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vaca

O bem contra o mal

Resta saber quem é quem. Via Serra Leoa.

O capacete de Marcos Uchoa

Ô dó. Bullying em cadeia nacional!

Mas o melhor é a cara da Fátima, dizaê.

Laerte, Giron e o bullying à portuguesa

Esse cartum do Laerte harmoniza bem com esse texto do Giron:

Hoje em dia, a turma que entende das coisas adora falar que os estudantes “sofrem bullying”. Ô, palavrinha mais antipática… O tal do “bullying” está na boca do Brasil inteiro, e com pronúncia errada (as pessoas gostam de dizer “bãling”, o que as torna ainda mais ridículas). A palavra “bully” tem uma origem chã: provém de “bull”, touro, do inglês do século XVII e significava originalmente “fanfarrão”, “mata-mouros”. Só mais modernamente passou a designar perseguição e agressão, em português. O correto seria dizer: “Os estudantes sofrem perseguição nas escolas”. Não ouso afirmar que a língua portuguesa está sendo agredida. Para convencer meu interlocutor, tenho de “refrasear” (em vez de “refazer”) a afirmação para: “O português está sofrendo bullying”. Aí todos entendem, batem palmas e pedem bis – ou, como se diz em inglês, “encore”. Isso porque agora o correto já virou incerto. Eu não posso falar que temos um prazo final no fechamento desta edição. Para parecer mais sofisticado, tenho de alertar que não há prazo final, e sim um “deadline”. Sinto-me mais bacana por dizer “deadline” e “approach”, entre outras baboseiras do atual jargão do jornalismo.

Tenho a impressão de que todo mundo, inclusive eu, esqueceu-se das palavras precisas para designar determinadas situações e objetos. O bombardeio dos termos em inglês provoca amnésia linguística e tornou legítimos barbarismos como “provocativo” em vez de “provocador” e “basicamente” em vez de “fundamentalmente”. Ainda mais risível é quando usam “eventualmente” no sentido de “finalmente” – “eventually” em inglês. Realizou?

Nesse campo da prática de abusos, os críticos de música e cinema são tradicionalmente os piores: eles enxameiam seus textos de termos em inglês e expressões esdrúxulas. Só que agora andam a abusar do direito que se autoatribuíram (daqui a pouco vão dizer “se self atributiram” ou qualquer coisa do tipo). Ninguém mais estraga prazeres ao contar o desfecho de um filme; agora o que vale é o popular “spoiler alert”. Quando você vai contar a trama de um filme, terá de dizer assim: “Cuidado que tem spoiler!” Quando um crítico me diz isso me dá vontade de pular, pois a palavra soa como uma espécie de escaravelho ou baratagigante.

No dia a dia, o pessoal vive se metendo em “brainstorming”, vocábulo inglês que pode ser facilmente traduzido para confabulação. Que tal confabular em vez de “fazer um brainstorm”? Acho uma troca vantajosa, até porque é menos barulhenta, “brainstorm” evoca tempestades com raios e trovões. Nada melhor que confabular, trocar ideias e histórias. Além de tudo, soa melhor.

O português surgiu por volta do século XII (embora haja documentos de duzendos anos antes) a partir da evolução do latim vulgar na Península Ibérica, com contaminações de termos celtas, visigóticos e árabes. No começo, era chamado de “galego-português” porque a fala e a escrita apareceram no norte de Portugal, na fronteira com a Galícia. As poesias palaciana, de amigo e de escárnio e maldizer foram criadas e publicadas antes mesmo da consolidação de idiomas como espanhol, italiano, alemão e… inglês. Língua venerável, o português. Um idioma imperial do século XVI. Por isso, bonita como uma caravela engalanada, clara e solar como as igrejas góticas de Lisboa.

Amo os meios-tons que suas vogais contêm, aparentadas francês. É um grande prazer remexer no léxico riquíssimo do idioma, brincar com a possibilidade que ele oferece de alongar as frases quase ao infinito, pois o português flui como uma plácida corrente de rio. Adoro certas palavras que não constam de línguas irmãs, como a (quase) intraduzível “saudade”, ou aquelas que existem em outras, que ganham um sabor delicado no vernáculo, como “brisa”, “maçã” e “paixão”. Os ecos artísticos são grandes. Eu sei que blueberry consta de um belo filme de Wong Kar-Wai. Trata-se de My blueberry nights, traduzido em português pelo título pedestre Beijo roubado em vez de “Minhas noites de mirtilo”. Blueberry é uma palavra que a gente amassa com dois dedos. Mirtilo, não. O vocábulo está em Camões e Petrarca, que, por sua vez, beberam na fonte de Horácio e Virgílio. Mirtilo evoca pastores do Parnaso e da Serra da Estrela. É antigo e lírico, como o português.

Segue .

Mas que porra de Rebecca Black é essa?

Porque a banalização do sucesso é uma boa

“Friday” não é a pior música pop de todos os tempos, mas tem atributos fortes o suficiente para alçar esse (de)mérito. Sua letra é ridícula, seu refrão é desanimado e repetitivo e o “fun” repetido eternamente pela voz quase robótica e anasalada de Rebecca Black talvez seja o “fun” mais sem graça da história da música – nem o “no fun” de Iggy Pop na música de mesmo nome consegue tal apatia.

