Fernando Henrique Cardoso e a maconha

E a Trip desse mês traz o ex-presidente na capa com seu novo assunto favorito: a erva.

E o que o senhor descobriu quando começou a estudar o assunto?
Quanto mais eu e os outros líamos, mais chegávamos à conclusão de que a guerra às drogas era falida e que o objetivo de zero droga é inalcançável. E, por isso, era preciso buscar outra abordagem, outra estratégia para tratar do assunto. Nossa comissão latino-americana há uns três anos lançou um documento que teve muita repercussão no mundo. O que dizia era mais ou menos o seguinte: os recursos estão todos concentrados em destruir a produção e combater o tráfico. Mas nada é feito para lidar com os efeitos na sociedade e em quem usa. Nada era feito de fato para reduzir o consumo. Com o cigarro, por exemplo, houve um esforço grande e caiu o consumo. E depois descobri que é preciso reconhecer que as drogas são múltiplas, e os efeitos não são homogêneos. Desde cigarro, álcool, maconha, heroína, cocaína. Vários mitos desabavam diante das pesquisas.

Que mitos, por exemplo?
O de que o uso de uma droga leva, necessariamente, a outra. Não é verdade. Vocês podem ver no filme que a ex-presidente da Suíça dá um depoimento mostrando que o que leva de uma droga a outra não é o consumo, mas o mercado. É o traficante que induz. Outro mito que pude verificar pessoalmente em viagens é o de que existem drogas leves e pesadas. Sim, umas são mais pesadas do que outras, mas depende muito mais do tipo de uso que se faz. Se você acorda já fumando maconha é complicado. Se você acorda bebendo cachaça é ainda mais grave. Mas se você toma uma cachaça de vez em quando é bem mais tranquilo. O mesmo se aplica a maconha, heroína, cocaína… Então precisamos ter uma visão mais sofisticada sobre isso se quisermos, de fato, reduzir as consequências negativas. (…)

Mas sofisticar a informação não basta sem uma mudança legal na hora de diferenciar uma droga da outra. Como o senhor encara a questão da maconha, especificamente?
Isso não é simples. Primeiro temos que descriminalizar o usuário. Mas mesmo na hora de diagnosticar o que é usuário e traficante é complicado. Porque todo usuário, uma hora ou outra, acaba sendo um pequeno traficante. Como o acesso à boca de fumo é ilegal, alguém que se arrisca aproveita e também pega para os amigos. Então isso cria uma teia de ilegalidade que é melhor acabar. Pelo menos no caso da maconha. Minha opinião é a de que a maconha pode ser tratada de forma diferente. Isto é, regulada como é o álcool e o cigarro.

Isso vai bem além de descriminalizar o uso. Regular significa criar formas de produção e venda permitidas por lei, certo?
Uma coisa leva a outra. A opinião pública não aceita as ideias de uma vez. A gente precisa criar efeitos em cadeia. Quando você discute drogas, é fácil convencer uma pessoa de que o usuário não deve ir para a cadeia e que ele precisa de tratamento médico. Com isso quase todos concordam. Mas, no caso da maconha, a pessoa não requer tratamento. Em seguida, você tem que perguntar: e o que fazer agora? Ninguém pensa em liberar totalmente o uso. Mas, quando você vê os fatos, na verdade a maconha é menos danosa do que o álcool e o cigarro. Agora, vamos supor que ela seja colocada na mesma categoria desses dois. Ora, você não vai liberar álcool e tabaco para menores de idade. Em certos países existem restrições mais drásticas em relação às bebidas. Hoje, em São Paulo, se você fuma precisa ir para a rua acender um cigarro. Há 15 anos todo mundo respirava o mesmo ar infecto do cigarro. Antes fumar era sinônimo de glamour, agora não é mais. Isso vem de uma regulação maior. Mas alguém produz o álcool, o cigarro, alguém os vende.

