Emicida na Virada: “Não existe amor em SP? Existe pra caralho”

emicida-virada

Emicida e banda subiram de branco ao palco Júlio Prestes da Virada Cultural neste fim de semana pra celebrar a tolerância religiosa, mas o rapper aproveitou pra dar o seu recado sobre as várias tensões que esticam-se sobre o Brasil atualmente. O Pedro Alexandre filmou e transcreveu, reproduzo abaixo (e vale ler seu relato completo lá no Farofa-fá, em que ele aprofunda-se nesta questão e em outras):

“E aí vira o quê? Os com-diploma versus os consciência. A Fundação é tudo, menos Casa, prum interno. É mó boi odiar o diabo, eu quero ver cê se ver lá no inferno. Não existe amor em SP? Existe pra caralho. Cês acham que as Mães de Maio chora por quê? Tendo que sobreviver ao pai que abusa, ao ferro sob a blusa, às farda que mata nós e nunca fica reclusa, ao Estado que te usa, ao padrão de beleza musa e aos otário que inda quer vim me falar de racismo ao contrário. Tempo doido, tempo doido, a espinha gela, onde as mulher é estuprada e no final a culpa ainda é delas. O problema é seu e da sua dor. Às vez eu me sinto inútil aqui, que eu não valho nada, igual o governo tem tratado os professor. Mas presses bunda mole aí que acha que nós tá dormindo, um aviso: não é porque nós tá sonhando que nós tá dormindo, viu?”.

É interessante notar a gradual transformação da persona pública do jovem Leandro, que aos poucos deixa de ser o rapaz gente boa da vizinhança pra começar a levantar o dedo pra quem levanta o dedo pra ele. É uma maturação artística que tem a ver com o seu próximo disco – que ele foi gravar na África – e o fato de ele estar aos poucos tocando instrumentos enquanto canta. Já rendeu um monólogo avassalador no Circo Voador no início do mês – e agora veio esse discurso da Virada. Sigo acompanhando.

A foto é do UOL.

Tecnobrega na Globo

E o Pedro Alexandre Sanches disseca a escolha da música-tema, “Ex Mai Love” cantada por Gaby Amarantos, da nova novela das sete:

No horário das 19h, estreou nesta semana “Cheia de Charme”, cuja vilã principal, vivida por Cláudia Abreu, é Chayene, uma estrela nordestina de forró pop, na linha das cantoras dos grupos Aviões do Forró e Calcinha Preta.

Nesta, o tema de abertura é “Ex Mai Love”, cantado pela diva tecnobrega paraense Gaby Amarantos. A trilha tem samba romântico de Alcione, pós-axé de Ivete Sangalo, brega antigo de Márcio Greyck (em nova versão) e indie MPB paulistana na voz de Tulipa Ruiz. Ricardo Tozzi interpreta o cantor sertanejo Fabian, obviamente decalcado em Luan Santana. As três protagonistas, de ineditismo surpreendente, são empregadas domésticas em guerra com a tirania das patroas.

Não há um quico de novidade no fato de as trilhas das novelas em cartaz na Globo serem superpopulares, ultracomerciais. Mas, como sabe todo mundo que, nas últimas semanas, observou o pesado investimento atual da emissora na chamada nova classe média, algo muito novo parece estar acontecendo no ambiente musical das telenovelas (ou telelágrimas, como rezava um antigo clichê) globais.

“O que mais me surpreendeu foi a escolha de ‘Ex Mai Love’ pra ser a abertura da novela. A Globo apostar tanto numa artista nova e num compositor novo (o também paraense Veloso Dias) me deixou cheia de orgulho”, afirma Gaby Amarantos. “É bem nítida essa feliz tentativa de atingir essa classe C que ascendeu, e já estava mais que na hora do povão ser retratado. Sou a rainha da nova classe média com muito orgulho, são eles que realmente fazem a economia do país girar, e me sinto feliz em representar e ser representada.”

Há décadas, a circulação de música entre a indústria fonográfica e a maior rede de TV do país é controlada com mão de ferro pelo misterioso Mariozinho Rocha, ex-músico egresso de um núcleo de canção de protesto dos anos 1960, o Grupo Manifesto. Ele, que jamais aparece ou concede entrevistas, assina a coordenação das trilhas de “Avenida Brasil” e “Cheias de Charme”. Mas isso não quer dizer que sejam iguais ao (nem sequer parecidas com o) reinado de intermináveis repetecos de standards de velhas bossas novas de Copacabana e antigas MPBs de Ipanema recicladas também há décadas pela usina musical-comercial de Mariozinho.

