Os 50 melhores discos de 2008: 28) Black Keys – Attack & Release

De quando é esse disco mesmo? Os Black Keys sempre caminharam para trás, enquanto toda dupla guitarra-bateria queria fugir de qualquer sonoridade retrô, Dan Auerbach e Patrick Carney apontavam cada vez mais para o passado – como se lamentassem que toda geração alt.country e pós-folk ignorasse a influência da eletricidade no espírito da música americana do século 20. Com a produção assinada por ninguém menos que Danger Mouse (que, a princípio, tinha convencido a dupla a compor um disco para o Ike Turner – e que depois da sua morte acabou se transformando no Attack & Release – valeu Danilo!), o quinto disco dos dois é de uma ignorância selvagem sequer referida pelo século 20. E assim o disco nos leva para ensaios do Experience de Jimi Hendrix, para jam sessions contínuas do Crazy Horse, para a Band com Dylan castigando seus ex-fãs ortodoxos, para a épica ausência de sutileza do Led Zeppelin ou um fim de tarde interminável com os Derek & the Dominos. Não deixe se enganar pelo hit “Strange Times” – a única concessão do disco para o mundo moderno (funciona tanto na pista quanto no GTA IV) -, Attack & Release é um disco de blues rock com cheiro de poeira e certa fumaça psicodélica no ar, o suficiente para embriagar o ambiente já tomado pela rispidez hipnótica da guitarra e pela selvageria lenta da bateria.

28) Black Keys – Attack & Release

Black Keys – “Strange Times”

Os 50 melhores discos de 2008: 29) João Brasil – Big Forbidden Dance

Ok, a fórmula é a mesma do Girl Talk, mas, começando pelo fato de João ser do Brasil, as coisas são bem diferentes. Pra começar, Big Forbidden Dance não é só uma reinvenção de uma carreira – e sim mais uma camada na obra de um artista que tem músicas batizadas de “Cobrinha Fanfarrona” ou “Mônica Waldvogel”, autor de um hit preciso (a indefectível “Baranga”, cujo clipe homenageia “Sultans of Swing” do Dire Straits) e parceiro de cariocas tão diferentes quanto Mr. Catra (“Pau Molão”) e De Leve (“Mamãe Virei Capitalista”). João Brasil chama-se João Brasil (não é nome artístico) e leva às últimas conseqüências o dúbio gosto que assola nossa nacionalidade. O que é brega e o que é fino para o brasileiro? Big Forbidden Dance, portanto, pode ser visto como um manifesto sobre o que é considerado de mau gosto pelo brasileiro (e inclusive nesse ponto não deixa de ser um disco essencialmente tropicalista) ao mesmo tempo em que uma apropriação carioca da metralhadora de mashups bolada por Greg Gills – a diferença aqui está, basicamente, na referência de bom/mau gosto. Boa parte do hip hop que toma conta dos dois discos do Girl Talk são o equivalente americano do pagode – que João substitui pelo funk carioca. E usando loops e loops de tambozão e atabaques eletrônicos, ele vai costurando hit atrás de hit, cutucando a nossa memória ao mesmo tempo em que força a dança. E tome “Feira de Acari” com “Ghostbusters”, Farofa Carioca com Faith No More, “Besame Mucho” com Grandmaster Flash, Lenny Kravitz com Iron Maiden, Digitalism com “Gimme More”, “Big in Japan” com Avril Lavigne, “Som de Preto” com Mallu Magalhães, RPM com LCD Soundsystem, Soup Dragons com “How We Do” (que mais na frente encontra o tema de Indiana Jones),”D.A.N.C.E.” com “Don’t Stop til You Get Enough” (ou melhor dizendo, o tema do Video Show). É como se perguntasse, entre dezenas de hits estrangeiros, o que diabo tem nesse país que consegue produzir Roberto Carlos, João Gilberto, Mutantes, Raul Seixas, Sepultura, Racionais, Cansei de Ser Sexy, Belo e o “Créu”?


29) João BrasilBig Forbidden Dance

As 50 melhores músicas de 2008: 28) Little Joy – "Brand New Start"

Dá pra sentir o fardo que o Los Hermanos vinha sendo nos ombros de Rodrigo Amarante no jeito que ele canta na primeira música que o Little Joy revelou ao mundo – ao mesmo tempo em que se inclina para trás, sua voz parece sair com um sorriso escancarado, acompanhado de uma guitarra posicionada entre o Havaí e alguma praia do sul da Bahia. De férias com uma banda californiana, ele parece está devolvendo para o mundo ensinamentos que aprendeu com Lulu Santos no Brasil: da tranqüilidade atmosférica ao calor tropical, passando pela métrica conversada, um refrão pra ser cantado em grupo ou a dois e melodias que grudam no cérebro como se viessem de fábrica.

