Radiola Urbana em 1973

, por Alexandre Matias

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Karina Buhr tocando o primeiro disco dos Secos & Molhados, Cidadão instigado relendo a íntegra do Dark Side of The Moon do Pink Floyd, Céu visitando Catch a Fire do Bob Marley & The Wailers e Fred Zeroquatro apresentando a clássica estréia em disco de Nelson Cavaquinho. É um pequeno festival dos sonhos, mas não é tão sonho assim, pois irá acontecer: a nova encarnação do projeto 72 Rotações, realizado no ano passado pelos compadres do Radiola Urbana, ganha uma versão 2013 e mais uma vez o palco do Sesc Santana recebe nomes da nova música brasileira reinterpretando clássicos com 40 anos de idade, no final de setembro. Os shows do evento 73 Rotações acontecem entre os dias 26 a 29 do mês que vem, sempre às 21h (à exceção do último show, no domingo, às 18h), e conversei com os compadres Ramiro Zwetsch e com o Filipe Luna, capitães tanto do Radiola Urbana quanto do festival, sobre o evento que já pode ser considerado histórico. A entrevista segue abaixo:

O projeto 73 eh descendente direto do de 72. Queria que vcs contassem como foi o primeiro festival, por que escolheram o ano de 1972, como escolheram os artistas que fizeram os shows e o que sobrou de legado desse evento.
Ramiro – A ideia surgiu a partir de duas inspirações no fim de 2011. A primeira foi um CD encartado na Mojo, Stick Soul Fingers, com versões de artistas de soul, como Sharon Jones, Lee Fields, Sugarman 3, etc., para as faixas do Stick Fingers, dos Rolling Stones, que completava quatro décadas. Pensamos: “Que puta ideia, podíamos fazer algo parecido com algum disco foda brasileiro que complete 40 anos em 2012” e logo lembramos no Transa. Diante da complexidade burocrática em organizar a gravação de um CD e de uma abertura que tínhamos junto à diretoria do CCJ, adaptamos a ideia para a série de cinco show inicial.
Um outro estalo inspirador foi o projeto Goma-Laca, curadoria do Ronaldo Evangelista e da Biancamaria Binazzi, que levou o Sambanzo a tocar faixas do acervo de 78 Rotações da discoteca do Centro Cultural São Paulo. Foi um show muito foda, que me fez acreditar no potencial desse projeto de “releituras”, na falta de uma palavra melhor – os artistas curtem entrar nessa onda, se empolgam, ficam pirando no universo da obra a ser visitada.
Filipe – Quando a gente começou a listar os álbuns, percebemos que tínhamos pelo menos uns 20 títulos que tinham sido fundamentais pra carreira de um artista ou pra um gênero. Primeiro, através, de uma parceria com o CCJ, a gente fez uma seleção de cinco discos e escolhemos os artistas pra fazer os shows: Bruno Morais fez Sonhos e Memórias, de Erasmo; Romulo Fróes fez Transa; Rockers Control e Curumin fizeram a trilha de The Harder They Come, que tinha Jimmy Cliff, Toots and The Maytals, Desmond Dekker, entre outros; Assembléia Rítmica de Pinheiros fez Mulatu of Ethiopia, de Mulatu Astatke; e Rodrigo Campos fez Superfly, de Curtis Mayfield. A gente sempre pensou em artistas contemporâneos que teriam uma ligação com o trabalho a ser relido, pessoas que pudessem reproduzir com fidelidade ou virar do avesso o trabalho e aí cada artista escolheu livremente o rumo que iria tomar. Depois, através do Romulo, veio a possibilidade de expandir essa ideia em 8 shows no Sesc Santana – e aí ele foi batizado de 72 rotações – no CCJ era Radiola Urbana 1972. Incorporamos mais 5 discos – Ben, de Jorge Ben por Leo Cavalcanti; Expresso 2222, de Gilberto Gil, por Felipe Cordeiro; On the Corner, de Miles Davis, por Guizado; Harvest, de Neil Young, por Cyda Moreira e Helio Flanders; e Still Bill, de Bill Withers, por Curumin – e eliminamos dois do projeto no CCJ – The Harder They Come e Superfly. Como legado, ficaram os podcasts em que falamos dos discos que resultaram em shows e de outros discos do mesmo ano que ficaram de fora da curadoria. Também filmamos as apresentações e o plano é colocar uma música de cada show no YouTube no próximo mês.
Ramiro – O 72 foi uma realização pra nós. Acho que como boa parte dos jornalistas da nossa geração, eu ando em crise com a profissão, então foi bom abrir uma portinha nova e estimular músicos que admiramos a encarar repertórios diferentes. A gente se emocionou em ouvir discos que cultuamos pacas serem tocados de forma respeitosa, como Still Bill – adaptado por Curumin – ou Sonhos e Memórias 1941 – 1972 – por Bruno Morais -, tanto quanto ver obras definitivas serem viradas do avesso, como aconteceu por exemplo com Transa – Romulo Fróes – e Mulatu of Ethiopia – Assembleia Rítmica de Pinheiros.
Como escolhemos cada artista? Cada um tem uma história, né? Sempre soube, por exemplo, do amor do Romulo pelo Transa, do Curumin pelo Still Bill, do Guizado pelo On The Corner. O Superfly foi citado pelo Rodrigo Campos como referência do Bahia Fantástica e bateu aquele grande “WOW!”. O Leo Cavalcanti nos procurou a fim de fazer o Ben. O Romulo soube do Felipe Cordeiro que ele pirava no Expresso 2222. Para o Mulatu of Ethiopia pensamos que tinha de ser alguém com potencial para encarar aquele universo com repertório pra mexer naquelas estruturas e veio o Takara à mente – que, da parte dele, quis fazer com a Assembleia Rítmica de Pinheiros.