Mas, nos créditos finais de “Cheias de Charme”, aparece (com a função de “consultor musical”) o nome do antropólogo Hermano Vianna, também ideólogo do programa dominical “Esquenta”, de Regina Casé. Com ele, chega ao olimpo das novelas o ideário de valorização dos movimentos musicais realmente populares de fora do eixo Rio-São Paulo – a compreensão de um Brasil por inteiro, liberto o máxino possível das tiranias das patroas paulistocariocas.

“Participei de conversas sobre a definição do estilo musical de personagens, dei algumas sugestões para a trilha”, explica Hermano, em breve conversa por e-mail. “Mas é um trabalho coletivo. Todo mundo participa: diretores, autores, diretor musical, Mariozinho Rocha, atores e atrizes, produtores, pessoal da cenografia, do figurino etc. Nunca tinha trabalhado numa novela, não sabia que o processo era tao coletivo. No final, ninguém sabe mais nem quem primeiro sugeriu quem.”

Não está dito em lugar algum, mas a guinada que se ouve hoje no plim-plim significa mais uma pá de terra por sobre as ruínas da velha indústia fonográfica – apenas a gravadora da própria Globo, a Som Livre, mantém importäncia nessa nova configuração, embora menos como criadora de sucessos que como mera distribuidora de trabalhos já consolidados de nomes como Teló, Gaby e João Lucas & Marcelo. O atual momento explica por que sumiu do mapa, já faz tempo, o apelido tipo greco-romano Vênus Platinada, com o qual a Globo amava se autoclassificar.

Continua no Farofa-Fá-Fá.

Peter Gabriel x Ultraje a Rigor


E um dos principais acontecimentos do SWU foi a briga entre o Ultraje a Rigor e o Peter Gabriel. O PAS recapitula:

A turma do Peter Gabriel, gênio por trás do grupo britânico setentista de rock progressivo Genesis, tentou dar um passa-fora na turma do Roger, gênio por trás do grupo brasileiro oitentista de rock new wave Ultraje a Rigor. Atenção para a próxima frase: tentou, mas não conseguiu.

A maioria dos artistas e bandas daqui prefere historicamente abafar o hábito corrente em festivais multinacionais, de os brasileiros serem tratados feito lixo perante os sempre gringos “astros principais”. A discrepância causa boataria desde pelo menos 1985, no primeiro Rock in Rio, quando a moeda corrente jurava que um Whitesnake valia algo como uns dez ou cem ou mil Erasmos Carlos.

O caso mais rumoroso foi o dos preparativos para o Rock in Rio 3, em 2000, quando os maus tratos e as mamatas diferenciadas para nomes estrangeiros motivou a saída em bloco das bandas “subdesenvolvidas” Charlie Brown Jr., Cidade Negra, Jota Quest, O Rappa, Raimundos e Skank. O público brasileiro mais pagapau abaixou o topete e se satisfez com as atrações internacionais da hora. Pouco se reclamou da exclusão do rock nacional do festival que levava rock no nome e Rio no sobrenome, e ainda por cima sobraram garrafadas, palavrões e vaias para o baiano Carlinhos Brown – simplesmente porque ele estava se apresentando, e não porque não tivesse acompanhado os colegas na decisão de dizer um basta às humilhações, ou rebeldia parecida. Afinal, o rock é rebelde ou não é?

(…)

Particularmente, amanheci a segunda-feira (14) orgulhoso do Roger, de quem costumo discordar muito mais que concordar. Não se foi tudo espontâneo, ou se algo de concreto lhe veio à mente ao rejeitar a “proposta” da gangue do Peter Gabriel, de encolher seu show de uma hora para meia hora (para comodidade do playboy gringo, devo supor?). Mas a postura que o autor de “Inútil” teve foi bem diferente daquela de quando era jovem e depreciava a si próprio e a seu próprio país cantando que “a gente faz filho e não consegue criar”, “a gente pede grana e não consegue pagar” (alô, FMI), “a gente joga bola e não consegue ganhar” (nos tempos em que futebol, supostamente, era só o que tínhamos a oferecer).

Ainda na noite de ontem, @roxmo (ou seja, o Roger) escreveu para Peter Gabriel, em inglês, via Twitter: “Hey, @itspetergabriel! Boa sorte no seu voo para casa! Pensei que você fosse um artista; quando você se tornou um cuzão? Ativista mundial, meu cu…”. Que deselegante!, diria Sandra Annenberg. Sim, mas consideremos que nem sempre um roqueiro brasileiro de primeira, segunda ou quinta viagem se expõe assim publicamente, em legítima autodefesa contra as arbitratriedades dos sustentáveis e dos insustentáveis.