28) Little Joy – “Brand New Start

As 50 melhores músicas de 2008: 29) Lykke Li – “I’m Good I’m Gone”

Estamos em um puteiro, num escritório gigantesco, no quarto de uma adolescente enfurecida com os pais ou num delírio melancólico de uma menina de 10 anos? “I’m Good I’m Gone” é tudo isso e mais. É uma espécie de “Like a Virgin” indie, engolindo as referências do pop feminino escapista do século e as transformando em suor febril, como se houvesse doses pesadas de ironia consciente em cada hit de Britney Spears ou Christina Aguillera. É também uma descida tão íngreme quanto o furacão que leva Dorothy a Oz ou o buraco em que Alice cai para sair no País das Maravilhas – com palmas, ecos, backing vocals, um piano fantasmagórico e a certeza que sai diretamente da inocência: “E se você diz que eu não estou OK, então devemos ir/ Se você diz que não tem jeito que eu possa saber/ Se você diz que eu miro muito alto daqui de baixo/ Bem, diga que não, porque quando eu for/ Você vai me chamar, mas eu não atenderei o telefone”. Lykke Li vai longe.

29) Lykke Li – “I’m Good I’m Gone

Os 50 melhores discos de 2008: 31) Department of Eagles – In Ear Park

Do you listen to your classical records any more?
Or do you let them sleep in their sleeves, where they be?
Do you suffer through those records that you turned around?
Or do you make them sleep in their sleeves where they weep?

Department of Eagles – “Classical Records”

Gigas de MP3 soltos, enchendo pastas e diretórios virtuais. Algum deles até formam discos, têm capas e seus autores são conhecidos por mais de 100 mil pessoas. Mas a vasta paisagem sonora de músicas produzidas em 2008 é composta por dezenas de milhares de artistas anônimos que não são conhecidos por mais que dez mil ouvintes – e a tendência é que isso se agrave e, em pouco tempo, estaremos, todos os seis bilhões de pessoas do mundo, fazendo música para dois ou três gatos pingados ouvirem. Isso é ruim? Não para mim – não é exagero pensar que mais música foi produzida na primeira década do século 21 do que em todo século 20 e não vejo como isso pode ser ruim. Existe, sim, outro problema com essa maçaroca de músicas mendigando três ou quatro megas de espaço no seu HD – a falta de ambição, de aspiração à grandiosidade, de disposição rumo a algo que vá ficar na história sem precisar, necessariamente, reinventar a roda ou criar um gênero tipo melancia-pendurada-no-pescoço-rock. A brusca mudança que aconteceu com o Department of Eagles pode dar um rumo para esse pop oba-oba dos anos 00. O projeto paralelo do carinha do Grizzly Bear (Daniel Rossen) era um laboratório de colagens de beats e samples quando foi criado, há cinco anos. Mas depois de tanto tempo marinando à espera, Rossen e seu compadre Fred Nicolaus transformaram o DoE em outra história. Em In Ear Park, sai o experimentalismo DIY eletrônico e em seu lugar entra a precisão para compor canções que pertencem a um cânone do século passado – quando a música feita para adolescentes começou a aspirar a eternidade. Estou falando de um material de composição que une autores como os Wings de Paul McCartney, Brian Wilson, Burt Bacharach, John Lennon, Randy Newman, Todd Rundgren, Harry Nilsson, Arnaldo Baptista, Alex Chilton, Andy Patridge, Steely Dan, Roxy Music, Joni Mitchell, Scott Walker, Raspberries e Traffic. Sim, músicas escritas ao piano, quase sempre cantando a infância e a inocência (o disco é dedicado ao pai de Rossen, que morreu no ano passado), que se alongam para além dos três minutos de duração e ultrapassam a estrutura estrofe-refrão-estrofe, sem cair no experimentalismo porraloca, em busca de uma narrativa (tanto lírica quanto musical) que equivalha a de um livro. Em alguns momentos (“Waves of Rye”, “Teenagers”, “Phantom Other”) o volume das guitarras aumenta para além do clima setentão, alinhando a dupla com o Mercury Rev e o Flaming Lips da virada do século, mas por quase todo In Ear Park o clima – cheio de violões dedilhados, banjos, teclados, cordas e percussão de orquestra (são tocadas ou sampleadas? Realmente não sei) e muito, muito piano – é bucólico e introspectivo, mesmo quando soa épico e se leva muito a sério. É, de longe, a melhor coisa que Rossen já fez na vida.

31) Department of Eagles – In Ear Park

Department of Eagles – “Teenagers

Os 50 melhores discos de 2008: 30) Cat Power – Jukebox

O disco de 2008 sela a reabilitação de Chan Marshall depois de começar a década com o pé na jaca. Deixando a marvada pinga de lado, ela refaz seu Covers Records, do ano 2000, à luz da nova sobriedade. Assim, se seu outro disco de versões começava impaciente com uma releitura quase exausta para “Satisfaction” dos Rolling Stones, Jukebox abre sorridente e relaxad e Chan recria o hino “New York” como se ele tivesse sido composto para a Band gravar. E com isso sai o fantasma do rock’n’roll para dar lugar ao espírito de gêneros musicais anteriores. E no lugar do rock surgem a soul music, o country, o blue e até o gospel (via Bob Dylan), que são hipnotizados pela deliciosa voz áspera e preguiçosa da senhorita. A temperatura é tão quente e confortável quanto o anterior The Greatest, mas Chan está tão à vontade ao microfone, que é possível ouvi-la esticar-se e reclinar-se (como na capa) a cada vogal esticada ou vocal solto no ar. Jukebox ainda conta com um irmão caçula – o EP Dark End of the Street – que, além da faixa-título, traz versões para Creedence Clearwater Revival, Otis Redding, Sandy Denny e Aretha Franklin, e complementa o disco lançado bem no começo de 2008 (e, por isso, esquecido por muitos) como um bis perfeito.

30) Cat Power – Jukebox

Cat Power – “New York

As 50 melhores músicas de 2008: 30) Passion Pit – “Sleepyhead”

O sample enganchado do começo e uma introdução à Dave Fridmann não nos preparam para as palmas que marcam o ritmo muito menos para os vocais esganiçados de Michael Angelakos. E pelo meio de “Sleepyhead”, percebe-se que o Passion Pit se encaixa perfeitamente na nova categoria criada pelo MGMT no ano passado – em que a psicodelia da pista de dança é traduzida para o século 21 sem perder seus ares essencialmente hippies. Mas o elemento bicho-grilo no caso não é o ripongo dos anos 60, mas o indie-kid fã de Scritti Pollitti e Prefab Sprout que, em algum momento dos anos 90, descobriu que, com uma guitarra e um sample, podia ser tão psicodélico quanto os Beatles ou o Pink Floyd de Syd Barrett. Primeiro single de uma banda ainda sem disco, “Sleepyhead” sofre do mesmo distúrbio bipolar que acomete a década – e é tão pueril e melancólica quanto assobiável e divertida. Uma jóia.


30) Passion Pit – “Sleepyhead

Os 50 melhores discos de 2008: 32) Portishead – Third

“Essa lição você tem que aprender: você só ganha o que você merece”, diz a voz em português no início do tão aguardado terceiro disco do Portishead, anunciando uma desoladora paisagem sonora: ribombo de percussão, cordas sintéticas, ruídos de guitarra – tudo cessa quando entra a voz de Beth Gibbons, dramática e chorosa. A atmosfera pós-punk, o ritmo tenso, a temperatura fria e a voz épica confirmam que estamos tanto em 2008 quanto no meio de um disco do Portishead. Mas onde estão as canções? Por mais que as texturas e camadas de som superpostas pela base instrumental da banda seja afiadíssima, a melodia se desfaz entre grunhidos elétricos, teclados “colocados”, ecos e efeitos barulhentos. Fora a belíssima “The Rip” (que lá pela metade perde toda sua beleza rumo a um arranjo minimalista e industrial sem vontade), todo o resto do disco subiria algumas posições caso fosse uma digressão instrumental, uma sinfonia de ambiências que teria parentesco tanto na música eletrônica erudita quanto no hip hop sem MC ou no pop com aspirações à seriedade. Mas sem a voz da banda para defender dramas e tragédias como se chorar fosse sinônimo de cantar e canções estruturadas tradicionalmente (estrofe, refrão, estrofe, etc.), o novo do Portishead soa como um tiro no escuro: plasticamente é lindo, mas tanto quem atira quanto quem ouviu o disparo não conseguem saber se algo foi atingido.

32) Portishead – Third

Portishead – “The Rip

As 50 melhores músicas de 2008: 31) Vampire Weekend – “Cape Cod Kwassa Kwassa”

Inevitável que o revival dos anos 80 saísse das bandas da trilha sonora da Sessão da Tarde e do Globo de Ouro para avançar para outros territórios – e 2008 viu o cenário pop revisitar seu apreço pelo continente negro, com todo aquela culpa pós-colonialista disfarçado de pena (seja em filmes, discos-tributo, gêneros musicais redescobertos ou na ascensão de Nollywood para o olho mundial). Revisitando os mesmos anos 80 habitados pelo “We Are the World”, pela world music do Sting, Paul Simon e Peter Gabriel e pelo Live Aid, essa (nova) pilhagem ocorreu mais no plano das idéias do que na vida real, embora juju music, highlife, kwaito e afrobeat ainda sejam o mesmo tipo de som (“música africana”) para a maioria das pessoas (como se a África fosse um só país… Alou Sarah Palin!), que também não se importam com o que acontece por lá. Um dos expoentes desta nova tendência, o grupo nova-iorquino Vampire Weekend seria só mais uma bandinha indie nova-iorquina tentando soar inglesa se não fosse essa queda pela música do Congo, daquela vaibe praieira que deu ao Caribe a essência de sua musicalidade e ritmo (a influência espanhola veio por cima, como cobertura e, em alguns casos, recheio). O hit “The Kids Don’t Stand a Chance” (pô, Bruno, achei o remix bonzão) funcionaria em qualquer época, mas tem tanto de apelo popular quanto não tem de criatividade ou originalidade. Se lançado nos anos 90, o disco homônimo de estréia do grupo cairia na vala comum da terceira onda do ska – mas provavelmente com um prefixo “alt.” na frente, pois eles não jogam pelo pop descarado, optando pelo indiesmo. Mas no meio da pasmaceira há uma pérola. “Cape Cod Kwassa Kwassa” é toda certinha: do suíngue à economia dos instrumentos, do baixo recolhido aos vibrafones, do riff curto e preciso aos acordes que desenham uma linha de baixo, da percussão que fica atravessada no refrão aos “uuuuuuuuuu” que o vocalista Ezra Koenig puxa lá pelo final. “Parece tão inatural/Peter Gabriel também”, canta a canção, auto-referente. Mas é o Peter Gabriel que parece tão não-natural ou o sentimento da música que soa tanto inatural quanto Peter Gabriel, transformando o ex-vocalista do Genesis num adjetivo. Aposto na segunda opcão, que torna a faixa ainda mais eficaz – e preciosa. Esqueça o resto do disco, você só precisa desses três minutos e meio.


31) Vampire Weekend – “Cape Cod Kwassa Kwassa

Os 50 melhores discos de 2008: 33) Girl Talk – Feed the Animals

Se o mashup é o gênero musical que melhor reflete a década (remixada, esquizofrênica, rock e dance ao mesmo tempo, infame e divertida), Girl Talk é o espelho que os 2ManyDJs haviam imaginado no ano 2000. Mas se o Night Ripper tinha sido um dos discos cruciais para entender 2006, neste ano Gregg Gills simplesmente fez um upgrade básico, sem propor nada propriamente novo. A impressionante montanha russa de samples ainda causa espanto e delírio ao mesmo tempo em que é impossível acompanhá-la de forma racional – esqueça quem está cantando o que, deixe-se levar pelo convite de ouvir boa parte da produção pop do final do século 20 num flashback no liquificador, que não tritura as diferentes partes dos singles usados transformando-os em uma maçaroca de som – e sim os derrete com gosto e pulso firme, deixando todos os temperos usados facilmente reconhecível. Feed the Animals ainda se deu ao luxo de desafiar abertamente os detentores dos direitos autorais usados – se o primeiro disco teve uma prensagem mínima e foi mais distribuído em formas não tradicionais de divulgação oficial (como sites de compartilhamento e redes P2P), o Girl Talk em 2008 tinha endereço virtual para ser encontrado e quem quisesse ainda podia pagar por sua obra, como o Radiohead havia cogitado em 2007. Mas mesmo repetindo a própria fórmula, Gills ainda conseguiu fazer um discaço – tão bom quanto importante. Agora é torcer para ele se reinventar – porque ele sabe que essa é a regra.

33) Girl Talk – Feed the Animals

Girl Talk – “Give Me a Beat