Master of Puppets

, por Alexandre Matias

Na Ilustrada de hoje.

Anima Mundi traz mestre de marionetes a São Paulo

A calma e o bom humor de um homem simples escondem e revelam, sutilmente, a presença de um mestre. Mas o epíteto que pode ser usado de forma banal, apenas para sublinhar a grandeza de um convidado internacional, vem em sua forma original. Paciente e didático, Kihachiro Kawamoto, 85, tem a franqueza rude, o ar tranqüilo e o dom de contar histórias que caracterizam um bom professor.

Ele é um dos nomes que a edição 2006 do festival Anima Mundi traz ao Brasil. O evento, que começou no último dia 14 no Rio, chega hoje a São Paulo, em festa para convidados, e abre ao público amanhã. Nesta quarta, também serão exibidos dois longas do japonês: “The Book of the Dead”/”Shisha No Sho” (na sala 2 do Memorial da América Latina, às 15h) e “Winter Days”/”Fuyu No Hi” (na sala 1, às 22h), além do “Papo Animado” com o diretor (na sala 3, às 19h30), quando serão exibidos os curtas “Oni”, “Fusha No Sha” e “Kataku”.

Kawamoto pode ser encarado como mestre por diferentes pontos de vista. Foi um dos primeiros artistas japoneses a desenvolver um trabalho autoral em animação quadro a quadro e seu trabalho com marionetes é responsável por algumas das melhores representações da essência do ser japonês, resgatando tradições como o teatro nô, bunraku (de bonecos) e kabuki.

No filme “Winter Days”, por exemplo, Kawamoto reúne animadores do mundo inteiro para recriar, com imagens, 36 hai-cais do poeta Matsuo Bashô. “Eu comecei trabalhando com bonecos para ilustrar livros escolares e, posteriormente, fazendo animações para comerciais de TV nos anos 50”, conta o diretor, “mas, ao conhecer o trabalho do [animador tcheco Jiri] Trnka, um dos pioneiros na animação de bonecos do mundo, parti para fazer este tipo de filme. Como não tinha técnica, escrevi para ele pedindo que me desse aulas”.

A resposta do futuro professor levou seis meses, mas chegou. “Ele me escreveu uma carta amável e me convidou para ir para a então Tchecoslováquia”.

“Aproveitei que as Olimpíadas no Japão [1964] tinham tornado as viagens de japoneses para o exterior mais fáceis e passei um ano no estúdio de Trnka. Foi ele quem sugeriu que eu tratasse de temas tradicionais japoneses, já que era um grande admirador desses temas.”

Dono de um trabalho essencialmente pessoal, Kawamoto acredita firmemente nas características espirituais de seu trabalho, embora não queira pregar nem convencer os outros de sua fonte de fé, o budismo.

A rigidez espartana e o ritmo lento de sua direção contrastam com a forte expressividade de seus bonecos, fabricados por ele. Juntos, contam histórias densas e quase sempre de caráter sobrenatural, que chamam a atenção para a simplicidade do dia-a-dia.

“No Japão antigo, os bonecos eram uma forma de invocar os deuses, pois se acreditava que, como os homens tinham pecado e os bonecos não, eles não teriam tantam dificuldades para esses chamados”, explica. Partindo desse princípio, Kawamoto busca o assunto de seus filmes no momento em que esculpe e molda os bonecos. “Ao fazê-los, busco minhas angústias sem que tenha de pensar nelas. E acredito que, ao fazer isso, estou em contato com as angústias de mais pessoas, mas, a princípio, penso apenas em mim. Assim, chego aos personagens, à época, às histórias.”

Anima Mundi 2006
Quando: abertura para convidados hoje, às 20h; amanhã, a partir das 12h, para o público
Onde: Memorial da América Latina (av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, SP, tel. 0/xx/11 3823-4600)
Quanto: R$ 6 (salas 1 e 2) e R$ 3 (sala 3 – vídeo)
Site: www.animamundi.com.br