O acontecido constrangeu até o amigo de Gabriel, Brian Eno, que twittou o seguinte ao assistir ao vídeo aí embaixo:

Não foi por menos que o próprio Peter Gabriel usou seu site para pedir desculpas à banda brasileira:

I learned this morning that there had been a problem between my crew and Ultraje a Rigor at the SWU festival, that resulted in my production manager stopping their performance and turning off their amps. I deeply regret that this took place and have called Roger Moreira to apologise directly to him and the band.

The storm had put the running order two hours behind schedule and all the artists agreed to cut their set by 15 minutes. I understand from the festival organiser that Ultraje a Rigor were playing more than the time they had agreed and that there were still two more artists to play on our stage. This is why I believe my production manager, who had also had a long battle with water damage to the equipment, was getting very frustrated. In any case, he should not have interrupted their performance.

I strongly believe in treating all artists with equality and respect and I am extremely sorry that we failed to do so last night.

Quem diria, hein…

Marcha da Maconha em São Paulo: essa história só começou


Foto: Folha

Kassab, seu sem vergonha, o busão está mais caro que a maconha

Cheguei em cima da hora no debate de sábado lá no Sesc e o Mesac estava contando que havia pego o maior trânsito para chegar no local, enquanto a Daniela já havia ligado pra dizer que iria se atrasar, pois estava no meio de uma confusão na avenida Paulista. Era a Marcha da Maconha. Mas não dava pra ter noção que tinha sido assim:

Ricardo Galhardo, no Ig:

Um grupo de manifestantes foi negociar com a PM. O capitão Del Vecchio deu prazo de 10 minutos para que a pista fosse desobstruída mas três minutos depois ordenou uma nova carga da Tropa de Choque.

Até então não havia confronto. Os manifestantes continuavam marchando pacificamente pela avenida aos gritos de “eu sou maconheiro com muito orgulho, com muito amor“ ou “ão, ão, ão liberdade de expressão”. Quando os ataques da PM se intensificaram, já no final da avenida, perto da rua da Consolação, alguns responderam jogando garrafas de vidro. A reportagem contou três garrafas atiradas pelos manifestantes. Nenhum policial ficou ferido.

Bombas e tiros foram disparados contra quem estava nas calçadas. O repórter do iG foi ferido nas costas por estilhaço de uma bomba de efeito moral quando estava na calçada. O repórter Fabio Pagotto, do “Diário de S. Paulo”, foi atropelado pela moto do tenente Feitosa e agredido por outros policiais quando tentou reclamar. O tenente se desculpou dizendo que a moto da Polícia Militar estava sem freio.

Grupos conservadores
A tensão começou ainda na concentração. Enquanto os manifestantes pró-maconha se reuniam no vão livre do Masp, um grupo de 25 manifestantes pertencentes às organizações conservadoras União Conservadora Cristã, Resistência Nacionalista e Ultra Defesa esperavam do outro lado da avenida, na frente do Parque Trianon.

Eles foram revistados pela PM, que também checou os documentos para saber se algum deles tinha passagem pela polícia. Embora rejeitem os rótulos de skinheads ou neonazistas, quase todos tinham os cabelos raspados. Alguns exibiam tatuagens com suásticas, a cruz pátea (ou cruz de ferro) e outros símbolos nazistas como a caveira com ossos cruzados usada pela SS, a tropa de elite de Aldolph Hitler.

“Não somos skinheads nem neonazistas. Somos conservadores. Alguns tiveram experiências na juventude e por isso têm tatuagens mas começaram a estudar a teoria conservadora e evoluíram. Alguns são carecas porque praticam jiu-jitsu”, explicou Antonio Silva, da Resistência Nacionalista.

Quando mais de 700 manifestantes pró-maconha (segundo a PM, ou 1.500 segundo a organização) iniciaram o protesto, eles marcharam em fila até o vão livre do Masp e se posicionaram com cartazes contra as drogas.

Apesar das orientações de ambas as partes para que não houvesse confronto, foi uma questão de minutos até que integrantes dos dois grupos partissem para a provocação. A situação quase saiu de controle quando o vendedor Bruno Leonardo, vestindo terno preto e óculos escuros, chamou os conservadores de egoístas.

Os manifestantes anti-maconha começaram a gritar de forma ameaçadora “fora CQC”, confundindo o vendedor com os apresentadores do programa humorístico da Band.

“Não era o CQC? Putz! Que mancada”, admitiu Antonio Silva.

A situação se acalmou quando a marcha saiu pela avenida Paulista aos gritos de “ei, polícia, maconha é uma delícia” ou “onha, onha, onha, eu quero debater”, ou ainda “ei Plínio Salgado (líder integralista brasileiro morto em 1975) fume um baseado”.

