Por Alexandre Matias - Jornalismo arte desde 1995.

Erma paisagem

Paula Rebellato encerrou sua temporada Ficções Compartilhadas nesta segunda-feira no Centro da Terra com uma apresentação tão maiúscula quanto sua ousadia: reler o clássico Desertshore que Nico gravou nos anos 70 quase meio século depois, com camadas eletroacústicas que transpassavam as diferentes fases musicais da soturna diva alemã. Para isso, chamou os camaradas Mari Crestani, João Lucas Ribeiro e Paulo Beto, este último agindo como maestro da banda a partir de seus sintetizadores, enquanto Mari começou primeiro no sax para depois assumir o baixo, e João Lucas ficou na guitarra, ambos segurando vocais de apoio para o canto tenso de Paula recebendo Nico. A dona da noite, com seu timbre grave e usando poucos efeitos sobre a voz, abria, a cada canção, porteiras infinitas de ruído horizontal, que espalhava-se pela plateia como um enxame invisível de abelhas. Numa apresentação tão ritualesca quanto hipnótica, os quatro integraram diferentes camadas instrumentais que passeavam do noise ao rock clássico, passando pela música eletrônica, o noise, o industrial e o ambient, todos a serviço da ampla e erma paisagem desenhada pelas imagens invocadas por Nico, seja em inglês, francês ou alemão. Foi menos que uma hora de apresentação, mas o estado de suspensão parecia ser para sempre.

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Vida Fodona #797: Bem na manha

Sintonizando a frequência certa para começar a semana…

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Em nome de Joni

Tudo pronto para o espetáculo Both Sides Now que estamos preparando para a próxima terça-feira no Belas Artes. Luiza Villa e sua banda estão afiadíssimos num repertório escolhido pela própria vocalista, que celebra os 80 anos de Joni Mitchell em uma noite que promete ser mágica, como esta versão para “Hejira”. Sente o drama.

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Danilo Santos de Miranda (1943-2023)

Triste a notícia da partida de um dos maiores articuladores da cultura brasileira das últimas décadas. Danilo Miranda transformou o Sesc de São Paulo não apenas em uma força de produção cultural para além da parca visão do mercado de entretenimento como foi um dos principais fomentadores dos alicerces da cultura do Brasil, investindo tanto em infraestrutura quanto em catálogo, em fomento e educação, em acervo e abertura para novos nomes, tanto do palco quanto dos bastidores. Mostrou que a indústria e o comércio podem coexistir com arte e lazer sem detrimento mútuo e mudou a cara da produção cultural brasileira, desde seus agentes mais básicos até superproduções, passando por parcerias entre instituições públicas e privadas e conexões com a alta cultura de todo o planeta. A cultura brasileira seria completamente diferente – mais fraca, menos ousada e mais servil – sem sua presença. Salve seu Danilo, fará falta!

Música brasileira sem mulheres?

Entre Chiquinha Gonzaga e Karina Buhr, as mulheres da música brasileira tiveram que fazer muito para conseguir ter seu espaço e voz, sempre pronto para ser tirado, tolhido ou apagado a qualquer minuto. Esse foi o tema da aula que Pérola Mathias deu neste sábado no Sesc Pinheiros, dentro do curso História Crítica da Música Brasileira que estou ministrando há quatro semanas e segue nos próximos dois sábados. E entre histórias tristes e desanimadoras envolvendo nomes consagrados como Gal Costa, Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Céu, Clementina de Jesus, Elza Soares e Elis Regina, ouvimos histórias de mulheres gigantes que até hoje são desconhecidas do público em geral, como Carolina Cardoso de Menezes, Eunice Katunda, Maria D’Apparecida e Tia Ciata e que felizmente, graças ao trabalho de tantas outras pesquisadoras, musicistas e historiadoras, seguem sendo contadas. No próximo sábado, Rodrigo Faour fala das mudanças no comportamento pautaram a música brasileira e quem foram os personagens que ousaram provocar tais transformações.

Matthew Perry (1969-2023)

Triste a notícia da morte de Matthew Perry, o ator que interpretava Chandler Bing no seriado Friends, que foi encontrado morto aparentemente após afogar-se na própria banheira em Los Angeles, nos EUA.

Quais são as músicas novas das coletâneas vermelha (1962-1966) e azul (1967-70) dos Beatles?

