Nick Drake foi influenciado por João Gilberto

, por Alexandre Matias

nickdrake

O músico e jornalista Thomas Pappon assistiu a um bate-papo com o produtor Joe Boyd em Londres e não esperava ser surpreendido por uma bomba intercontinental: Nick Drake teria se inspirado em João Gilberto para buscar sua própria sonoridade, uma das assinaturas musicais mais fortes da música britânica, mesmo que registrada em parcos três discos e gravações esparsas. Ele contou brevemente a história em seu perfil no Facebook e pedi para que ele compartilhasse sua descoberta aqui no Trabalho Sujo. Valeu Thomas!

Peter Paphides e Joe Boyd (foto: Thomas Pappon)

Peter Paphides e Joe Boyd (foto: Thomas Pappon)

Trilhas da Hammer e cocktail jazz: a conexão Nick Drake – João Gilberto

O que era para ser um programinha bacana num fim de tarde chuvoso de domingo trouxe uma bomba, pelo menos para os jornalistas de música: Nick Drake, o trágico bardo depressivo que morreu no ostracismo para ser redescoberto nos anos 80 e influenciar deus e o mundo – de Robert Smith a Renato Russo – passava horas no quarto ouvindo João Gilberto.

Pelo menos é o que sugeriu Joe Boyd, o produtor americano que descobriu Drake na Grã-Bretanha e produziu seus dois primeiros álbuns, num evento no bar/restaurante audiófilo Spiritland, em Londres.

Boyd participou de uma conversa sobre Nick Drake, respondendo a perguntas feitas pelo jornalista Peter Paphides e, ao final, de membros do público.

Ele contou como conheceu Drake: através de um bilhete de Ashley Hutchings, baixista do Fairport Convention, deixado sobre sua mesa com um número de telefone e um nome. Hutchings tinha visto Drake tocar num concerto contra a guerra do Vietnã na noite anterior (uma das raras apresentações ao vivo del, pelo visto) e ficara impressionado.

Boyd ligou, chamou Drake ao escritório, ouviu suas músicas e assim começa a trajetória de três álbuns lançados pela gravadora Island, Five Leaves Left (69), Bryter Layter (71) e Pink Moon (72). Drake morreu em 1974, aos 26 anos, de overdose de antidepressivos (30 comprimidos, o que levou muita gente, inclusive a irmã dele, Gabrielle, a acreditar que foi suicídio).

“Com os anos, fiquei surpreso em ver que muitas pessoas próximas pintavam um quadro de Nick bem diferente do que eu conheci”, disse Boyd. “Diziam que ele era popular na faculdade (Cambridge), que participava de corridas (atletismo)…o Nick que conheci era bashful (Boyd usou essa palavra ao menos duas vezes para descrevê-lo, significa ‘relutante em chamar atenção sobre si, tímido, reservado’).

Boyd deu detalhes sobre as gravações. Falou do fiasco dos arranjos de cordas de Robert Hewson, que tinha trabalhado com James Taylor, e do alívio que Drake sentiu quando soube que Boyd também não tinha gostado. Sobre a tímida indicação de Drake – “tem um amigo meu de Cambridge que conhece minhas músicas” -, Robert Kirby, que acabou cuidando dos arranjos de cordas, parte tão orgânica das canções.

E contou que Kirby se recusara a fazer o arranjo para River Man, talvez música mais conhecida – e reverenciada – do repertório de Drake.

“Kirby era ligado a música barroca. Ela não se sentia à vontade para fazer um arranjo de uma música em (andamento) 5 por 4. Haendel não tinha 5 por 4”, disse Boyd.

“Quem acabou sendo chave nessa história foi o engenheiro de som, John Wood. Wood perguntou a Drake: ‘Que tipo de arranjo de cordas você quer?’ ‘Algo tipo Delius (compositor britânico)’. Wood era o dono do estúdio e estava acostumado a gravar trilhas sonoras de filmes. Ele conhecia um cara que fazia arranjos imitando qualquer compositor. Se você precisa de uma trilha tipo Mahler, ele fazia. Tipo Wagner, ele fazia.”

Esse cara era Harry Robinson, “que compunha trilhas para os filmes de terror da Hammer”.

“Eu e Nick fomos de carro conhecê-lo. Nick levou um violão e um gravador cassete. Ele tocou o cassete com o violão de ‘River Man’ e tocou, junto, a ideia que tinha de arranjo. Portanto Harry Robinson fez o arranjo a partir da ideia de Drake e do pedido de fazer algo ‘tipo Delius’.”

Boyd contou que tudo foi gravado em um só take ao vivo: Nick Drake, voz e violão, e o grupo de cordas executando as partituras de Harry Robinson, ao vivo. “O John Wood diz que a voz de Drake foi gravada depois, ms não é essa a lembrança que tenho”.

Depois, veio a bomba: “A forma como a voz e o violão parecem ter duas vidas próprias segue o estilo do cantor e violonista brasileiro João Gilberto”.

“Isso só me ocorreu mais tarde. Mas um amigo de Drake, da Universidade de Cambridge, me disse que ele ouvia João Gilberto, que tinha discos dele”.

O comentário passou batido, menos para mim e meu amigo, o também jornalista Rogério Simões, fã de longa data de Nick Drake. Não tínhamos ideia…

Na sessão de perguntas do público, o Rogério perguntou por que os discos de Nick Drake não venderam (nem 5 mil cópias cada) na época.

Boyd deu, como pista, uma resenha que tinha saído na época na Melody Maker, do álbum Bryter Layter, que dizia que a música “parece uma mistura esquisita de folk e cocktail jazz”.

E depois, o serviço da casa foi interrompido, para que os pouco mais de 100 presentes pudessem ouvir, à meia-luz em em silêncio total, à mistura esquisita – e mágica – de folk e cocktail jazz do Bryter Layter.”

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