Como poderíamos criar um mercado regulado de maconha?
Tem mil caminhos. Não há uma receita. Isso tem que ficar bem claro. Nada resolve. Nada acaba com o uso nem com os malefícios que ela possa causar. Mas precisamos criar maneiras de reduzir os problemas. E tem muitas experiências nas quais podemos nos espelhar. Em Portugal, a descriminalização e, na prática, a não perseguição ao usuário deram certo.

Mas Portugal não tem um modelo de produção e venda de maconha. O tráfico continua.
E isso é o que precisa ser discutido aqui. Uma coisa é o uso da droga e o que isso causa no usuário. Outro é o tráfico que gera violência. Em Portugal o tráfico não está atrelado à violência. Na Holanda eles podem vender, cobrar impostos nos coffee shops, mas a maconha entra no país ilegalmente. O Estado fecha os olhos à ilegalidade. Eles dão uma justificativa: “É melhor resolver metade do problema do que nem a metade”. É verdade. Mas vai para o México ou para uma favela carioca. A violência é o problema mais grave e vai continuar sendo. E não podemos realmente deixar o tráfico prosperar. Então não dá para aplicar a mesma receita igualzinha de um país para outro. No Brasil eu iria com cuidado. Faria alguns experimentos. Precisamos discutir e, na hora que descriminalizar o uso, poder perguntar: e quem produz?

E, na sua opinião, quem produziria?
Cooperativas, autorizações para produção em pequena escala, jardins particulares para uso pessoal. Alguma coisa assim deveria ser experimentada para ver se a coisa anda. As estatísticas mostram que 80% dos que usam droga usam maconha. E, como ela é a menos daninha, menos que o cigarro, é razoável que a gente a separe das demais, para tirar essa receita do tráfico e concentrar o combate nas outras drogas que são mais perigosas. Essa é a discussão. E há no Brasil certo cinismo quando se discute isso… Porque o acesso à maconha aqui é amplo. E isso é errado. Não tem critério nenhum. Qualquer um consegue.

É como se fosse liberado.
Exatamente. Ontem mesmo estava ouvindo no rádio que estavam vendendo livremente maconha em uma escola. E pior, o cara que vende não vende só maconha… Isso é um problema social grave para o qual não podemos mais fechar os olhos.

A entrevista (leia-a na íntegra aqui) foi conduzida pelo Torturra, que aos poucos está virando o porta-voz desse tema, quando comentou, na Twitcam abaixo, a matéria do Fantástico em que Fernando Henrique falou de seu novo affair com a planta proibida em cadeia nacional.

E pra quem ainda não viu a matéria do Fantárdigo…

Marcha da Maconha em São Paulo: essa história só começou


Foto: Folha

Kassab, seu sem vergonha, o busão está mais caro que a maconha

Cheguei em cima da hora no debate de sábado lá no Sesc e o Mesac estava contando que havia pego o maior trânsito para chegar no local, enquanto a Daniela já havia ligado pra dizer que iria se atrasar, pois estava no meio de uma confusão na avenida Paulista. Era a Marcha da Maconha. Mas não dava pra ter noção que tinha sido assim:

Ricardo Galhardo, no Ig:

Um grupo de manifestantes foi negociar com a PM. O capitão Del Vecchio deu prazo de 10 minutos para que a pista fosse desobstruída mas três minutos depois ordenou uma nova carga da Tropa de Choque.

Até então não havia confronto. Os manifestantes continuavam marchando pacificamente pela avenida aos gritos de “eu sou maconheiro com muito orgulho, com muito amor“ ou “ão, ão, ão liberdade de expressão”. Quando os ataques da PM se intensificaram, já no final da avenida, perto da rua da Consolação, alguns responderam jogando garrafas de vidro. A reportagem contou três garrafas atiradas pelos manifestantes. Nenhum policial ficou ferido.

