A espetacularização da violência e os novos carrascos da TV, por Bruno Paes Manso

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No Estadão, o Bruno nos convida para uma reflexão certeira sobre o estado a violência de entretenimento disfarçada de telejornalismo de programas vespertinos brasileiros. Um trecho:

Que fazer, então? O que deve e o que não deve ser publicado? Sim. A violência existe na sociedade e cabe ao jornalismo mostrar a realidade em que vivemos. Sim. Eu sou jornalista e escrevo sobre violência. Acredito no papel pedagógico de conhecermos bem a sociedade em que vivemos, principalmente seus conflitos e problemas. Só que há limites. Resta-nos discuti-los à luz do que se acredita ser jornalismo de qualidade.

Pode-se comparar o papel do jornal e do jornalista à dinâmica de uma sessão de terapia. Quando se está em crise, diante do psiquiatra, de nada adianta falar sobre suas qualidades. É preciso revelar podres, racionalizar sobre eles, para só assim conseguir superar os problemas. O mesmo ocorre na sociedade. Conflitos sociais devem ser descritos e investigados para que possamos seguir adiante. O jornalismo, nesse sentido, deve compreender esses dramas na busca do conhecimento da sociedade sobre a qual escreve.

Não é esse o objetivo dos programas vespertinos que mostram a violência de forma excessiva. Como são jornais que buscam acima de tudo audiência, eles acabam sendo forçados a dar o que o público quer – não o que o público precisa para compreender a sociedade em que vive.

Em vez de jornalismo, acabam proporcionando entretenimento ao público sedento de justiça. Desempenham o papel que antigamente era cumprido pelos enforcamentos em praça pública. Os apresentadores vociferam contra a impunidade, clamam pela punição exemplar do bandido, criticam as autoridades. Satisfazem o desejo mórbido de vingança ao mesmo tempo em que fazem seu público se identificar com os cidadãos direitos que se indignam junto com o apresentador.

Ver a violência na televisão, assistir aos crimes impunes, compartilhar a mesma situação de impotência com o apresentador, pedir com ele a morte do bandido, parece um exercício diário para suportar o cotidiano de uma cidade sem justiça. Em vez dos enforcamentos públicos e dos linchamentos, sobra para o apresentador de televisão satisfazer o desejo de vingança. Em substituição ao Poder Judiciário, que hoje, no Brasil, parece ter a eficiência daquele que existia em tempos medievais.

O texto inteiro segue aqui.

Racionais MCs e “Marighella”

O Bruno Paes Manso propõe uma leitura sobre uma das músicas novas dos Racionais:

Como se não houvesse muito mais a rimar e declamar, as músicas dos Racionais minguaram e nenhum álbum relevante foi lançado em dez anos. No mesmo período, as periferias foram dominadas pelo funk e pelo pancadão, celebrando o consumo e o prazer em excesso proporcionados pelo sexo casual e pelas drogas. Os anseios da geração de jovens das periferias ficaram mais próximos aos dos jovens da classe média paulistana.

O “sistema”, contudo, continuava a produzir camadas sociais que se movimentavam em sentidos opostos, como placas tectônicas na iminência de produzir terremotos. Brown, o cronista, estava atento e conseguiu compreender que era falsa a sensação de paz que a cidade experimentava. O subterrâneo se movimentava e a opção pelo crime crescia. Sem nenhuma gota de hipocrisia, neste ano descreveu em uma nova canção as sensações e o espírito dos jovens que ingressam e seguem a carreira criminal. Trata-se do rap Marighella, em homenagem ao guerrilheiro comunista, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Gravado em maio em uma ocupação no centro de São Paulo, o clipe de Mariguella é a metáfora de Brown para explicar o crime e o criminoso. Brown usa trechos do manifesto do guerrilheiro, transmitido em 1969, para convocar os operários e trabalhadores nas favelas a se armar e a aprender a atirar.

Na voz de Brown, não se trata de Marighela, “assaltante nato”, nem do comunismo, nem dos operários. Mas da revolta, da raiva contra o sistema, dos “correrias”, perseguidos e descriminados, mas com procedimento, devotos do ódio, protagonistas de uma vida sem sentido, que criam meios violentos para suportar a vida na sociedade violenta.

A íntegra do texto tá aqui. E eu filmei a faixa quando eles se apresentaram em abril no Sesc Pompéia, vê só: