O que acontece no final de A Piada Mortal, a melhor história do Batman, do Alan Moore

, por Alexandre Matias

Desculpa, mas se até hoje você não leu A Piada Mortal, do Alan Moore, pare o que está fazendo e dê um jeito de lê-la. Tudo que vem abaixo da imagem é spoiler, óbvio:

piada-mortal-ultima

A graphic novel foi a curta mas ousada primeira vez de Alan Moore nas rédeas de uma história do Cavaleiro das Trevas. Moore, no meio dos anos 80, já era considerado um dos grandes novos talentos dos quadrinhos daquela década, abandonando a ficção científica distópica na Inglaterra (já havia escrito V de Vingança) para escrever roteiros para super-heróis na DC, nos EUA. Seu primeiro feito foi transformar um herói da terceira divisão – o Monstro do Pântano, criado por Len Wein, o editor que o contratou – em uma das maiores sagas poéticas da história dos quadrinhos, ressuscitando personagens esquecidos da editora numa história de horror sobrenatural de tirar o fôlego (e deixar John Constantine como legado póstumo). Logo em seguida criou a série Watchmen, que fez críticos de literatura começarem a dar atenção àquelas revistinhas coloridas. Quando pôs as mãos sobre Batman, em 1988, havia uma inevitável expectativa por um épico.

Mas em vez disso, Moore optou por uma graphic novel curta centrada no maior vilão do homem-morcego, o Coringa. Não apenas aprofundou-se na natureza de sua insanidade – chegando ao extremo de aleijar Barbara Gordon (aposentando, por tabela, a Batgirl) e mostrar as fotos ao pai da garota, o Comissário Gordon -, como resolveu versar sobre a origem do vilão. O traço de Brian Bolland faz jus à importância que Moore dá à sua versão da história e imortaliza o Coringa de rosto magro e sorriso largo, olhos vivos e corpo comprido como o biotipo arquetípico do personagem.

A história termina com uma briga feia entre o super-herói e o supervilão – quando o Coringa saca uma arma que, ao ser disparada, revela apenas uma bandeira estampada com uma onomatopéia. Cansado, ele diz que aquela situação o lembra de uma piada:

“See, there were these two guys in a lunatic asylum… and one night, one night they decide they don’t like living in an asylum any more. They decide they’re going to escape! So, like, they get up onto the roof, and there, just across the narrow gap, they see the rooftops of the town, stretching away in the moonlight… Now, the first guy, he jumps right across with no problem. But his friend, his friend daredn’t make the leap. Y’see… y’see, he’s afraid of falling. So then, the first guy has an idea…He says “Hey! I have my flashlight with me! I’ll shine it across the gap between the buildings. You can walk along the beam and join me!” B-but the second guy just shakes his head. He suh-says… He says “wh-what do you think I am? CRAZY? You’d turn it off when I was half way across!” Ha Ha Ha Ha Ha! Ha Ha Ha Ha Ha Ha Haa… Fnff oh, do excuse me…Ha Ha Ha Ha Ha!”

Batman não resiste ao ridículo daquela situação e, na chuva, começa a rir. Esta é a última página da história.

piada-mortal-ultima-pagina

Os dois caem na gargalhada, identificando-se com os dois doidos da piada contada pelo Coringa. No penúltimo quadrinho não há mais nenhuma risada nem o som da sirene da polícia, que começa a crescer à medida em que avançamos o olhar pela última página. Uma luz se apaga e, no final, fica apenas a chuva caindo no asfalto. Um final ambíguo, que Alan Moore reforça para não ter “The End” e nenhuma outra sinalização que a história acabou (como dá pra ver pelo roteiro disponibilizado pelo tumblr The Adventures of Mr. Phil):

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O final em aberto, silencioso, foi, por muito tempo, elogiado como sendo um dos grandes trunfos da história, que unia Batman e o Coringa através da loucura. Mas eis que na o Grant Morrison chega na semana passada numa entrevista ao Kevin Smith e tasca que “é óbvio que Batman mata o Coringa” no final de A Piada Mortal. Quê?

Sim, daí ser “a piada mortal”. Morrison diz que este é o motivo do silêncio nos últimos quadrinhos, que Batman teria quebrado o pescoço do Coringa enquanto a polícia chega. Julian Darius, autor de And the Universe so Big: Understanding Batman: The Killing Joke, um livro sobre a história de Moore sobre o Batman, concorda com ele, à exceção da forma como Batman mata seu arquiinimigo. E diz que há diversas pistas no decorrer da história que nos levam a crer não só que a história termina com o assassinato do palhaço como também sobre a forma como Batman mata o Coringa.

Se voltarmos ao roteiro de Moore, Batman começa a rir logo após perceber que “ele e o Coringa irão acabar se matando algum dia”, única referência à morte no roteiro original. Mas o assassinato do Coringa faria sentido numa história que mostra como o vilão foi criado. E não custa lembrar que, no penúltimo quadrinho, a luz que reflete na poça d’água apaga-se como o facho da lanterna que, na piada contada pelo Coringa, ajudaria o segundo doido a fugir do hospício. O primeiro (Batman), que já conseguiu fugir, apaga a luz. E o segundo, o Coringa, morre.

Mas como disse um comentarista no blog do Ramon, resta saber se alguém entrevistará Alan Moore sobre esta história.

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