Sua letra infantil (e não infantilóide – ela TEM treze anos, Mallu Magalhães é tipo uma TIA pra ela), fala em acordar, ir pra escola e, ao encontrar os amigos no carro na sexta-feira, ser apresentada à crucial questão existencial: ir no banco da frente ou de trás? No caminho, ela sai com as amigas para a naite, no banco de trás do carro e dança a coreografia mais fuleira da história do videoclipe moderno, acompahada de uma sidekick tão deslocada que transforma Rebecca Black em uma espécie de estrela. O olhar perdido e sorriso morto da loirinha à esquerda talvez seja, junto com o “fun, fun, fun, fun, fun…” os grandes momentos do videoclipe, uma aula de clichês levados a sério que cogita-nos a possibilidade de Justin Bieber ter sido inventado pela Mad ou pelo Saturday Night Live.

Ao mesmo tempo, Black tem uma espinha enorme do lado da boca, um olhar de psicopata alimentada pela TV, um sorriso idiota que mistura vergonha e orgulho em medidas improváveis – nada demais, só uma adolescente de treze anos brincando de videoclipe. Aquilo poderia estar acontecendo através de uma câmera de celular ou via webcam, ser uma mera extensão da velha brincadeira de menina de vestir roupas de adultos e tirar fotos.

Eis o motivo de seu sucesso, verdadeiramente. Rebecca Black é igual a todas as fãs de Justin Bieber (ela mesma perde o fôlego ao cogitar sequer encontrar-se com o Mickey humano – Fred Astaire who?) e é por isso que ela é tão amada/odiada. E, por isso mesmo, vista. E esses defeitos também fazem parte do sucesso da cantora, que roda milhões de views no YouTube POR DIA – um feito que nem Lady Gaga em “Telephone” conseguiu.

É uma menina como qualquer um dos que estão assistindo – ela não é loira e maravilhosa, magra de voz afinada, não tem berço nem padrinho. Foi trabalhada por uma agência de música que faz com filhos de pais esperançosos a mesma coisa que outras tantas fazem para empresas: em vez de viralizar produtos e campanhas promocionais, a Ark Music viabiliza o melhor caminho para transformar crianças cujo talento mora em algum lugar da cabeça (ou do coração) de seus pais. E Black era um “queise” que agência nenhuma no mundo pode exibir.

Talvez tenha a ver com o mesmo clamor por “winning” que transformou Charlie Sheen em uma besta enraivecida do pós-apocalipse – ou, como disse Bret Easton Ellis, uma celebridade pós-império, uma pós-celebridade. Uma estrela que em vez de esconder seus defeitos, os escancara como suas quase mínimas qualidades. Ela também comemora a acabação e descerebração (paixão e foco), mas do alto de seus treze anos isso não pode dizer muito mais do que dois dias sem escola, mesmo que sua diversão seja a repetição vazia de um monossílabo fanho.


Assista aqui à entrevista de Rebecca Black ao programa Good Morning America

Entrevistada pela mesma Andrea Canning que entrevistou Charlie Sheen em sua aparição mais memorável, Rebecca disse estar se sentindo vítima de “cyberbullying” em larga escala, pois imagine a quantidade de reclamações que você fez ao vídeo elevadas à casa dos milhões diários chovendo na cabeça de uma menina de 13 anos. Mas ao contrário de atores-mirins que normalmente respondem que esse tipo de sucesso é “fruto de um trabalho árduo”, “de uma família que lhe apoiou” e outros clichês do nível daqueles repetidos no Arquivo Confidencial do Faustão (sábias palavras de Ari Gold em Entourage, quando diz que atores-mirins têm trinta anos a mais do que a idade que alegam ter), ela sabe que está ali porque seu pai pagou, que não canta bem e que está vivendo uma espécie de sonho – como se tornar rockstar fosse resultado de uma promoção publicitária, mais do que de uma meta de vida.

Eis o significado de Rebecca Black. Se tornar o próximo grande astro está completamente – e para sempre – desvinculado de qualidades antes imprescindíveis, como talento, beleza, técnica ou carisma. Rebecca, como tantos participantes do Big Brother, memes de internet e blogueiros que viraram apresentadores de TV, não tem nada disso e é um sucesso. Ou seja: ela representa a banalização final do estrelato, o que pra muitos pode ser visto como uma lástima, mas que deve ser comemorado. Afinal, o da forma como é vendido hoje, o sucesso é uma miragem distorcida feita para drenar talento de verdade na base da superexposição. Se a máquina do showbusiness aceita talento e não-talento da mesma forma, talvez seja hora das pessoas comuns – sem talento – desfrutar de seus segundos de euforia para, em pouco tempo, o conceito de celebridade cair por terra de uma vez por todas.

É claro que antes temos que nos acostumar com outras ações e reações, como a triste história do “Zangief da vida real” que fez sucesso na semana passada:

Charlie Sheen, Rebecca Black e esse gordinho são só o início de um troco… Depois eu falo mais sobre isso.