Bombas e tiros foram disparados contra quem estava nas calçadas. O repórter do iG foi ferido nas costas por estilhaço de uma bomba de efeito moral quando estava na calçada. O repórter Fabio Pagotto, do “Diário de S. Paulo”, foi atropelado pela moto do tenente Feitosa e agredido por outros policiais quando tentou reclamar. O tenente se desculpou dizendo que a moto da Polícia Militar estava sem freio.

Grupos conservadores
A tensão começou ainda na concentração. Enquanto os manifestantes pró-maconha se reuniam no vão livre do Masp, um grupo de 25 manifestantes pertencentes às organizações conservadoras União Conservadora Cristã, Resistência Nacionalista e Ultra Defesa esperavam do outro lado da avenida, na frente do Parque Trianon.

Eles foram revistados pela PM, que também checou os documentos para saber se algum deles tinha passagem pela polícia. Embora rejeitem os rótulos de skinheads ou neonazistas, quase todos tinham os cabelos raspados. Alguns exibiam tatuagens com suásticas, a cruz pátea (ou cruz de ferro) e outros símbolos nazistas como a caveira com ossos cruzados usada pela SS, a tropa de elite de Aldolph Hitler.

“Não somos skinheads nem neonazistas. Somos conservadores. Alguns tiveram experiências na juventude e por isso têm tatuagens mas começaram a estudar a teoria conservadora e evoluíram. Alguns são carecas porque praticam jiu-jitsu”, explicou Antonio Silva, da Resistência Nacionalista.

Quando mais de 700 manifestantes pró-maconha (segundo a PM, ou 1.500 segundo a organização) iniciaram o protesto, eles marcharam em fila até o vão livre do Masp e se posicionaram com cartazes contra as drogas.

Apesar das orientações de ambas as partes para que não houvesse confronto, foi uma questão de minutos até que integrantes dos dois grupos partissem para a provocação. A situação quase saiu de controle quando o vendedor Bruno Leonardo, vestindo terno preto e óculos escuros, chamou os conservadores de egoístas.

Os manifestantes anti-maconha começaram a gritar de forma ameaçadora “fora CQC”, confundindo o vendedor com os apresentadores do programa humorístico da Band.

“Não era o CQC? Putz! Que mancada”, admitiu Antonio Silva.

A situação se acalmou quando a marcha saiu pela avenida Paulista aos gritos de “ei, polícia, maconha é uma delícia” ou “onha, onha, onha, eu quero debater”, ou ainda “ei Plínio Salgado (líder integralista brasileiro morto em 1975) fume um baseado”.

Quando a Tropa de Choque partiu brandindo os cassetetes nos escudos no encalço dos manifestantes, os conservadores foram ao delírio gritando “fora maconheiro, fora maconheiro”.

Acionada por meio da assessoria de imprensa, a PM não respondeu por que a ação foi violenta, por que jornalistas foram agredidos e por que o tenente Feitosa usava uma moto sem freio.

Camilo, no Bate-Estaca:

Outro dia, ouvi uma tiazinha reclamando sobre a “inversão de valores” dos dias de hoje.

Bom, eu vou falar sobre uma inversão de valores de dar tontura. É uma cena que resume bem o que foi a tarde deste sábado (21) em São Paulo, quando a PM paulistana avançou com bombas, balas de borracha e cacetetes para cima dos manifestantes da Marcha da Maconha.

Pois enquanto a PM “cumpria seu dever”, agredindo fisicamente cidadãos que exerciam seu direito à expressão e manifestação, skineads neo-nazis aplaudiam a cena. Tipo torcida mesmo.

Não era para ser o contrário? Não era para o fascista, aquele que abomina a diversidade de opinião e a sociedade plural, ser não o perseguido pelo cassetete, porque também não queremos isso, mas aquele que vive envergonhado, cochichando suas ideias rasteiras pelos cantos escuros?

Mas não. No dia 21 de maio de 2011, em São Paulo, o fascista andou de cabeça erguida, peito cheio e muito à vontade, muito feliz com o que estava vendo.Não é o caso de entrar aqui no mérito da legalização, da descriminalização, do mal que a maconha pode fazer. Isso é assunto para outro (s) texto(s).

