Impressão digital #130: A geração pós-digital

, por Alexandre Matias

E na minha coluna dessa edição do Link, peguei o gancho da idade do XXYYXX pra comentar, na transversal, um assunto que o Bruno havia falado na coluna dele no Globo.

A geração pós-digital quer apenas fazer – e está fazendo
Nada está pronto; tudo está sendo feito

Marcel Everett completou 17 anos no mês passado. Morador da cidade de Orlando, na Flórida, ele produz música desde 2010, mas ainda em seu quarto. Influenciado por rappers como Ja Rule e R. Kelly, ele aos poucos foi lapidando bases e beats, desacelerando as batidas por minuto, trabalhando texturas e ambiências. No fim do ano passado assumiu um pseudônimo cifrado – XXYYXX – e uma imagem para representá-lo (o olho na pirâmide tão conhecido dos teóricos da conspiração).

Suas músicas logo começaram a correr a internet, principalmente via YouTube, até que em abril deste ano o diretor Jeff Vash, de 22 anos, do Texas, resolveu fazer um vídeo para ilustrar o clima etéreo e sem gravidade das camadas sonoras produzidas por XXYYXX. O vídeo mostra belas mulheres soltando fumaça em câmera lenta após tragar cigarros, primeiro de rosto descoberto, depois usando máscaras de bicho e aos poucos ajudou a disseminar online a música do adolescente, até que, desde o início do semestre, sua popularidade começou a crescer mais rápido do que o normal. Logo estava sendo convidado para fazer apresentações ao vivo, discotecar, dar entrevistas, muitas vezes confundindo o entrevistador. Numa delas, à revista norte-americana Vice, disse ser o cabeça da sociedade secreta Illuminati.

Uma brincadeira. Afinal, Everett tem só 17 anos e, se não fosse a internet, talvez ainda estivesse no seu quarto destrinchando camadas de som, picotando trechos de músicas alheias, acelerando vocais e desacelerando batidas. Em pouco tempo, deixaria a brincadeira de lado ou a tornaria apenas um hobby, para logo pensar em um trabalho “de verdade”, como um de seus pais deve dizer.

Já vimos esse filme durante toda a década passada. Adolescentes que, se não fosse a web, ficariam trancados no quarto, fazendo música, escrevendo, editando vídeos, tirando fotos. Alguns deles hoje têm mais de 20 anos e transformaram seu hobby em sustento. Mais do que isso: estão vivendo plenamente de suas criações, uma situação que causa inveja a muitos de gerações anteriores.

Afinal, quantos hobbys deixaram de virar carreira pois era hora de entrar em uma universidade? Quantos sonhos não foram deixados para trás pois era preciso ter uma profissão? Quantas invenções não foram abandonadas depois que muitos adultos disseram que isso era perda de tempo?

Quem tem o referencial analógico entra em parafuso ao colidir com essa geração, criando “crises” que só fazem sentido para quem viveu no século passado. Perguntam-se sobre o fim do popstar, preocupam-se em relação à falência da indústria, lamentam o fim de profissões com séculos de existência.

Mas para quem nasceu na última década do século passado estes questionamentos são secundários. Esse problema é geracional e já passamos por situações parecidas antes disso. A geração dos meus pais, por exemplo, nascida após a Segunda Guerra Mundial não consegue enxergar uma pessoa que muda de emprego várias vezes como bem sucedida. Para eles, o sucesso profissional estava associado à entrega pessoal e devotada à uma única empresa. Hoje, pode perguntar para qualquer profissional da área de Recursos Humanos, uma pessoa que passa mais de uma década num mesmo emprego é alguém sem iniciativa, passivo, estagnado.

O mesmo acontece em relação à geração pós-digital. Eles não estão preocupados com o futuro próximo porque sabem que ele está constantemente em movimento. Apegar-se a uma única profissão ou habilidade pode ser aprisionador – ou, pior, determinar a própria obsolescência. Estes novos adolescentes querem simplesmente fazer. Não querem esperar que alguém diga o que eles devem fazer. E as ferramentas digitais lhes dão liberdade plena para isso.

Se o XXYYXX vai ser um popstar ou sumir em pastas de MP3 pelo mundo, não importa. O que importa é que ele está fazendo o que quer hoje. E, continuando assim, fará o que quiser pelo resto da vida. A realidade pós-digital nos lembra que a vida é um eterno aprendizado. Nada está pronto. Tudo está sendo feito.

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