Room 237: Quantas teorias cabem em O Iluminado, do Kubrick?

, por Alexandre Matias

room-237-aled-lewis

O Iluminado, de Stanley Kubrick, não é um filme de terror inspirado num livro de Stephen King. Você cresceu assistindo ao filme assim e lendo sobre como Kubrick distorceu a narrativa d’O Iluminado original para atender suas exigências autorais – típico de Kubrick, como ele havia feito antes com livros que já haviam sido considerado clássicos antes do diretor consagrá-los no cinema, como Lolita, o Red Alert que inspirou Dr. Fantástico, o conto que deu origem a 2001 e Laranja Mecânica, todos deformados para se encaixar na visão megalomaníaca do maior artista audiovisual da história, com ou sem o aval de seus autores originais (como Nabokov ou Burgess). Mas há muito mais em O Iluminado que uma mera adaptação autoral de um best-seller de terror.

O nível de interpretações em aberto no filme inclui camadas e camadas de narrativas que podem ser verdade ou não. É um filme sobre o massacre indígena nos Estados Unidos. É uma metáfora visual para o Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial. É um pedido de desculpas do próprio Kubrick por ter ajudado a Nasa a fingir o pouso do homem na Lua. Uma crítica à própria falta de criatividade. Uma analogia sobre as mudanças no sistema financeiro global. Que seria um espelho de outra obra-prima de Kubrick, 2001. Os erros de continuidade parecem propositais, os cenários são impossíveis em termos espaciais, os personagens flutuam entre as mudanças de cena e de locação, ângulos diferentes confundem o espectador a cada nova visita ao filme. E eis o grande labirinto do filme: ao proporcionar diferentes leituras, ele mostra-se o mais intrincado quebra-cabeças que Kubrick pode ter deixado para a posteridade – ou ao menos a bula para a leitura transversal de diferentes significados de seus filmes épicos.

E de todos eles, O Iluminado tem um sabor mais pessoal. Seus grandes filmes são distantes da rotina do cidadão comum e falam da conquista do espaço, de um futuro ultraviolento, de guerras ou cenários épicos fora do alcance de pessoas ordinárias. Dos filmes de Kubrick, apenas Lolita e O Iluminado conversam com o público diretamente, colocando-o em situações estranhas no meio de uma rotina sem graça, subvertendo expectativas e causando um deslocamento psicológico que convida à loucura. Em O Iluminado essas qualidades são levadas ao extremo em um imaginário fantástico e assustador, de corredores cheios de sangue, pessoas mortas que conversam com pessoas vivas e o fatídico quarto 237.

escrevi sobre o Quarto 237, o documentário de Rodney Ascher sobre as diferentes leituras sobre o filme de 1980 que, por si só, requer uma série de releituras. O nível de preciosismo e paranóia é tamanho que, em dado momento, alguns dos entrevistados cogitam assistir o filme de trás para frente superposto sobre o filme no andamento original, só para ver o que acontece. Supõe-se que Kubrick não mediu seu próprio filme neste nível de escrutínio (será?), o que abre a possibilidade da maioria das interpretações possíveis terem saído da cabeça de quem assiste (o que não as invalida, embora as diminua). Mas não custa ouvir o produtor do filme e cunhado de Kubrick, Jan Harlan, entrevistado pelo Guardian na matéria sobre o documentário lançado no ano passado:

“Ele não iria querer um filme de horror direto. Ele queria mais ambiguidade. Se ele fizesse um filme sobre fantasmas, ele seria fantasmagórico do início ao fim. O set foi deliberadamente construído fora do padrão e das normas, de formas que aquele enorme salão de bailes nunca coubesse dentro do hotel. O público é deliberadamente enganado para não saber onde está indo. Muitos dizem que O Iluminado não faz sentido. Bem posto! É um filme sobre fantasmas. Não é para fazer sentido.”

Hmmmmm….

(O poster do filme é assinado pelo designer Aled Lewis.)