O sucesso do primeiro evento fez vocês pensarem num segundo: mas de cara era sobre 1973? Por que irem para o ano seguinte e não continuar em 72 ou ir para outras décadas?
Filipe – A princípio é uma sequência lógica pela efeméride dos 40 anos, mas é também uma forma de revisitar uma época que não se limita há apenas um ano. De alguma forma, esse período entre 1967 – com o lançamento de Sgt. Peppers – e meados da década de 70 é a maturação do formato de álbum, criativa e comercialmente. É nessa época em que os primeiros grandes discos que mudaram a música são lançados. Logo, embora 1972 seja um ano realmente incrível, esse momento se estende através da década. Parece natural continuar essa pesquisa pelo ano seguinte. Eu brinco que a gente deveria parar no 78 rotações, mas não sabemos realmente ainda. Só sei que 1974 também é um ano bastante interessante para ser revisitado. Ah, além de tudo isso que eu disse, o Sesc nos procurou no começo do ano já querendo falar sobre o 73 rotações, então juntou a nossa vontade com a deles.

Que mais tem o projeto 73 além dos shows? Vi que vocês estão fazendo podcasts
Ramiro – São os podcasts e os shows, por enquanto. Os shows do 72 Rotações foram todos filmados com 3 câmeras – e para isso investimos praticamente TODA A GRANA de curadoria, somando CCJ e Sesc Santana – mas a correria dos nossos empregos – continuamos ambos no Metrópolis, na TV Cultura – e a falta de grana dificultou que levássemos isso adiante. A ideia inicial era editar todos os shows na íntegra e jogar tudo no youtube. Ilusão. Agora estamos tentando editar pelo menos uma música de cada show para divulgar em setembro, antes dos shows do 73 Rotações. Adelante! Os podcasts já rolaram no ano passado e a ideia é falar de outros discos do ano, além daqueles que vão para o palco, para esboçar um panorama.
Filipe – O apoio principal são os podcasts. É onde podemos comentar e chamar convidados para destrinchar os outros álbuns que ficaram de fora da seleção. Além dos próprios intérpretes da edição deste ano – Céu, Karina Buhr, Cidadão Instigado e Fred 04 -, convidamos também outros músicos para conversar sobre esses álbuns: Thiago França, Curumin, Chico Pinheiro e Helio Flanders. Um dos muitos prazeres de fazer esse projeto é gravar esses podcasts porque os convidados costumam dar espetáculo quando colocam a perspectiva deles sobre aquele trabalho, justamente porque mistura a perspectiva do fã com a do artista. Vale a pena gastar um tempo ouvindo, na minha pouco modesta opinião.