Quando a Tropa de Choque partiu brandindo os cassetetes nos escudos no encalço dos manifestantes, os conservadores foram ao delírio gritando “fora maconheiro, fora maconheiro”.

Acionada por meio da assessoria de imprensa, a PM não respondeu por que a ação foi violenta, por que jornalistas foram agredidos e por que o tenente Feitosa usava uma moto sem freio.

Camilo, no Bate-Estaca:

Outro dia, ouvi uma tiazinha reclamando sobre a “inversão de valores” dos dias de hoje.

Bom, eu vou falar sobre uma inversão de valores de dar tontura. É uma cena que resume bem o que foi a tarde deste sábado (21) em São Paulo, quando a PM paulistana avançou com bombas, balas de borracha e cacetetes para cima dos manifestantes da Marcha da Maconha.

Pois enquanto a PM “cumpria seu dever”, agredindo fisicamente cidadãos que exerciam seu direito à expressão e manifestação, skineads neo-nazis aplaudiam a cena. Tipo torcida mesmo.

Não era para ser o contrário? Não era para o fascista, aquele que abomina a diversidade de opinião e a sociedade plural, ser não o perseguido pelo cassetete, porque também não queremos isso, mas aquele que vive envergonhado, cochichando suas ideias rasteiras pelos cantos escuros?

Mas não. No dia 21 de maio de 2011, em São Paulo, o fascista andou de cabeça erguida, peito cheio e muito à vontade, muito feliz com o que estava vendo.Não é o caso de entrar aqui no mérito da legalização, da descriminalização, do mal que a maconha pode fazer. Isso é assunto para outro (s) texto(s).

Porque na Marcha da Maconha, a maconha é só um detalhe. O que se pede é algo bem mais amplo e que afeta quem fuma e quem não fuma: liberade de escolha e de expressão.

Se o ex-presidente FHC (do mesmo partido do governador do Estado) pode participar de um filme que defende uma nova política para as drogas, por que os mais de mil participantes da marcha não podem sair na rua e também pedir mudança?

Doente está uma sociedade e um governo que impedem cidadãos de dizerem o que pensam em público. E impedem com truculência e agressão.

E linka o vídeo:

Meu olho está vermelho é de gás lacrimogênio”, diz o Sakamoto, que emenda o PS:

Ao trazer uma opinião dos organizadores da Marcha da Maconha nesta sexta, afirmei que a discussão não é apenas sobre como a sociedade encara o consumo de drogas tidas como ilícitas, mas também quais os limites para a liberdade de expressão. Pois não é compreensível que o Estado garanta a segurança de pessoas que protestem contra a sexualidade alheia e desça o cacete em quem defende um ponto de vista diferente sobre o consumo de maconha. Presenciando as cenas de hoje, acho que meu comentário foi bastante premonitório.

O Torturra separou umas fotos

E manda:

Eu arrisco dizer que havia duas mil pessoas marchando pela Paulista. A causa não era mais a legalização da maconha, exatamente. Era um protesto pelo direito de pedir a legalização da maconha. Uma planta de inequívocas propriedades medicinais, industriais e e dona de uma amistosa psicoatividade. Eis todo o problema. Psicoatividade. Que, para mim, mostra o que está por trás dessa tarde de sábado: consciência. E o que fazer para alterá-la. Aos fatos:

Análises médicas do gás lacrimogênio indicam que ele causa danos ao fígado e ao coração. Também é indutor de anomalias genéticas em células mamárias (aka câncer de mama). Quando metabolizado, o gás CS deixa traços de cianureto no corpo humano… coisas assim. Fatos que duvido que conste nas cartilhas de formação de um PM como o Cap. Del Vacchio (no mesmo sábado, 93 novos soldados ganharam seus espadins, gaba-se o único tweet do dia do @pmesp). Ou nos calhamaços dos exmos. juízes do TJ. Duvido que a toxidade do gás lacrimogênio conste no repertório do médico Geraldo Alckmin, hoje governador de São Paulo. Mas foi essa a substância que a Força sobre seu comando atirou, em pleno sábado de sol, em gente indefesa, pelas costas, por discordar de uma lei – o que apenas circulavam por São Paulo na hora errada.

A troco de que? O parecer do desembargador Teodomiro Mendes é claro: “o evento que se quer coibir não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha, presentes indícios de práticas delitivas no ato questionado, especialmente porque, por fim, favorecem a fomentação do tráfico ilícito de drogas (crime equiparado aos hediondos)”.

Sim, eu vi gente acendendo baseados na marcha. Imediatamente reprimidos pelos próprios participantes que, em grupo, falavam que “não era a hora”. Toda a argumentação que vi na Marcha é em torno de um debate de ideias que, invariavelmente, aponta para a extinção do tráfico (“equiparado aos crimes hediondos”) através do cultivo legal de canabis (equiparado à jardinagem).

Sim, eu vi gente sendo presa na marcha. Ninguém por porte de drogas. Apenas por distribuir um jornal, e debater ideias, chamado “O Anti-proibicionista”, feito pelo coletivo DAR. A polícia não deu satisfações aos jornalistas que questionavam o motivo da prisão. Tive uma escopeta (com balas de borracha, suponho) apontada para mim quando tentei me aproximar para fotografar um dos membros do coletivo indo em cana.

E o repórter da Folha apanhou da polícia. Pesado:

Diz a Falha de S. Paulo, do Lino:

Menos de 24 horas antes de seu começo ela foi proibida pela Justiça — o nobre magistrado entendeu que, se você quer discutir a lei, na verdade você faz apologia. A marcha estava pacífica. Mais: foi fechado um acordo com a polícia para que não fosse usada a palavra “maconha” e a passeata foi renomeada para passeata pela Liberdade de Expressão. “Eu estava lá quando esse acordo foi fechado, foi feita assembleia na frente de todo mundo. E tudo o que foi combinado com a polícia foi cumprido, mas de repente a Tropa de Choque chegou na avenida Paulista jogando bomba e gás lacrimogêneo”, conta à fAlha Alexandre Youssef, um dos amigos presente ao ato. “Não há justificativa alguma para o que a polícia fez. Não se pode impedir a discussão. Alguém tem que responder por isso”, comentou à fAlha o também amigo –e jornalista– Bruno Torturra.

E o Pedro Alexandre também esteve por lá:

Tudo são flashes na lembrança, mas o público a priori me pareceu diferente do da semana passada, bem ali do lado, na avenida Angélica, o churrascão a favor do metrô na “sofisticada” (e aparentemente pacata) Higienópolis. Parecia ter uma cor mais “roots” a passeata de hoje, não tenho certeza. Mas ela vinha estranhamente depressa, rápida demais.

De slogans de manifestação, só consegui ouvir um, bastante agressivo: “Ei, polícia! Maconha é uma delícia”. “Xi, estão belicosos”, pensei. Mas a explicação foi quase simultânea. A tropa de choque vinha no encalço da turma. Jogando bombas.

Vão falar que eram bombas de efeito moral, bombas que não matam ninguém, bombas que só fazem verter lágrimas amargas, bombas de licor narcótico permitido pela “lei”. Não importa. Tá, sou burguesinho aqui em São Paulo, mas nunca antes na história deste país (e deste Pedro) eu tinha ouvido uma bomba de gás lacrimogênio estourar do meu lado.

O efeito que teve, para mim, foi de uma BOMBA. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Depois da primeira bomba explosão que ouvi, lançada na Consolação ainda acima da Maceió, a turma começou a correr. A passeata virou São Silvestre, amarga São Silvestre.

A tropa de choque ultrapassou em um segundo o ponto onde eu estava, eles sabem perfeita e calculadamente dispersar uma multidão, se assim o quiserem. E eu continuei descendo a Consolação a pé. Até chegar na altura da rua Maria Antônia, ouvi no mínimo oito explosões de BOMBA. Tá, de gás para chorar, éter, lança-perfume, loló, droguinha legalizada pelo e para o poder público. Para mim eram BOMBAS. Cheguei a lacrimejar – mas essas lágrimas não foram nada perto das que já me tinham brotado nos olhos (e na esquina da Maceió), assim que comecei a entender o que estava acontecendo.

Será que essa história vai ficar por aí? Será que não era o caso de aproveitar toda aquela animação do #churrascãodiferenciado? Nem a novela nova do SBT sobre a ditadura conseguiu produzir imagens tão fortes quanto essas da polícia do Alckmin (mentira, o beijo da Vendramini foi altos)… Isso é só truculência, não dá pra ficar só assistindo.

Afinal de contas, a rua é de todo mundo.

Lobão x Herbert Vianna

Bem boa a extensa entrevista que o Lobão deu pro PAS no IG, mas um trecho específico causa até paranóia involuntária, se liga:

E teve o episódio do Herbert Vianna, que foi o que mais perturbou a minha carreira. Podem dizer que sou maluco, que isso nunca aconteceu, mas que influenciou minha psique e minha vida, mesmo eu estando completamente equivocado, é um fato. Por 20 anos, senti aquela presença indevida e aviltante, onipresente.

