Siba, Ocupe Estelita e uma força contra o preconceito institucionalizado há séculos em Pernambuco

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O jovem mestre Siba anuncia o sucessor de seu ótimo Avante, de 2012, confrontando passado, presente e futuro de seu Pernambuco, como é de praxe de seus conterrâneos contemporâneos. Mas como seu novo disco De Baile Solto, que será lançado ainda este mês, surge no mesmo mês em que as tensões a respeito da ocupação Estelita, no Recife, começam a ficar mais sérias, ele antecipa a música “Marcha Macia” para contrapor duas lutas de resistência: a de 2015 contra a especulação imobiliária e a perseguição histórica aos maracatus pernambucanos. Ele explica:

“O texto de ‘Marcha Macia’ seria inicialmente sobre a história recente de ‘toque de recolher’ imposto aos Maracatus de Baque Solto em Pernambuco. Mas o tema, que a princípio parece restrito, localizado, ‘regional’, reverbera questões políticas muito atuais e pertinentes ao momento que o Brasil vive: preconceito racial e religioso contra as populações mais pobres e a consequente ‘naturalização’ do uso de repressão e restrições de vários tipos, amparadas por sua vez na cultura do medo amplamente disseminada pelos principais veículos de mídia; aparelhamento e neutralização das organizações populares através da dependência do dinheiro do estado e o consequente silêncio e incapacidade de reação articulada por parte dos mesmos; ‘Desenvolvimento’ e ‘Modernização’ como palavras mágicas que a tudo justificam, e assim por diante…

Num quadro assim mais amplo, o Movimento Ocupe Estelita cumpre uma função de referência, por ter conseguido corajosamente expor e questionar a submissão absoluta e descarada do poder público aos interesses privados, assim como um pequeno punhado de Maracatuzeiros se expôs denunciando o Racismo Institucional do Estado de Pernambuco contra sua tradição secular.”

O próprio Siba indica o texto que a querida Carol Almeida escreveu sobre o que está acontecendo hoje no Recife. Clique aqui e aperte o play:

“Marcha Macia”, cuja letra segue abaixo, pode ser baixada de graça no site da OneRPM.

MARCHA MACIA
Acorda amigo, o boato era verdade
A nova ordem tomou conta da cidade
É bom pensar em dar no pé quem não se agrade
Sendo você eu me acomodaria…
Não custa nada se ajustar às condições
Estes senhores devem ter suas razões
Além do mais eles comandam multidões
Quem para o passo de uma maioria?
Progrediremos todos juntos, muito em paz
Sempre esperando a vez na fila dos normais
Passar no caixa, voltar sempre, comprar mais
Que bom ser parte da maquinaria!
Teremos muros, grades, vidros e portões
Mais exigências nas especificações
Mais vigilância, muito menos excessões
Que lindo acordo de cidadania!
Sai!
A gente brinca, a gente dança
Corta e recorta, trança e retrança
A gente é pura­ ponta ­de ­lança
Estrondo, Marcha Macia!
Vossa Excelência, nossas felicitações
É muito avanço, viva as instituições!
Melhor ainda com retorno de milhões
Meu deus do céu, quem é que não queria?
Só um detalhe quase insignificante:
Embora o plano seja muito edificante
Tem sempre a chance de alguma Estrela irritante
Amanhecer irradiando dia!
Sai!
A gente brinca, a gente dança
Corta e recorta, trança e retrança
A gente é pura­ ponta­ de ­lança
Estrondo, Marcha Macia!

China 2014: “Ocupe-se transformando a sua área”

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China está aos poucos finalizando seu novo disco e aos poucos começa a mandar notícias. Uma delas, a faixa “Arquitetura da Vertigem”, chega em forma de clipe, com imagens da Ocupação Estelita.

A ocupação foi um eco tardio dos protestos de junho do ano passado que tomou corpo no Recife entre maio e junho deste ano, quando a especulação imobiliária foi rumo a uma área chamada Cais José Estelita disposta a erguer 12 arranha-céus de até 40 andares na região central da capital pernambucana. China explica o que está acontecendo:

“Existe um projeto das construtoras e da prefeitura chamado Novo Recife, em que a idéia é subir prédios altos em áreas ‘abandonadas’ ou ‘em desuso’. A venda da área do Estelita foi facilitada para construtoras e, como foi averiguado, esse leilão não poderia ter sido feito, pois está todo irregular – inclusive porque naquela área do Estelita passa a Ferrovia Transnordestina, que ainda está ativa. Nem o Iphan foi consultado.

Um grupo de pessoas dos direitos urbanos ficou sabendo desse esquema e começou a divulgar isso. As pessoas se identificaram com o lance e aderiram ao protesto. De início, as pessoas iam aos domingos, levar as famílias para curtir… Daí começaram a destelhar de derrubar alguns galpões, e um grupo achou por bem ocupar a área. E durante mais de 50 dias essas pessoas ficaram lá. Artistas, advogados, gente das mais variadas profissões. No dia que fui lá, haviam dois advogados acampados, que estavam de olho no que governo e construtoras resolviam. Tem muita gente envolvida no Ocupe Estelita.

Pra você ter uma ideia, a grande maioria dos pernambucanos não sabe o tamanho daquela área nem o que tem lá dentro. É um lugar gigante, man… Bonito pra caralho, que poderia ser um monte de coisa, menos espigões que vão beneficiar apenas alguns.

Agora a parada tá ‘teoricamente’ embargada e os órgãos competentes só tomarão alguma decisão depois das eleições. Mas, velho, fiquei um dia lá na ocupação e vi umas coisas muito legais. A galera que tava ocupada começou a dar cursos e oficinas pra turma de comunidade carente que mora lá perto. Acho que isso ajudou a criar a consciência nas pessoas. Porra, o espaço público é nosso, a cidade é nossa, também queremos ser consultados e dar pitacos nos rumos dela.

Desde o manguebeat eu não tinha visto uma concentração tão forte de pessoas em prol de algo tão bacana, você ia chapar se tivesse ido lá.

Eu já tinha soltado a música antes. Daí Pedro Escobar e Pedro Vitor, diretores do clipe, tiveram a ideia de pedir imagens pra todo mundo que tinha registrado a ocupação: artistas, ativistas, cineastas… e todos colaboraram. Queria que o vídeo mostrasse o que de fato aconteceu nos 50 dias da turma acampada. Mostrar o lance pra quem não foi la, ou pra quem achava que no Estelita so tinha vagabundo. Pelo contrário: a turma que tava lá fez oficinas, cursos – eram super ativos e todos afim de mudar o contexto das coisas.”