Kdickeano

, por Alexandre Matias

Mais uma sobre o Scanner Darkly, desta vez sobre o livro, que saiu na Folha hoje…

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Lançamentos agitam o legado do escritor

A lenta consolidação do nome de Philip K. Dick no imaginário popular chega aos 25 anos neste 2007, quando aniversariam tanto a morte do escritor norte-americano (que morreu dia 2 de março de 1982) quanto a estréia de “Blade Runner” (25 de junho daquele ano), o primeiro de seus livros a virar filme. Desde então, o escritor de ficção científica – contemporâneo de bastiões do gênero como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke, que tiveram seus dias de glória ainda em vida – passou não só apenas a ser mais conhecido e reconhecido, como lentamente o material de seus romances diz muito mais a respeito dos nossos dias do que as colônias interplanetárias e os robôs de Asimov e Clarke.

Veja este “O Homem Duplo”, que acaba de ser lançado pela primeira vez no Brasil (só existia uma edição em português, na clássica coleção lusa Argonauta – o título da versão 2006/07 segue o desta primeira edição; o original “A Scanner Darkly” contém referências à Bíblia – em especial ao capítulo 13 da Primeira Epístola aos Coríntios e o amplo significado da palavra “scanner” nos anos 70). Sem nos atermos aos maneirismos futuristas do livro, a saga do policial que tem de se infiltrar no submundo das drogas e torna-se um viciado, confundindo sua obsessão por manter-se chapado com a de descobrir as subdivisões do narcotráfico foi escrita em 1977 mas é rotina trinta anos depois – ainda mais se trocarmos “droga” por qualquer outra atividade que venha ser considerada ilegal para o estado. A esquizofrenia de uma sociedade fragmentada é uma das principais profecias concretizadas por K. Dick, que inverte o totalitarismo de George Orwell em uma visão mais multifacetada (nem por isso menos agressiva) de possíveis ditaduras do futuro

Como em seus grandes livros, o escritor usa o futuro como metáfora para explorar a natureza do ser humano e a narrativa ficcional serve como veículo para a filosofia. Escrito em duas semanas mas reescrito por seis anos, “O Homem Duplo” mistura referências autobiográficas na história, principalmente no que diz respeito ao uso de drogas – Philip é famoso por ter frito o próprio cérebro com anfentamina durante os anos 60, quando escrevia livros às dúzias.

A mesma Rocco que lança “O Homem Duplo” promete uma nova edição o livro para “Blade Runner – O Caçador de Andróides” (lançado como “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, em 1968) para o próximo mês de abril, quando a editora Aleph, que lançou no ano passado a obra-prima “O Homem do Castelo Alto” (de 1964), publica a primeira edição em português para o livro-enigma “Valis” (de 1981). A Aleph ainda promete para o segundo semestre “Ubik” (de 1969) e “Os Três Estigmas de Palmer Eldritch” (de 1965).

Nos EUA, acaba de sair o livro póstumo “Voices from the Street”, há dois filmes em produção sobre sua biografia (um com Bill Pullman vivendo o escritor e a outra com Paul Giamatti no papel) e o reconhecimento oficial do governo finalmente aconteceu quando a Library of America (a Biblioteca Nacional deles) anunciou que irá publicar “Blade Runner”, “Castelo Alto” e “Ubik” em sua coleção. Fora a edição definitiva do filme de Ridley Scott, que chega às telas no meio do ano. Nada mal para um escritor frila obcecado, paranóico e chapado que, alucinando, viu o nosso futuro.

O HOMEM DUPLO
Cotação: ****
Editora: Rocco (308 páginas)
Preço: R$ 38,50