O que você sentiu quando a carreira dele foi truncada pelo acidente (em 2001)?
Tem partes que eu tirei do livro, sabe? Achando que ele estava me copiando, eu abdicava das coisas para não ficar igual a ele. Faço “Cena de Cinema” (1982), ele faz “Cinema Mudo” (1983), com a voz igual à minha. Tive que trocar de voz. Não é um plágio, mas é o conceito. Faço “Me Chama” (1984), ele faz “Me Liga” (1984). Chamo Elza Soares, o cara chama Elza Soares. Vou fazer um disco de samba para fugir dele, eles vêm com “Alagados” (1986) e se tornam pioneiros! Pô, é para enlouquecer. E eu fugindo, pegando as minhas reservas.

Você ficava paranoico em relação a ele? As coisas podem estar no ar, e vários pegam ao mesmo tempo.
Não, porque a gente sabia as fontes. A minha empresária, Leninha Brandão, tinha escritório ao lado do do empresário deles (José Fortes). Ele chegou no escritório, leu “Revanche” (1986) e disse: “Eureca! A favela é a nova senzala!”. Porra. Levo lata no Rock in Rio, tô tocando na Mangueira desde 1987 com Ivo Meirelles, meu parceiro. Dez anos depois, vem uma pessoa, que é a Fernanda Abreu, pega todo aquele conceito. Você vai checar: quem está produzindo e compondo todo o disco dela? É o cara.
Aí vem a parte que não contei. Vou fazer música eletrônica, vou fazer “Noite” (1998). Soube que eles iam fazer um disco de música eletrônica, era para “Hey Nana” (1998) ser eletrônico. Consegui botar a música “Me Beija” na rádio Cidade a duras penas. A gravadora (Virgin) estava puta comigo porque eu tinha recusado fazer Faustão, estava me dando a última chance. Então vamos fazer Canecão em dia pobre, terça-feira. Na véspera do show, a rádio Cidade anuncia show-surpresa dos Paralamas no Metropolitan! Ia ter matéria minha de uma página no “Jornal do Brasil”. Abro o jornal no dia seguinte e tem duas páginas sobre ensaio dos Paralamas! Quando chego no Canecão, estava às moscas. Falei: “Regina, é o fim. Acabou”. O disco foi pro vinagre.
Até esse momento, a Regina duvidava seriamente da minha sanidade mental em relação ao Herbert (risos). Fomos almoçar no dia seguinte, Herbert tá no rádio falando do sucesso do show deles: “Quero mandar um abraço para um grande ídolo meu, Lobão”. Comecei a ter tiques nervosos. Entramos no Fashion Mall, um restaurante vazio, está Herbert Vianna, com a mulher e os três filhos. Não, não é possível. Quando me levanto, sabe o que ele faz? Sai correndo, feito um camelô! Deixou a família. “Regina! Atrás dele!”
Durante todo esse período, eu tentei falar com ele, chamei para ser parceiro, telefonei: “Já que você fala que sou ídolo, por que a gente não faz parceria? A gente divide o royalty direito, você ganha 50, eu ganho 50, não é legal?”. Ele até ficou emocionado, chorou de um lado, eu chorei do outro. “Não posso agora, tô indo para Tóquio”. Nunca mais ligou.
Aí Ivo Meirelles me chama para almoçar. Me dá esporro: “Pô, cara, você é uma língua solta mesmo, para de falar essas coisas do cara aí. Ele é poderoso, tem conexão, todas as rádios tão com o cara. Todos os jornais, todos os músicos do Brasil tão com o cara, só você que é um idiota. E tem uma coisa: eu tô com ele, porque ele tem mais talento que você”. Ele tinha convidado o Ivo e o Funk’n Lata para tocar com ele no show! Comecei a espumar, né? Não aguento mais, tô enlouquecendo, fui fazer análise por causa disso. Tinha outros problemas, mas esse foi o mote, muito mais importante do que ter matado a minha mãe. O que mais me fez sofrer e ter ódio na vida foi isso. Passava o dia inteiro com ódio, meu coração doía, ficava exausto de tanto odiar.

O que sentiu quando ele se acidentou?
Fiquei com um sentimento horroroso, parecia que eu estava sendo enterrado vivo. Cara, e agora, como vai ficar minha história? O cara não pode mais se defender! Mas sabe como fecha essa história? Ele se recupera, volta do coma, fala uma coisa em espanhol, outra em inglês, outra em português e imediatamente pede um violão. A primeira coisa que cantou? “Chove lá fora e aqui…” (de “Me Chama”)! O epílogo do epílogo foi que em 2005 nos encontramos no VMB (premiação da MTV). Ele foi um amor, meio que perdeu a pose, né? Me abraçou, fiquei emocionado, senti carinho por ele. Até fui a um show deles. Tentei me adestrar, porque era muito ódio acumulado. Não fico achando isso das pessoas, é uma coisa pontual. Quando fui escrever o livro, fiquei num dilema terrível, não queria falar mal dele, mas precisava contar minha história.

