On an Island – David Gilmour

, por Alexandre Matias

Essa saiu na Bizz número 200.

Que grande alívio foi assistir aos quatro Pink Floyd tocando novamente juntos no Live 8 do ano passado (o que não faz uma causa humanitária, mas… qual que era mesmo?), depois de quase um quarto de século do corte final das relações entre Roger Waters e David Gilmour. Alívio pra todo mundo: para os milhões de fãs do grupo, para Waters (que devia esperar por aquele momento como os irmãos Cavallera esperam a Sepultura Reunion Tour – com a impaciência de um escada de comédia pastelão que espera a torta na cara), mas principalmente para Gilmour.

Eis o fardo que o velho Dave carrega ao capitanear a persistência temporal da franquia que se tornou seu antigo grupo: uma vez cuidando da galinha dos ovos de ouro, torna-se inibidora a produção de uma carreira solo que esteja desvinculada da marca original. Porque se colocarmos na ponta do lápis, tanto o Momentary Lapse of Reason quanto o Division Bell (os dois discos de inéditas lançados após a reformulação do Floyd sem Waters) são discos solo de Gilmour cuja ausência cerebral do ex-parceiro o forçou a emular uma opulência autoral que não é natural em sua composição genética.

Ainda com os pingos nos is: sem Waters, o Floyd talvez se tornasse a grande banda inglesa de blues rock dos anos 70, ao preencher a vaga deixada por bandas como Cream, Blind Faith e Jeff Beck Group, competindo com o Led Zeppelin num terreno que, em nossa realidade, Page e Plant reinaram sozinhos. Ou você nunca reparou como “Shine on You Crazy Diamond” é quase uma “Since I’ve Been Loving You”?

Eu tou falando da guitarra elétrica, aquele antigo instrumento que gemia e rugia notas antes do punk reinventá-la como máquina de riffs, tal como o hip hop reinventou o toca-discos como instrumento musical. Esse é o domínio de Gilmour, o habitat natural que faz o pacato dinossauro caminhar feliz. Não importa onde esteja, desde que tenha a oportunidade de embarcar num solo mortal (dá pra vê-lo fazendo caretas sobre as notas), Gilmour voa satisfeito como o albatroz de “Echoes”.

Isso é bom e ruim. Pois se é bom ouvi-lo renovado no lamento de sua Stratocaster (aquele mesmo, confortavelmente entorpecido), não há necessidade de as músicas serem grandes coisas para abrigarem seus solos. “Dave precisa de um veículo para sua guitarra”, desmereceu Waters em várias entrevistas, ridicularizando (como os fãs xiitas) o fato de sua mulher, Polly Samsom, ser co-autora de mais da metade de On an Island. E daí? Ao encarar as engrenagens do sistema no Live 8 (“onde você esteve?”, pergunta a máquina), Gilmour exorcizou-se, ao menos por hora, do karma floydiano e pariu um disco despretensioso e, por isso mesmo, insosso – mas seus solos não se incomodam e permanecem precisos como animais selvagens à solta, celebrando a vida ao correr pelo mato. As condições para assisti-los (as canções, de fato) talvez não sejam tão confortáveis, mas quando eles vêm… A beleza segue intacta.