Náusea mineira

, por Alexandre Matias
Foto: Natália Bandera

Foto: Natália Bandera

A cena mineira está sempre em transformação – e a quarentena traz à nota mais uma destas mutações musicais que pouco a pouco mexem a cara com a música de Belo Horizonte. Náusea é um trio formado por ex-integrantes das bandas Miêta e El Toro Fuerte, que buscam outras referências musicais para além dos estilos que investigavam em seus grupos originais e lança a primeira música, “Tarde Demais”, em primeira mão no Trabalho Sujo.

“Era um experimento que adiamos um bocado, eu e o João (Carvalho) tocamos juntos há cinco anos na El Toro Fuerte e sempre comentamos sobre fazer um som juntos explorando outras linguagens, indo pra outro caminho”, explica a baixista Marcela Lopes, que convidou sua companheira de Miêta, a guitarrista Bruna Vilela para esta nova experiência no final do ano passado. “A partir disso, fizemos um encontro pra trocar ideia sobre música e a vida num geral na minha casa”, continua Bruna. “A gente tinha muita ideia na cabeça pra palestrar sobre tudo. E, no segundo encontro, já na casa da Marcela, fizemos uma jam da qual nasceram as premissas de todas as faixas do EP. Ficamos meio assustades com a sintonia, a congruência de caminhos e o rendimento.” “Acho que a gente já se conhecia há muito tempo, e já tinha percebido que queríamos estar mais próximos e criando mais juntos, e foi o primeiro momento pensando nas nossas agendas e nos nossos outros trabalhos em que foi possível a gente se aproximar. E tá dando muito certo!”

Bruna segue explicando os novos rumos musicais: “Acho que todos tinham um desejo forte de encontrar um espaço de produção alheio ao que já dedicávamos nos nossos outros projetos. Pode ter sido um caminho alternativo do alternativo. mas acredito que nós, enquanto músicos, sempre nos prendemos de alguma forma em nossas criações. E uma das coisas a se fazer com essa sina inconsciente é tentar achar sempre outros lugares que fujam do que já foi feito. A Náusea se tornou esse espaço de tentativa do incomum e da busca por uma expressão mais orgânica e primitiva, ainda que com muitas arestas do que imaginamos que isso possa ser.”

Ela continua falando sobre o primeiro single: “‘Tarde Demais’ se mostrou como uma das primeiras músicas em que conseguimos desenvolver uma narrativa com tudo o que queríamos experimentar. É uma faixa nascida de jam e aperfeiçoada dentro dela. Ela apresenta dinâmicas diferentes que se construíram de forma orgânica e abriram possibilidade pra diversas espaços sonoros que nos representam. É uma música de ideia concisa mas que, na prática, se expande muito. Todos nós gostamos muito dela já de cara. E ela já tava basicamente pronta desde as primeiras execuções. Pareceu uma faixa de abertura de caminhos muito simbólica.” “Foi uma questão do acaso mesmo”, completa João. “Foi a primeira música que ficou pronta – no que se referem aos processos de mixagem e tudo mais, mas não tomamos nenhuma decisão consciente a esse respeito. Curiosamente, eu acho que ela dialoga com tudo que tem acontecido. É muito apocalíptica em algum sentido, mas é o resultado de uma potência de criação muito intensa de nós três… acho que o fim de alguma coisa é sempre o começo de uma nova.”

“Tarde Demais” faz parte do primeiro EP, que já está a caminho: “Ele já tem basicamente toda a estrutura gravada”, explica Bruna. “Talvez a gente tenha que acrescentar alguma linha ou ajustar algumas coisinhas. Mas estamos trabalhando com calma dentro dessa quarentena, na medida em que o corpo e a cabeça permitem – buscando fazer limonadas diárias -, para ir ajeitando todo o registro e lançar quando for possível. Temos outros projetos individuais e outros em que os três também atuam juntos. Ainda precisamos analisar as limitações para fazer com que esse seja um processo efetivo, seguro e prazeroso no meio dessa loucura.”

A dúvida agora diz respeito ao lançamento do disco, uma vez que não poderá ser feito ao vivo por motivos de epidemia. “A gente tava, desde o ano passado, em uma rotina bem desenhada de criação”, continua Marcela. “Toda semana na minha casa a gente sentava pra ouvir música, discutir questões da finaleira do EP. Tamo morrendo de saudades desses encontros, mas tamo dando conta de se comunicar legal online e redesenhar, aos poucos, nosso plano de lançamento do EP – respeitando as limitações técnicas, práticas e emocionais.”

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