Doideira doida.

O ano do Emicida

E não dá pra falar em música brasileira atual sem citar o Emicida. Leandro Roque de Oliveira já não é novidade faz tempo, mas só consegui ver um show do cara no mês passado, dentro da noite que o Rômulo e as meninas da Alavanca tão fazendo ali no CB, nas quintas-feiras. Venho acompanhando a ascensão do cara há um tempinho (até já tinha pautado a Ana para fazer um Vida Digital com ele) e é interessante perceber como ele é a síntese da mudança de ares que aconteceu na década passada com o hip hop brasileiro, ao mesmo tempo em que também é um reflexo do que também aconteceu com a MPB.

No lugar da marra e da cara de mau dos Racionais MCs e seus contemporâneos gangsta, surge um rapper quase sambista, quase malandro, quase manhoso, cantando sobre pobreza, miséria e violência sem separá-las da rotina, da felicidade e da família. Sem o pesar arrastado de beats de funk, ele prefere ancorar-se no samba e resume uma evolução que aconteceu no rap nacional. E mais especificamente no que diz respeito ao MC – e é possível ouvir enfileirados na voz de Leandro nomes tão diferentes quanto Sabotage, Marcelo D2, De Leve, Max B.O., Kamau, Marechal, Rappin’ Hood e todos aqueles que orbitaram entre o Instituto e o Quinto Andar, a Trama e o festival Indie Hip Hop, entre mixtapes e MP3s.

Ao mesmo tempo é estúpido mantê-lo apenas sob o rótulo do hip hop. Suas referências não são tão universais quanto as de seus compadres do microfone e das picapes – ele prefere samplear referências brasileiras e citar Cartola, enchentes em São Paulo e a novela das oito em vez de repetir a mesma ladainha de gangues e guerra urbana do rap do século passado. Como aconteceu antes com Sabotage, ele regula o equilíbrio entre o sambista, o rapper e o cronista com exatidão, assumindo o papel de trovador que nenhum outro cantor ou músico brasileiro atual – presos demais às egotrips, a conceitos abstratos e à correria para pagar as contas para assumir esse papel – se dispõe.

E ele também é bom de conversa: rendeu um ótimo papo com o PAS, uma boa matéria sobre samba com o Werneck e uma boa entrevista feita pela Stefanie, além do perfil feito pela Ana pro Link. Sai clicando e vai lendo – se você não o conhece ainda, está passando da hora.

Mallu Magalhães já é

Peraí, Pedro:

É fácil perceber que Mallu não tem autoridade sobre o público. Não tem, nem poderia ter. Alguém disse a essa doce menina que ela estava pronta – o pai, alguns publicitários “geniais”, um bando de jornalistas escrevendo escrevendo escrevendo sobre ela. São (somos) todos cúmplices de uma crueldade.

“Eu saí de uma escola de que eu gostava, e meus amigos dessa escola vieram hoje”, a pequena comemora, morrendo de vontade de estar feliz. Os coleguinhas a aplaudem, solidários. Eles provavelmente só estudam, enquanto a amiga mais “famosa” deixa as bonecas de lado para pegar no pesado.

Espalhou-se isto por aí, mas, não, ela não é uma garota-prodígio. É uma menina de 17 anos forçada a trabalhar duro como a mulher feita e dona de si que ainda não é. Não deve ser por outra razão que pensa gostar tanto de folk – aí está um gênero musical gringo que fala desesperadamente de prisão, escravidão, assuns pretos, blackbirds, exploração e desejos de libertação. Não é por outra razão que “Don’t Think Twice, It’s All Right”, de Bob Dylan, veste tão sob medida nessa menina.

…quer dizer que Mallu Magalhães é exploração de trabalho infantil? Não custa lembrar que o próprio Dylan já fazia shows antes dos 20. Se Mallu tem de se apresentar no Ibirapuera e não no palquinho da escola ou do bairro, não é só questão de culpa ou cumplicidade, mas reflexo da época em que vivemos – Mallu não é a primeira (lembra do Michael…), não vai ser a última.

