LCD Soundsystem – This is Happening

, por Alexandre Matias

Estou há um tempinho para falar um pouco mais sobre This is Happening, o terceiro disco do LCD Soundsystem. Já havia comentado sobre o ar de tristeza e desilusão que paira sobre o álbum na minha coluna no Caderno 2, mas vale tentar se aprofundar um pouco na aparente exaustão de um dos grupos mais importantes da década passada.

Ouvido de forma superficial, This is Happening parece monótono e repetitivo, mas isso não é a base de toda a lógica por trás do LCD Soundsystem? Tanto hits de pista “Yeah”, “Tribulations”, “Time to Get Away”, “Daft Punk is Playing in My House”, “Movement” e “Losing My Edge” quanto os instrumentais insistentes de “Big Ideas”, “All My Friends” ou da versão para “No Love Lost” do Joy Division têm a repetição exaustiva como elemento-chave em sua construção sonora – sensação que se repete em outras faces do grupo, seja nos remixes, nas discotecagens de Murphy ao lado de Pat Mahoney ou na faixa de 45 minutos que compôs para a Nike. Mas essa repetição não é um conceito próprio. Ela reza num cânone que reflete uma tradição que já ultrapassa décadas e conta a história da reinvenção de Nova York no final do século 20.

Nos anos pós-Watergate, os Estados Unidos aos poucos foram perdendo o brilho reluzente do sonho americano que era vendido para o resto do mundo, desbotando e decompondo em público. E Nova York acompanhava esta decadência, mas enquanto o sorriso de Sinatra cantando “New York New York” e a imponência dos arranha-céus ia murchando (culminando, literalmente, no 11 de setembro), uma nova Nova York começou a se reinventar à partir do pouco que tinha.

É a Nova York multirracial filmada por Scorsese nos anos 70, do hip hop, do CBGB, das festas frequentadas por Andy Warhol, Pelé e Mick Jagger, do grafitti, dos subúrbios decadentes, da cocaína e do crack, dos yuppies e dos portorriquenhos. Toda a materialização vertical da utopia capitalista do meio do século sucumbia ao movimento de outsiders pelas calçadas, nas ruas, no metrô, empurrando carrinhos de supermercado e bebendo algum tipo de álcool em uma garrafa envolta por saco de papelão ou saindo de uma noite inacreditável às seis horas da manhã com uma modelo em cada braço.

Esta nova Nova York tem um período especificamente crucial no início dos anos 80, quando o punk dos Ramones, os resquícios da disco music e o início do hip hop encontram-se entre beats eletrônicos, guitarras fazendo base e muita, muita percussão. Se o pós-punk americano consegue ser radicalmente diferente do britânico (sendo, muitas vezes, resumido como new wave), em Nova York ele ganha características bem específicas, calcadas principalmente no ritmo. Artistas como Liquid Liquid, Bush Tetras, ESG, Newcleus, Y Pants e Arthur Baker são os que melhor sintetizem esta mudança, mas ela ecoa nos descendentes diretos do CBGB (especialmente quando o Blondie chama Grandmaster Flash para tocar em “Rapture” e principalmente nos Talking Heads), nos filmes de Spike Lee e vai descambar na Manchester dos anos 80, quando esta Nova York decadente, mesmo que imaginária, vira uma espécie de luz no fim do túnel da banda que sobrou após a morte do Joy Division (não dá para separar a ascensão do New Order e a criação da acid house inglesa sem a influência da grande maçã).

Eis todo evangelho do LCD Soundsystem, a Paixão perseguida por James Murphy. Esse imaginário reverbera tanto na estética de seus próprios álbuns – o globo espelhado no fundo branco da capa do primeiro disco, o “som de prata” que batiza o segundo – quanto ao compor um novo e desiludido hino para sua cidade (“New York I Love You But You’re Bringing Me Down”), mas principalmente propulsiona o grupo como força-motriz. O ritmo portanto é robótico e emborrachado ao mesmo tempo, repetitivo e percussivo, estéril e oco como estética. Lembre-se que esta Nova York é a mesma do Velvet Underground, da no wave e que Yoko Ono viu John Lennon ser assassinado – não espere que ela seja agradável e receptiva.

Gravado em uma mansão em Los Angeles, This is Happening é, mais que os discos anteriores, uma tentativa de recriar esta Nova York à distância para que Murphy siga lamentando que a cidade que chama de lar já não é o que ela foi um dia, com músicas que vão muito além dos quatro ou cinco minutos habituais da canção pop. “Ninguém mais é perigoso”, resmunga em “One Touch”, enquanto pede para ir para casa em “All I Want” (que soa como se “Hey Mr. Rain” soaria se tivesse sido composta pelo New Order) – e isso num disco que encerra com uma música chamada “Home”. “You Wanted a Hit” – com nove – acaba funcionando como miolo do disco, mesmo anticlimática e reclamona. Ele não está só negando o hit, mas também a necessidade de ser legal – “We won’t be your babies anymore”, despreza, acrescentando uma única condição, “til you take us home”, sobre riffs de rock, solo com microfonia, grooves cíclicos sintéticos e teclados ambient.

This is Happening, portanto, é repetitivo por definição, como se cada beat anunciasse a chegada do agora, sem se preocupar com passado ou futuro. Carrega a mesma tensão já associada ao LCD Soundsystem desde os primeiros singles, mas também uma melancolia quase infantil, como se James Murphy quisesse recobrar a periculosidade que sua própria cidade lhe transmitia quando começou a gostar de música. E este sentimento não é exclusivo dele.

Tags: