Maglore: Todas as Bandeiras

, por Alexandre Matias

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Fui convidado pela banda Maglore para escrever sobre seu recém-lançado Todas as Bandeiras, seu disco mais coeso.

Maglore – Todas as Bandeiras

O século vinte e um parece estar virando o mundo do avesso. São tantas mudanças, rupturas, surpresas, sustos, tragédias e revoluções acontecendo simultaneamente que todos temos a nítida sensação de não estarmos entendendo nada, à medida em que vemos os referenciais que ajudaram a nos entender como gente desfazendo-se entre novos comportamentos, novas tecnologias e novas visões de mundo.

Essa sensação de despertencimento não é estranha à carreira do Maglore. Rock demais para quem gosta de música pop, pop demais para quem gosta de rock; líricos demais para quem gosta de peso e barulhentos demais para os mais poéticos, mainstream para os que não gostam de música comercial e underground para os que fazem pouco do mercado alternativo, o grupo baiano também encontra-se num limbo etário – é o irmão caçula de uma geração de artistas que se firmou nos últimos dez anos e é o irmão mais velho de uma nova geração de bandas que vem se estabelecendo de alguns anos para cá. Mas isso não desencoraja o público, cada vez maior e mais ávido pelas considerações levantadas pela banda em seus shows, em suas músicas, em seus discos.

E no início deste ano passou por uma turbulência interna que a obrigou a reinventar-se a partir da saída do baixista Rodrigo Damati, que deixou a banda sem atritos pouco antes da gravação do sucessor de III, o primeiro trabalho da banda como um trio. À sua saída, o líder e principal compositor da banda, o guitarrista e vocalista Teago Oliveira, achou que era hora da banda voltar a ser um quarteto, convocando o ex-integrante Lelo Brandão, o Lelão, para assumir a segunda guitarra e convidando o guitarrista mineiro radicado em São Paulo Lucas Oliveira, da banda Vitreaux, para assumir o baixo. A bateria, como sempre, ficou com Felipe Dieder.

O novo repertório já estava composto antes da mudança na formação, o que obrigou o grupo a reinventar-se musicalmente sobre as novas canções. Mas o que parecia um processo que poderia ser conturbado na verdade funcionou como um choque de realidade que fez a banda chegar a seu disco mais preciso e definitivo.

Todas as Bandeiras, seu quarto álbum, é o momento em que as indecisões anteriores parecem ter cessado para chegar ao ápice da própria sonoridade, melancólica e esperançosa ao mesmo tempo. É sua obra mais madura, mais autoral e até mesmo mais política, embora as bandeiras citadas no título não tenham vertente ideológica, falando sobre verdades e buscas pessoais do que falam sobre a política de fato – a individual.

Todas as Bandeiras abre com sua principal assinatura sonora: o casamento das guitarras de Teago e Lelão, senssentistas, cruas e quase sem efeitos de distorção, sendo que o vocalista empunha um instrumento de doze cordas. O timbre dos dois instrumentos é solar e inspirador, acalentando o ouvinte para as letras nada felizes do vocalista. “Aquela Força”, a primeira faixa, parceira de Teago com o mineiro Luiz Gabriel Lopes, da banda Graveola, fala de superação pessoal sem maniqueísmos simplistas, usando belas imagens para retratar a sensação que quer passar: “Conservar a força que faça crer que o futuro seja nosso amigo/ A mesma força que tem o grito do tigre quando corre perigo/ A fé e a força que a águia tem no alto quando vai mergulhar/ A força é essa.” Enquanto descreve este sentimento, a banda cresce em volume e peso até chegar aos versos que talvez resumam a sensação do álbum: “Você só vai saber vivendo/ Você só vai saber sendo”, canta, arrebatador, Teago.

É essa política individual que o grupo busca por todo o disco, seja na dançante faixa-título (“O tempo passa e o herói fica sozinho/ Mas em qual herói devo acreditar?”), na excelente “Clonazepam 2mg”, feita para a estrada (“O problema é o passado que bagunça a nossa visão e a noção de tempo e espaço”) ou na praiana “Você Me Deixa Legal”, com seus “uh-uhs” entre a Bahia e o Havaí. O onipresente timbre cristalino das guitarras inevitavelmente remete ao pós-punk mais melódico dos anos 80, a psicodelia dos anos 60 e a primeira surf music, mas também ecoa a guitarra baiana e a melodia elétrica dos Novos Baianos.

As deliciosas “Jogue Tudo Fora” e “Hoje Vou Sair” são irmãs conceituais e ambas falam de mudança – a primeira vira a mesa da vida e a segunda vira a mesa do dia. E até as tristes “Eu Consegui” (“eu consegui perder meu grande amor”) e “Quando Chove no Varal” (“O seu rosto tá sumindo…”) ganham ares de redenção, a primeira ao resvalar no breque do samba, a segunda nos ecos esperançosos dos acordes. “Calma” e “Valeu, Valeu!” encerram Todas as Bandeiras certas da missão cumprida.

Um trabalho multifacetado mas coeso, que contou apenas com dois agentes externos na gravação, repetindo a produção da dupla formada pelo guru do pop brasileiro deste século Rafael Ramos e o produtor – e único músico de fora da banda em Todas as Bandeiras – Leonardo Marques, os mesmos do álbum antecessor, no estúdio carioca Tambor. A mixagem ficou por conta de Otávio Carvalho, no estúdio Submarino Fantástico e a masterização é de Felipe Tichauer, feita no Redtraxx Music, na Flórida. A arte de Azevedo Lobo, que forma imagens a partir de cores diferentes, espalha-se pelas páginas do encarte e por sua capa, mostrando que diferentes tonalidades podem coexistir sem atrito. Um resumo da conexão perfeita encontrada pela banda no disco que consagra sua maturidade e abre um novo capítulo em sua saga. Os fãs, atentos, se identificam e agradecem.

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