Sobre a importância de Kid Vinil

, por Alexandre Matias

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Escrevi sobre a importância do mestre que acaba de nos deixar lá no meu blog no UOL.

Todo mundo se lembra de “Eu Sou Boy”, talvez o grande hit new wave brasileiro, sem dúvida o grande hit da new wave paulista. Uma geração lembra de vê-lo apresentando bandas novas que não tocavam no rádio ao vivo em diferentes programas da TV Cultura, outra lembra de vê-lo apresentando clipes de bandas que não tocavam no rádio na MTV. Poucos o conheceram como um dos primeiros punks do Brasil, que reuniu os codinomes de dois dos DJs que discotecavam antes dos shows do Clash para eternizar uma persona que, meio nerd, meio rocker, carregava a cultura da música em seu próprio nome. Mas quem o conheceu sabe o quanto Kid Vinil, que morreu nesta sexta-feira, foi memorável – e crucial para alimentar gerações de fãs de música numa época em que era difícil descobrir qualquer outro tipo de música que não tocasse no rádio.

Para a geração que nasceu com a internet à mão, aplicativos de streaming, torrents de discografias, megastores, lojas especializadas e música digital, os tempos pré-digitais eram uma espécie de Idade Média cultural, especificamente no Brasil. Os poucos sortudos que conseguiam sair do país traziam na bagagem de volta discos que nunca foram vistos na América do Sul, testemunhos de shows de artistas que nunca tocariam – nem tocaram – sequer no rádio brasileiro. Uma época em que música estrangeira era vista como alienante, imperialista e descartável que atrasou a evolução musical brasileira deixando a programação musical do país na mão de poucas gravadoras, rádios e emissoras de TV.

Kid Vinil furava este bloqueio. Era um Napster humano, trazendo notícias do front da cultura pop para um país isolado culturalmente do resto do mundo. Radialista, DJ, jornalista, crítico musical, apresentador, curador, programador musical – o velho Antônio Carlos Senefonte sempre buscava uma brecha para mostrar novidades que ele sempre trazia em primeira mão. Se não eram discos, eram as canções, se não eram as canções, eram as histórias, se não eram as histórias, as ideias. Ele é um dos personagens centrais na história do punk brasileiro e também uma das forças por trás do novíssimo rock que surgiu por aqui durante os anos 80 – quando não era apenas agente, mas protagonista. Liderando o grupo Magazine, ele furou o bloqueio do rádio para falar da vida estressante em São Paulo com os hits “Eu Sou Boy” e “Tic-Tic Nervoso”, além de ter uma música (escrita por Caetano Veloso!) na abertura de uma novela da Globo.

Passados os anos 80, ele entrou nos anos 90 disposto a desbravar a fronteira do rock alternativo e aos poucos cruzava o Brasil para espalhar novidades. Espertamente usava programas de rádio e de TV para mostrar que era possível viver de música longe dos rádios e das TVs, mostrando como funcionavam as coisas na Europa e nos Estados Unidos e traçando paralelos com a novíssima cena indie no Brasil. Na década seguinte foi diretor de lançamentos internacionais da gravadora Trama e seguiu traçando pontes entre a gravadora brasileira e tradicionais selos alternativos estrangeiros.

O conheci pessoalmente quando ele apresentava o programa Lado B, da MTV, logo após a fase clássica do programa, liderada por Fabio Massari. Kid – escudado do guitarrista do Pin Ups, então diretor na MTV Brasil, José Antonio Algodoal – mudou o foco do programa para dar mais atenção às bandas brasileiras que comiam pelas beiradas. Já o conhecia sem conhecê-lo – sua personalidade midiática era uma versão idêntica à sua identidade pessoal. Uma enciclopédia musical, um poço de saber, mas, principalmente, um coração incrível, uma dessas raras pessoas que conectam-se facilmente com todos.

Kid nunca era a alma da festa nem o centro das atenções, preferia ficar no canto, puxando papo para conversar sobre discos, artistas e, claro, sobre a vida. Isso só mudava quando ia para o palco e se esbaldava ao brincar com essa possibilidade que, no fundo, sabíamos que era real: ele era o protagonista de uma história subterrânea que só brincava com os holofotes para sentir o gostinho de estar lá. Como ficou eternizado no título de uma de suas bandas e em sua própria biografia, ele era um herói do Brasil. De um Brasil moderno, plural e musical, que fugia dos centro para valorizar uma cultural essencialmente marginal. Deixa um legado e uma saudade tão grandes quanto sua coleção de discos.

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