A presença de Anitta em 2017

, por Alexandre Matias

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Escrevi no meu blog no UOL sobre como o Rock in Rio erra duas vezes ao esnobar Anitta, o maior fenômeno pop brasileiro de 2017.

A notícia do cancelamento do show de Lady Gaga no Rock in Rio, que começa nessa sexta-feira, literalmente na véspera foi o maior balde de água fria que o evento poderia receber. Para os fãs ela veio em dose dupla, que não só não iriam ver sua musa de perto como frustraram-se ao descobrir que o festival a havia trocado por uma nova apresentação do grupo californiano Maroon 5, que tocará no sábado. A distância estética entre as duas atrações é compatível com a dos brasileiros que abrem os shows no palco mundo do dia – foi como trocar um show da Ivete Sangalo por um show do Skank.

Ao mesmo tempo surgiu-se o questionamento sobre Anitta. Principal artista pop brasileira de 2017, Anitta encaixaria-se perfeitamente no recorte estético do público de Lady Gaga e compensaria de alguma forma a ausência da diva dance nova-iorquina. Mas fora toda a questão contratual, logística e financeira, além da correria em acertar agendas, a substituição de Lady Gaga por Anitta nunca aconteceria, mesmo que a brasileira não fosse a principal atração do dia (outra questão que o Rock in Rio precisa superar – assumir um headliner brasileiro ou pelo menos um dia inteiro dedicado à nossa música). Porque o Rock in Rio esnoba Anitta.

E isso é um erro.

Ok, já amadurecemos e saímos daquela fase que deveria ter sido ultrapassada ainda nos anos 90, quando as pessoas reclamavam que “Rock in Rio não tem rock” ao vociferar contra shows de Prince, George Michael, Britney Spears e Justin Timberlake. Desde o início o festival usa o nome do gênero como um atrativo que remete mais à “atitude” do que propriamente à música. A primeira edição, em 1985, teve shows de George Benson, Al Jarreau, Ivan Lins e James Taylor e a presença de brasileiros como Elba Ramalho, Moraes Moreira e Alceu Valença ampliavam os horizontes do festival para longe. E um de seus principais carros-chefe sempre foi a música pop.

E nenhum artista brasileiro é mais pop do que Anitta em 2017. Ela ultrapassou barreiras e mudou completamente a forma como se divulga um trabalho e se molda uma personalidade global, completamente afinada com as transformações do mercado da música digital. Começou o ano emplacando duas colaborações distintas – a primeira (“Loka”) com a dupla Simone & Simaria e a segunda (“Você Partiu Meu Coração”) com Nego do Borel e Wesley Safadão – e em menos de um mês, entre maio e junho, emplacou três hits um atrás do outro: “Switch”, com a rapper australiana Iggy Azalea; “Paradinha”, em espanhol; e “Sua Cara”, ao lado do grupo norte-americano Major Lazer e da drag brasileira Pabllo Vittar. No início deste mês ela lançou seu primeiro single em inglês, “Will I See You”, ao lado do produtor norte-americano Poo Bear.

O único brasileiro a ir tão longe no pop mundial foi Tom Jobim, ao transformar sua “Garota de Ipanema” em um dos maiores hits da história. Mas fora ele e outros luminares da bossa nova (João Gilberto, Marcos Valle, Sérgio Mendes), Anitta já ultrapassou outras histórias de brasileiros que fizeram sucesso no exterior, como o grupo punk Cólera, o Sepultura ou o Cansei de Ser Sexy. E a impressão é que ela está só começando…

Por isso o Rock in Rio erra ao não escalá-la para a edição deste ano. É um descompasso com a realidade da música brasileira, principalmente quando o próprio festival lança uma perspectiva global sobre si. Um show de Anitta no Rock in Rio seria uma vitrine enorme tanto para a artista quanto para o festival, algo parecido com o que poderia ter sido o show de Sandy e Júnior no Rock in Rio de 2001 (mas que ficou parecendo um musical da Globo com pouco orçamento).

A própria Anitta acha que é preconceito, não apenas com ela, mas com o funk, a cena musical de onde ela veio. Por mais que soe internacional nestes últimos singles, sua matriz é a do funk do Rio de Janeiro e ela não só não renega como ostenta, orgulhosa: “Se eu uso as artimanhas do funk pra fazer o meu show mais divertido, não tem como eu dizer que eu não sou do funk. Eu sou, assumo e tenho o maior orgulho, mas acredito sim que eu tô fazendo outros ritmos, não só o funk”, disse em entrevista à Veja São Paulo, concluindo: “Não gosta, não contrata”.

O empresário Roberto Medina, criador do Rock in Rio, foi confrontado com a situação e saiu-se de forma movediça ao ser confrontado com o tema em entrevista ao jornal Folha de São Paulo: “Não tenho afinidade com a música dela, não achei que encaixava, mas ela está indo para um caminho pop que a aproxima mais do Rock in Rio, como a própria Ivete (Sangalo) entrou nesse caminho. Não tenho nada contra, estou conversando com ela. Almocei com ela outro dia e fiquei impressionado. Ela é uma empresária, tem uma visão de marketing.” Mas não sem antes escorregar na saída: “Estou trabalhando uma ideia de fabricar uma favela dentro do próximo festival. Colorida, mais bonita, mais romântica, para ter a música da favela, fazer uma seleção (de artistas) nelas, empolgar o pessoal de lá. Trazer os botequins também”, não sem antes arrematar que “a música da favela está sendo consumida pela elite”.

O ato falho parece indicar que o problema em relação à música de Anitta não é apenas musical – e sim social. Favela colorida e romântica? Isso é um autoengano. Ao isolar seu pop de shopping center num parque temático musical nos confins do Rio de Janeiro, o Rock in Rio finge que a verdadeira música pop brasileira (que inclui não apenas o funk, mas o sertanejo e inúmeros outros gêneros e subgêneros populares) não existe pelo simples fato de não estar dentro de seu condomínio fechado. Essa separação é parente do preconceito que tenta vilanizar um gênero musical com decretos de lei, algo que já vimos acontecer no Brasil há cem anos com ninguém menos que o samba, que hoje é o grande gênero musical popular do país. Sempre que alguém fala que “isso não é música” (seja samba, rock, rap, reggae, funk) pode ter certeza que, sim, é música e, não, o problema não é a música – e sim quem canta e quem dança.

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