A importância do Felipe Neto no Roda Viva

, por Alexandre Matias

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A entrevista que Felipe Neto deu ao Roda Viva nesta segunda-feira não é importante só pelas questões políticas que levantou. Esquece esse papo de “nova liderança política” ou que ele talvez seja de esquerda – ele mesmo se posiciona entre o Ciro e o Amoedo, o que o tira para longe de qualquer alinhamento ideológico vermelho. A entrevista foi importante do ponto de vista comportamental.

O Brasil é um país que finge que não fala palavrão e onde a imprensa não declara voto, o que torna a visão da realidade quase sempre turva, só para ficar em dois exemplos rasos. Com quase uma década de traquejo de vídeo, Felipe vestiu a carapuça de YouTuber bem sucedido para ser recebido pelo programa de entrevistas da TV Cultura e seu sucesso empresarial é crucial para trazê-lo para este debate – não apenas seu impacto cultural. E ele usou isso como seu cavalo de Tróia para levantar questões que, quando vemos sendo tratadas na mídia convencional, sempre vêm cheias de dedos ou são tratadas como nichos esquisitos.

Felipe Neto falou sobre chamar o fascismo e o golpe de 2016 por estes nomes, algo que fez vários jornalistas menosprezarem sua fala como se ele fosse apenas um adolescente – ele tem 32 anos. Ele também criticou o paywall destas mesmas empresas e falou sobre o problema da CNN Brasil com todas as letras. Contou como parou de comer carne, zombou da noção de meritocracia e atacou a intolerância, o machismo, a homofobia e o racismo.

Tudo parece óbvio e é exatamente este meu ponto – na imprensa comercial, não é. Tudo que o YouTuber falou é repetido por centenas de milhares de pessoas no Brasil rotineiramente, mas não encontra eco nos meios de comunicação. Ou quando aparece, são tratados de forma isoladas, como se fossem realidades separadas, não parte de uma mudança maior que já está em andamento. Fala-se muito – demais até – sobre a onda reacionária que invade o mundo, mas estas transformações personificadas em Felipe, e em vários outros influenciadores, digitais ou não, deste século, estão em andamento, mas não são reconhecidas pela mídia convencional.

TVs, rádios, jornais e revistas continuam tratando a internet como um mundo à parte, um parque de diversões virtual, uma vida paralela, quando é notório que foi ela quem elegeu o pulha que hoje ocupa o Planalto e vem desconstruindo completamente nosso dia-a-dia, para o bem e para o mal. Ao aparecer no programa como uma típica cria da internet – e mostrando que ele não é um esquisito, nem um nerd, nem um bitolado, Felipe Neto conseguiu furar a bolha da mídia tradicional para mostrar que a internet é maior do que este retrato frio e sem graça que a mesma retrata em suas páginas e programas, fingindo que nada mudou.

Mas tudo mudou.

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