Porque na Marcha da Maconha, a maconha é só um detalhe. O que se pede é algo bem mais amplo e que afeta quem fuma e quem não fuma: liberade de escolha e de expressão.

Se o ex-presidente FHC (do mesmo partido do governador do Estado) pode participar de um filme que defende uma nova política para as drogas, por que os mais de mil participantes da marcha não podem sair na rua e também pedir mudança?

Doente está uma sociedade e um governo que impedem cidadãos de dizerem o que pensam em público. E impedem com truculência e agressão.

E linka o vídeo:

Meu olho está vermelho é de gás lacrimogênio”, diz o Sakamoto, que emenda o PS:

Ao trazer uma opinião dos organizadores da Marcha da Maconha nesta sexta, afirmei que a discussão não é apenas sobre como a sociedade encara o consumo de drogas tidas como ilícitas, mas também quais os limites para a liberdade de expressão. Pois não é compreensível que o Estado garanta a segurança de pessoas que protestem contra a sexualidade alheia e desça o cacete em quem defende um ponto de vista diferente sobre o consumo de maconha. Presenciando as cenas de hoje, acho que meu comentário foi bastante premonitório.

O Torturra separou umas fotos

E manda:

Eu arrisco dizer que havia duas mil pessoas marchando pela Paulista. A causa não era mais a legalização da maconha, exatamente. Era um protesto pelo direito de pedir a legalização da maconha. Uma planta de inequívocas propriedades medicinais, industriais e e dona de uma amistosa psicoatividade. Eis todo o problema. Psicoatividade. Que, para mim, mostra o que está por trás dessa tarde de sábado: consciência. E o que fazer para alterá-la. Aos fatos:

Análises médicas do gás lacrimogênio indicam que ele causa danos ao fígado e ao coração. Também é indutor de anomalias genéticas em células mamárias (aka câncer de mama). Quando metabolizado, o gás CS deixa traços de cianureto no corpo humano… coisas assim. Fatos que duvido que conste nas cartilhas de formação de um PM como o Cap. Del Vacchio (no mesmo sábado, 93 novos soldados ganharam seus espadins, gaba-se o único tweet do dia do @pmesp). Ou nos calhamaços dos exmos. juízes do TJ. Duvido que a toxidade do gás lacrimogênio conste no repertório do médico Geraldo Alckmin, hoje governador de São Paulo. Mas foi essa a substância que a Força sobre seu comando atirou, em pleno sábado de sol, em gente indefesa, pelas costas, por discordar de uma lei – o que apenas circulavam por São Paulo na hora errada.

A troco de que? O parecer do desembargador Teodomiro Mendes é claro: “o evento que se quer coibir não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha, presentes indícios de práticas delitivas no ato questionado, especialmente porque, por fim, favorecem a fomentação do tráfico ilícito de drogas (crime equiparado aos hediondos)”.

Sim, eu vi gente acendendo baseados na marcha. Imediatamente reprimidos pelos próprios participantes que, em grupo, falavam que “não era a hora”. Toda a argumentação que vi na Marcha é em torno de um debate de ideias que, invariavelmente, aponta para a extinção do tráfico (“equiparado aos crimes hediondos”) através do cultivo legal de canabis (equiparado à jardinagem).

Sim, eu vi gente sendo presa na marcha. Ninguém por porte de drogas. Apenas por distribuir um jornal, e debater ideias, chamado “O Anti-proibicionista”, feito pelo coletivo DAR. A polícia não deu satisfações aos jornalistas que questionavam o motivo da prisão. Tive uma escopeta (com balas de borracha, suponho) apontada para mim quando tentei me aproximar para fotografar um dos membros do coletivo indo em cana.