Junto do anúncio da famigerada “última faixa gravada pelos Beatles” que chega na próxima quinta-feira, a banda também anunciou uma reedição ampliada das clássicas coletâneas lançadas no início dos anos 70 que a apresentaram a gerações de fãs que não tinham acesso à sua discografia (pois os discos não eram reeditados constantemente). E apesar de não ter tido tanta repercussão, essas são as faixas novas a entrar nas coletâneas:

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De olho na engrenagem

Lançado ao vivo em noite de gala com o teatro Paulo Autran do Sesc Pinheiros lotado nesta sexta-feira, o novo disco de Rodrigo Ogi é batizado com um título que nos induz à ilusão de que a realidade que descreve é como um jogo de dados, induzida por um acaso que às vezes joga contra, às vezes a favor. Mas Aleatoriamente, lançado há um mês, pertence à mesma estirpe clássica de seus melhores álbuns, Crônicas da Cidade Cinza, de 2011, e Rá!, de 2015, e da mesma forma mistura jornalismo com crônica e cinema, criando climas musicais pesados que funcionam como trilhas sonoras perfeitas para descrever situações extremas em regiões inóspitas da grande cidade, periféricas ou não. Se tudo parece uma colcha de retalhos de acontecimentos díspares, é na música que Ogi cria a tensão necessária para que todas essas histórias pareçam fazer parte de um mesmo universo – mostrando-se atento observador da engrenagem da realidade. E nesta vez seu parceiro musical foi um Kiko Dinucci recém-saído da produção do Delta Estácio Blues de Juçara Marçal, que conduziu a saga a partir de pedaços de músicas sincopados uns sobre os outros, criando grooves tensos e intrincados com texturas ruidosas, entre o pós-punk, o no wave e o hip hop nova-iorquino dos anos 80. Foi bom ver Kiko como um dos DJs da noite, dividindo com as bases com o DJ Nato PK, em vez de tocar guitarra, deixando o rap fluir apenas entre bases e vocais. E se o instrumental já estava pesado de saída, os vocais foram sendo apresentados pouco a pouco: além da natural destreza lírica do dono da noite, sempre acompanhado por seu compadre Tiagão Red na segunda voz, Vovô recebeu ninguém menos que Juçara Marçal e Don L em participações precisas – Juçara por três músicas (incluindo “Crash”, que Ogi fez para ela como primeiro single de seu Delta Estácio Blues) e Don L apenas em uma, deixando passar a oportunidade de juntar-se aos outros dois numa mesma faixa. As vozes também brilharam para além dos convidados, a começar pela voz fabulosa de Paola Ribeiro, que contrapunha tanto bases como vocais com seu canto forte, até pelo próprio Kiko, que em vez de disparar o sample com a participação que Siba fez no disco, preferiu ele mesmo cantar a parte do pernambucano. Uma apresentação e tanto – e em que as luzes de Lígia Chaim ajudaram a aumentar ainda mais o clima épico da noite.

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Como se fosse 2014

Chegou o dia! Finalmente Taylor Swift relançou sua obra-prima de 2014, o álbum que a fez sair da country music de vez para abraçar o pop. 1989 (Taylor’s Version) faz parte das regravações que ela está fazendo de todo seu catálogo por ter perdido o direito aos fonogramas originais por uma passada de perna de seu antigo empresário e é a peça central deste momento The Eras em que ela viaja pelo mundo com um show em que visita as diferentes fases de sua carreira (mês que vem aqui no Brasil). É o disco que traz “Shake It Off”, “Bad Blood” (em que ela conseguiu que Kendrick Lamar regravasse também seus vocais), “Blank Space”, “Style”, “Out of the Woods”, “New Romantics” e “Welcome to New York”. Além destas, o disco ainda traz músicas que ficaram no baú original da época, como “Slut!”, “Say Don’t Go”, “Now That We Don’t Talk”, “Suburban Legends” e “Is It Over Now?”, todas com nível para entrar no disco original, mas sem nenhum brilho maior. E o disco sai no mesmo dia em que sua fortuna estimada ultrapassa o bilhão de dólares, tornando-se uma das poucas artistas no mundo (ao lado de Jay-Z e Rihanna, por exemplo) a pertencer ao seleto clube dos dez dígitos.

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Cacá Machado + Laura Lavieri: Melhor do que o Silêncio

Bonito ver como um projeto toma forma: acabam de abrir as vendas para o espetáculo Melhor do que o Silêncio, que leva Laura Lavieri e Cacá Machado a um disco central na obra de João Gilberto, o fundamental álbum branco de 1973, batizado apenas com seu nome, que completa meio século neste 2023. Gravado em Nova York apenas com voz e violão e pela revolucionária produtora Wendy Carlos (que havia assinado a trilha sonora de Laranja Mecânica com seu nome de batismo, Walter, e transicionava exatamente naquele momento, assinando o projeto como W. Carlos), o disco é a síntese da excelência musical do maior nome da nossa cultura, reduzido ao minimalismo extremo das cordas vocais e seu instrumento, acompanhado apenas da esposa Miúcha em uma canção e de uma cesta de lixo tocada pelo baterista Sonny Carr. Em Melhor que o Silêncio, reuni Cacá e Laura para recriar essa obra-prima nos palcos e a primeira apresentação acontece na Casa de Francisca, dia 11 de novembro, com a participação do percussionista Igor Caracas. Assino a direção executiva do espetáculo, que ainda a direção de arte de Amanda Dafoe e a produção do Guto Ruocco, da Circus. Os ingressos já podem ser comprados a partir deste link.