Foi fácil escolher quem vai tocar qual disco? Qual banda ou disco que vocês queriam muito e ficou de fora? Qual o show 1973 dos sonhos que não aconteceu? Teve artista que brigou por um ou outro disco? Vocês indicam os discos que cada um deve gravar ou a sugestão é mútua?
Ramiro – Não foi exatamente fácil, mas foi extremamente divertido. O Sesc, neste ano, estabeleceu dois critérios: a) que o disco seja indicustivelmente um divisor de águas dentro de um determinado gênero; b) desconsiderar discos de artistas brasileiros vivos pois o próprio Sesc poderia convidar esta figura para fazer o show com este repertório. O primeiro critério – que embora eu concorde e reconheça que ajudou a fazer filtro, eu considero subjetivo pacas – eliminou dois shows que gostaríamos MUITO que acontecessem: Thiago França x Space is the Place, do Sun Ra, e Chico Pinheiro x Matita Perê, do Tom Jobim. Ambos participaram de podcasts sobre estas obras e ouvindo percebe-se que os caras levariam a missão super a sério. Já estão no ar, confere lá. Pena. O segundo tirou o Pérola Negra do projeto, tínhamos pensado na Juçara Marçal e / ou no Isca de Polícia – imagina! Não houve “briga” por nenhum disco. O Thiagonos procurou a fim de fazer o Space is the Place – e essa está guardada na manga para 2014, ano do centenário do Sun Ra! A ideia da Céu veio quase junto com a ideia de incluir o Catch a Fire: a música jamaicana talvez seja o elemento de ligação entre seus três distintos discos e já tinha gravado belamente “Concrete Jungle” no seu primeirão. No caso do Dark Side of the Moon, não conseguimos imaginar outra banda que não o Cidadão e – embora eu não tenha visto o show – lembro da boa repercussão daquele show do Instituto, com formação que incluía 3 ou 4 integrantes do Cidadão, com repertório do Pink Floyd – bem falado, lembro bem, inclusive no Trabalho Sujo. Para o Secos pensamos que seria importante alguém que afastasse de cara a comparação com o Ney Matogrosso e temos a impressão que a Karina Buhr é essa a artista, com o elemento da performance bem latente e com um estilo vocal que vai por um outro caminho. E o Fred a gente imaginou que seria legal por conta do Nelson Cavaquinho ter um elemento transgressor no seu samba – toca violão e canta de um jeito bem longe do “erudito”- e samba e transgressão são duas coisas que convivem muito bem nos melhores momentos do Mundo Livre.
Filipe – Todos os artistas que vão se apresentar foram nossas primeiras opções para interpretar aqueles discos. Isso foi uma coisa muito boa. Este ano, a gente indicou todos e a resposta foi excelente dos artistas. No ano passado, várias escolhas surgiram da gente saber que um disco tinha sido muito influente para um trabalho recente do artista, ou que era um dos preferidos dele; ou até mesmo casos em que o artista chegou até nós pedindo pra fazer um disco. Normalmente, a sugestão parte da gente, mas sempre deixamos aberto para a conversa.

O que vai acontecer depois do festival? Vocês estão filmando, gravando os shows?
Ramiro – Estamos contando com a TV Sesc para gravar os shows. Esperamos muito que role mesmo e há de rolar.

E ano que vem podemos esperar 1974?
Ramiro – Vontade a gente tem. Vou adiantar aqui um desejo muito particular: Juçara Marçal x They Say I Am Different, da Betty Davis. Já pensou? Podemos também voltar a 1964, ano de A Love Supreme, do John Coltrane, outro disco que o senhor Thiago França já manifestou desejo de fazer. Já pensou?
Filipe – Eu não vejo a hora de pensar em alguém pra fazer Tábua de Esmeralda, de Jorge Ben. Até pra ver se ele se empolga e faz aquele show que prometeu e ficou no vácuo. Ainda não pensamos em nada disso a sério mesmo, mas eu sei que Ramiro já sabe quem vai fazer Cantar, da Gal desde a primeira vez que a gente conversou sobre o assunto, ainda na época do 1972.

Fora isso, como anda a Radiola Urbana? O que mais vocês têm feito?
Ramiro – A Radiola vive, há anos, a crise dos projetos independentes: difícil se dedicar sem ter retorno de grana. O Rotações (72, 73…) é a grande jogada nossa atualmente, fora o site, que tá rolando, devagar e sempre. Pessoalmente, tô tocando a festa Safári – com MZK, uma vez por mês, no Boteco Pratododia – e a Festa Fela – anual, perto do Fela Day, para não me afastar da bandeira que o site sempre carregou, a “do afrobeat” – embora eu mesmo já me sinta um pouco desconfortável com essa coisa “monotemática”: em 2004, quanto a Radiola surgiu, o afrobeat não era tão difundido por aqui como é hoje e, óbvio, eu gosto tanto de Clash e Gal quanto de Fela. Mas são coisas minhas, que eu uso a Radiola pra promover, mas já não coisas do, digamos, “coletivo”. O “coletivo”, aliás, acho que nem rola mais. Continuamos pensando em coisas juntos (eu, Vini, Filipe, Alê, Pedro e, CLARO, a Lígia), mas aquele “sonho” meio que acabou, hehehe. Sem crise.
Filipe – Esse é o projeto que está dominando o conteúdo da Radiola no momento. O site está ativo ainda, mas com um ritmo mais lento no conteúdo de texto. Agora, os podcasts e mixtapes continuam em plena atividade. Acho que cada vez mais a gente está priorizando a primeira vocação do nome. Temos outros projetos na gaveta esperando a oportunidade pra sair, um deles é o programa de TV sobre lojas de vinil. Eu ainda não perdi as esperanças de fazer isso acontecer.

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