E o repórter da Folha apanhou da polícia. Pesado:

Diz a Falha de S. Paulo, do Lino:

Menos de 24 horas antes de seu começo ela foi proibida pela Justiça — o nobre magistrado entendeu que, se você quer discutir a lei, na verdade você faz apologia. A marcha estava pacífica. Mais: foi fechado um acordo com a polícia para que não fosse usada a palavra “maconha” e a passeata foi renomeada para passeata pela Liberdade de Expressão. “Eu estava lá quando esse acordo foi fechado, foi feita assembleia na frente de todo mundo. E tudo o que foi combinado com a polícia foi cumprido, mas de repente a Tropa de Choque chegou na avenida Paulista jogando bomba e gás lacrimogêneo”, conta à fAlha Alexandre Youssef, um dos amigos presente ao ato. “Não há justificativa alguma para o que a polícia fez. Não se pode impedir a discussão. Alguém tem que responder por isso”, comentou à fAlha o também amigo –e jornalista– Bruno Torturra.

E o Pedro Alexandre também esteve por lá:

Tudo são flashes na lembrança, mas o público a priori me pareceu diferente do da semana passada, bem ali do lado, na avenida Angélica, o churrascão a favor do metrô na “sofisticada” (e aparentemente pacata) Higienópolis. Parecia ter uma cor mais “roots” a passeata de hoje, não tenho certeza. Mas ela vinha estranhamente depressa, rápida demais.

De slogans de manifestação, só consegui ouvir um, bastante agressivo: “Ei, polícia! Maconha é uma delícia”. “Xi, estão belicosos”, pensei. Mas a explicação foi quase simultânea. A tropa de choque vinha no encalço da turma. Jogando bombas.

Vão falar que eram bombas de efeito moral, bombas que não matam ninguém, bombas que só fazem verter lágrimas amargas, bombas de licor narcótico permitido pela “lei”. Não importa. Tá, sou burguesinho aqui em São Paulo, mas nunca antes na história deste país (e deste Pedro) eu tinha ouvido uma bomba de gás lacrimogênio estourar do meu lado.

O efeito que teve, para mim, foi de uma BOMBA. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Depois da primeira bomba explosão que ouvi, lançada na Consolação ainda acima da Maceió, a turma começou a correr. A passeata virou São Silvestre, amarga São Silvestre.

A tropa de choque ultrapassou em um segundo o ponto onde eu estava, eles sabem perfeita e calculadamente dispersar uma multidão, se assim o quiserem. E eu continuei descendo a Consolação a pé. Até chegar na altura da rua Maria Antônia, ouvi no mínimo oito explosões de BOMBA. Tá, de gás para chorar, éter, lança-perfume, loló, droguinha legalizada pelo e para o poder público. Para mim eram BOMBAS. Cheguei a lacrimejar – mas essas lágrimas não foram nada perto das que já me tinham brotado nos olhos (e na esquina da Maceió), assim que comecei a entender o que estava acontecendo.

Será que essa história vai ficar por aí? Será que não era o caso de aproveitar toda aquela animação do #churrascãodiferenciado? Nem a novela nova do SBT sobre a ditadura conseguiu produzir imagens tão fortes quanto essas da polícia do Alckmin (mentira, o beijo da Vendramini foi altos)… Isso é só truculência, não dá pra ficar só assistindo.

Afinal de contas, a rua é de todo mundo.

"Play the Part"

O Torturra fez uma longa entrevista com o Amarante pra Trip (e botou fotos em seu Flickr). Nesse trecho ele fala do Los Hermanos:

Pergunto sobre isso porque já fui a shows do Los Hermanos e tinha hora que parecia o Menudo, gente se descabelando, um tipo de fã, ou fama, que vai além da mera exposição. Minha pergunta é: o fato de você ter visto isso acontecer mudou sua visão de como você entende a cabeça das pessoas?
[Pensativo] Eu não sei se mudou a forma como vejo o ser humano. Acho que, mais do que mudar a minha visão das pessoas, mudou a mim profundamente. Por causa da exposição. Você está aqui me entrevistando, e para mim é um exercício de expressão que tem a sua violência. Me obriga a ter clareza, a fazer algum sentido, me obriga a ser aberto, mas não ser bobo. O fato de ser famoso me fez aprender a lidar com isso, a saber no que acredito e no que eu não acredito. Essa é uma reação da interação que tenho com as pes soas, entendeu? Não posso acreditar quando um fã vem e diz que sou um gênio.

