cankro, neste domingo, a partir das 18h (mais informações aqui).

Cólera no Centro Cultural São Paulo

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O mítico grupo punk paulistano divide o palco do Centro Cultural São Paulo com a banda Futuro neste domingo, às 18h, dentro do evento Concreto, que terá um fanzine de mesmo nome distribuído na entrada do show. No zine, além de fotos clássicas de apresentações do grupo do CCSP no passado, ainda há um texto meu de apresentação sobre este formato, batizado de Concreto, e outro do guitarrista do Futuro, Pedro Carvalho, sobre a importância do Cólera, ambos reproduzidos abaixo. Mais informações sobre o show aqui.

Legado pétreo
Como o punk paulistano inaugurou uma nova fase da cultura brasileira que persiste até hoje

Alexandre Matias *

Quando o punk rock chegou em São Paulo, encontrou terreno fértil para germinar. Um dos movimentos culturais mais importantes do século passado nasceu em uma Nova York inóspita e chegou a Londres quando o estado inglês começou a ser desmantelado pelo incipiente neoliberalismo para aportar na metrópole brasileira que assistia à metamorfose de uma ditadura militar em uma democracia de araque, de eleições indiretas e poucos agentes políticos. Em comum, a ausência de esperança no horizonte, ecoando o lema “sem futuro” eternizado pelos Sex Pistols. Em comum, hordas de jovens querendo pegar as rédeas da própria vida e produzir sua própria cultura.

Os tons de cinza da cidade eram a paisagem perfeita para que aquelas sementes florescessem e ganhassem um sotaque próprio. O punk paulistano mudou a cara da cidade em poucos anos, mas, principalmente, espalhou uma nova estética – crua e dura – na cultura de São Paulo – e do Brasil -, que perdura até hoje.

A noite Concreto, idealizada pelo Centro Cultural São Paulo, vem celebrar este legado, confrontando a história desta música urbana com seu espólio, reforçando o patrimônio erguido pelo movimento punk que perdura até hoje. Para isso, confrontamos o mítico grupo Cólera, um dos pilares do gênero, com o novíssimo Futuro, pedindo para o guitarrista desta banda, Pedro Carvalho, apresentar a primeira – e explicar porque estas duas bandas tocando juntas são parte de um mesmo processo, que ocorre décadas longe dos holofotes da mídia ou das luzes da cidade.

* Alexandre Matias é curador de música do Centro Cultural São Paulo

Punk nasce torto, nunca endireita
Cólera, uma banda coerente no bom combate: o choque de ideias, a positividade e o faça-você-mesmo

Pedro Carvalho *

Das primeiras bandas punks de São Paulo, que começaram a tocar ainda no final da década de 70, o Cólera foi a única que sobreviveu durante a década seguinte. E das que batalharam durante os 80, foram a única que nunca acabou ou desistiu – com ou sem razão – do punk.

Afinal, a continuidade entre as primeiras bandas punks brasileiras e todo o rock divergente local que veio depois é óbvia. Infinitas possibilidades foram abertas por um punhado de jovens que, como no resto do mundo, começaram a expressar suas frustrações através do rock primitivo sem se importar com a indústria ou com as noções burguesas de bom gosto.

Claro que o punk brasileiro teve lá seus problemas, mas para o Cólera o foco sempre esteve na produção, no faça-você-mesmo. E a agenda era pautada exclusivamente pela própria banda.

Quando os únicos dois caminhos pareciam ser renegar o movimento ou acusar quem fazia isso de traição, o Cólera escolhia uma terceira via: se focava no próprio caminho e pregava através do exemplo. Enquanto muitos se pautavam pelo sectarismo, eles procuravam a inclusão. Se o foco de era o conflito corporal, eles escolhiam o choque de ideias.

E não havia choque maior para fãs iniciantes de punk rock como eu do que a descoberta de álbuns com títulos como Pela Paz em Todo o Mundo e Tente Mudar o Amanhã. Não que desligar a mente e quebrar tudo também não fosse atraente. Mas Redson, Val e Pierre davam pistas valiosas sobre os motivos por trás da destruição e o que fazer a seguir.

Para além das posições políticas e sociais da banda, me lembro de ficar particularmente impressionado com as histórias sobre a turnê deles na Europa em 1987. O Brasil era isolado culturalmente e viagens internacionais eram raridade.

A idéia de passar meses do outro lado do mundo tocando em ocupações e centros culturais alternativos era melhor do que qualquer coisa que qualquer pessoa que eu conhecia já havia feito na vida. Era o que eu também queria fazer da vida, estava decidido.

O universo de todo mundo que eu conhecia, dentro e fora do punk, era pequeno. O importante era a turma, o bairro, a família. O Cólera pensava globalmente. O mundo era o palco deles e o objetivo era salvá-lo da guerra, da fome e do apocalipse ecológico. Eles perguntavam “qual é a causa deste efeito”? A resposta continua a mesma.

Como tantas outras pessoas, moldei minha vida a partir deste embrião, diretamente influenciado pelo Cólera. Todas as bandas que tive seguiram este moledo iniciado por eles. De todas elas, o Futuro em particular talvez tenha sido a mais ortodoxa neste sentido. O Redson nos ensinou que o punk deve ser seguido à risca. Mas quem define e expande os limites do punk somos nós mesmos e mais ninguém. De uma maneira ou de outra, a ideia sempre será mudar o amanhã, começando aqui e agora.

* Pedro Carvalho é guitarrista da banda Futuro.