Mallu não foi forçada a cantar, ela não compõe por pilha alheia, não é obrigada a continuar artista – ela faz porque gosta. Pode ser que depois jogue tudo para o alto e vire dona de casa, o ponto não é esse. Tem mais a ver com o papel do artista no século 21, que está deixando de virar essa deformidade genialesca inventada pela indústria cultural (gente que precisa de “tempo para criar”, “silêncio para pensar”, limusine-cinco-estrelas, ó quão especiais) para se tornar característica do dia-a-dia de cada um. Se ela é um gênio, um prodígio ou só mais uma menininha sem graça, isso não interessa (ao menos, não a nós). O que importa é que ela é parte de uma mudança de lógica que já está em curso há pelo menos dez anos e não é registrada pelo jornalismo cultural, afinal, ainda precisamos de ídolos e de descobrir os novos Beatles e os novos Caetanos.

Quem é o verdadeiro homem da gravata florida

Muito boa a entrevista que o Jorge Ben deu ao Pedro Alexandre Sanches na Trip desse mês:

É verdade que você queria ser jogar de futebol, e não músico?
É, joguei no infanto juvenil do Flamengo. O futebol era bom, mas eu tinha que correr pra trabalhar, estudar, pagar as contas. Lá não ganhava nada, não era remunerado. Até que apareceu a música, mas era outra coisa que eu também não queria.

Ai, meu Deus, o que seria de nós?
Meu pai e minha mãe não gostavam. Naquele tempo músico era considerado um marginal, aquelas coisas. Não tinha respeito. Eu trabalhei um pouquinho de despachante, das 10h às 16h. E, nesse ínterim todo, eu já estava na alquimia.

Estudando, freqüentando grupos?
Estudando. E tinha um grupo, um grupo de adeptos maravilhosos. Eram da América do Sul, e tinha um brasileiro, professor ou reitor de faculdade, de São Paulo. Junto com um grupo de adeptos da alquimia, ele viu uma transmutação, em 1958.

De metal em ouro?
É, é. Eles viram, e falaram pra mim: “É uma arte”. Quando conversei com eles falei de São Tomás de Aquino… A igreja proíbe falar que ele foi alquimista. Proíbe, mas ele foi. O papa Silvestre deixava, isso no século 13, porque São Tomás de Aquino era um cara de família riquíssima. E ele quis ser padre, monge. Seus pais tinham preparado ele pra ser o conde de Assis, maravilhoso, ricaço. Tanto que se internou sozinho. Foram tirá-lo de lá, e ele falou: “Quero ser padre, gosto daqui”. Em pleno século 13 ele escreveu aquilo tudo, já fazia arte com alquimia. E esses caras daqui viram em 1958, deviam ser grandes na alquimia pra ser convidados pra ver. A todo lugar que tinha ourives, eu ia com outro amigo estudante ver como se fazia ouro. E a gente ficava indignado, eu conto isso numa música do disco Solta o pavão [de 1975, na faixa “Luz polarizada”]: “Coloque o seu grisol sobre a luz polarizada…”.

Nunca entendi essa letra, “coloque o seu…”?
O seu grisol sobre a luz polarizada. Grisol é um frasco de vidro inquebrável. E aquele que forja a falsa prata e o falso ouro não merece a simpatia de ninguém. A gente ficava indignado, todas essas lojas de ourives, pô, aquele ouro todo… era mais metal que ouro. Os alquimistas falavam que é preciso um ouro que não se pode falsificar, é o ouro de dentista, aquele ouro 14, ouro malhado.

Ainda existem alquimistas?
Eu conheço, na França. Na Europa ainda tem. No Brasil não, não tem.

E você já foi um alquimista?
Não, eu nunca cheguei a fazer transmutação.

Nicolas Flamel e Paracelso (personagens das canções de A Tábua de Esmeralda) eram alquimistas?
Eram, Nicolas Flamel, ele é que é meu muso. Ele e a mulher dele. Ele é “O namorado da viúva”. Ninguém queria ela – não, eles queriam, mas tinham medo, porque ela era rica e já era viúva três vezes. Flamel é do século 15. É o meu muso [cantarola], “namo-mora-rado da viúva”…

E Paracelso é “o homem da gravata florida”?
É! A história dele é maravilhosa também. Tem até hoje a casa dele na Suíça alemã. Levei o Gilberto Gil na casa do Nicolas Flamel. E, por incrível que pareça, o Gil viu uma coisa lá que eu vi, só nós dois vimos, na casa de Nicolas Flamel. Depois eu perguntei: “Gil, você viu uma coisa que eu vi?”. Ele falou: “Eu vi, você viu?”. Foi incrível.

Mas o que foi?
Vi uma coisa lá, na casa de Nicolas Flamel.

Não vai contar o quê?
Não, não. Mas vimos.

E não era sob o efeito de alguma substância?
Não, não. Vimos uma coisa lá. Nós vimos alguma coisa, mas bonita, não feia. Uma coisa bonita.

Ferréz entrevista Pedro Alexandre Sanches

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