Mas isso mexe com o teu ego?
Claro! É isso que estou te dizendo, o campo de ação disso é o ego. Então o crescimento que eu tive é por causa dessa violência com o ego, de ter que me entender através disso, de acreditar ou não no que está sendo dito por mim e sobre mim. Na imprensa ou num adolescente que fala alguma coisa. Então é um filtro ou uma espécie de espelho, totalmente imprevisível e louco. Acho que tive a oportunidade de crescer com isso desde os 21, quando comecei a subir em um palco para pessoas que pagaram um ingresso para me ver tocar.

E os egos dentro da banda não entravam em conflito?
No Los Hermanos, isso foi uma coisa muito importante, a gente sempre teve uma postura entre nós muito franca e de questionamento de toda a estrutura do astro, da celebridade e de tudo isso. Sempre tivemos um pé atrás para observar essas coisas, dividir as nossas observações. Sem dúvida eu não estava sozinho nesse processo todo.

Era uma boa turma?
Era uma ótima turma! E essa postura veio logo por causa de a trajetória do primeiro single, “Anna Julia”, ter sido aquele sucesso todo, a gente teve um choque de exposição muito grande. Então foi bom porque, na primeira tateada, a gente falou: “Opa, peraí, talvez isso aqui seja mentira”. Quando alguém nos dizia: “Ó, se você não for nesse programa de televisão, sua carreira está acabada”. Ou então: “Pro pessoal de determinado canal, sabe como é, não pode dizer não”, esse tipo de coisa. E a gente começou a falar: “Será isso? Vamos ver se é verdade?”. E começou a experimentar, e viu o que era e o que não era real. Aí, da mesma forma, isso se refletiu na relação com as pessoas, com os fãs. Estar no Los Hermanos me deu um pé no chão.

E o que aconteceu com a banda? Foi uma separação tranqüila mesmo?
Foi. Porque, como eu falei, a gente sempre conversou. Quando a gente estava para fazer o quinto disco, não tinha repertório. O Marcelo [Camelo] e eu estávamos sem um grupo de canções que fosse substancial. No caso do Marcelo, eu sempre disse que ele tinha que fazer um disco sozinho, ele sempre teve várias músicas que não cabiam na banda, não combinavam com o formato, mas eram lindas. Só que ele nunca teve tempo, era sempre disco, turnê, disco, turnê, então vimos que era hora de fazer outras coisas.

Para quem estava de fora, foi estranho, pois foi não só repentino mas no meio de uma fase muito boa.
A gente tinha contrato para entregar um disco, uma turnê pra fazer, o lance da máquina. No sentido comercial não fazia sentido. Mas nunca foi por causa disso que a gente fez música. Sem tesão não há solução, já dizia Roberto Freire. Então foi por causa da música… a gente não queria enganar ninguém. Se fosse assim a gente faria mais um disco, ganharia mais uma grana. Pode funcionar para outras bandas, mas para a gente não. Ainda mais com os fãs que a gente tem, que são incríveis, que têm a maior dedicação, o maior carinho. A gente não quis fazer qualquer coisa.

E foi triste o último show?
Foi ótimo. Teve uma melancoliazinha, né? Uma estranheza de pensar: “Pô, a gente está aqui tocando e não sabe quando vai tocar de novo”. Mas é assim, cara, a vida é isso aí.

Mas tem mais aqui, ó. E aqui tem um videozinho com trechos de um show do Little Joy:

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