Entrevista: Ian McCulloch

, por Alexandre Matias

Ian McCulloch ficou famoso por comandar o Echo & the Bunnymen durante anos e criar álbuns clássicos como Crocodiles (1980) e Ocean Rain (1984). Mas ele também é conhecido por sua arrogância e sua língua ferina. Entretanto, o vocalista devia estar de ótimo bom humor quando atendeu o telefone para a entrevista que teria com a Somlivre.com.

Lançando seu terceiro disco solo, Slideling (Sum Records), ele papeou sem parar, entre risadas e observações curiosas, longe da fleuma de lorde dark da canção, reputação que construiu durante os anos 80, quando o Echo & the Bunnymen almejava tirar o título de maior banda de Liverpool dos Beatles. Os anos se passaram, o exagero e a agressividade da juventude se esvaeceu e Big Mac se tornou um crooner bem-humorado, além de refinar a linha de composição que inaugurou quando era um simples ícone do pós-punk.

Por estar conversando com um brasileiro, logo passou a falar do país e da revelação “espiritual” (o adjetivo é dele!) que teve quando de sua primeira visita por essas terras, em 1987. O bate-papo ainda passou por bandas clássicas, o sentido da vida, caipirinha… e, claro, o disco novo, que contou com participação de integrantes do Coldplay.

Slideling, terceiro álbum solo de sua carreira, conta com a participação dos músicos do Coldplay. Como isso aconteceu?
Chris (Martin, vocalista do grupo) não conheceu o Echo & the Bunnymen em sua época. Ele aprendeu tudo de uma vez só quando ganhou a caixa de CDs que saiu há uns dois anos (Crystal Days, que ainda não foi lançada no Brasil). Desde então, ele passou a dizer que eu era o maior cantor vivo, que eu era um gênio, essas coisas(ri)… Você deve ter lido sobre isso, ele não parava de falar (ri). Foi natural que nos conhecêssemos e o encontro aconteceu em Liverpool, em fevereiro do ano passado. E ele é uma pessoa ótima e naturalmente falamos em trabalhar juntos.

Foi aí que a parceria começou?
Então, certo dia, conversamos, tocamos umas músicas minhas, que eu estava trabalhando para este disco solo, e ele adorou, pediu para tocar no disco. Foi assim que as coisas aconteceram. Me senti o David Bowie (ri), cercado de fãs querendo tocar comigo! E eles realmente tinham disposição para isto, vinham para o estúdio, que fica uma hora fora de Londres. Mas eu adoro o Coldplay, acho que é uma das melhores coisas na Inglaterra hoje e a participação dos dois (Jonny Buckland é o outro integrante do Coldplay que aparece no CD) foi excelente. Deram um toque pessoal às músicas que tocaram. Eles entraram no espírito do meu disco. Sem contar que rimos muito nas gravações.

Qual é a diferença básica entre seus trabalhos solo e com o Echo & the Bunnymen?
Rir (rindo)… Mas é sério, é basicamente este espírito que tivemos com o Coldplay, de poder ficarmos mais à vontade em relação à música, à gravação, às composições… a todo o processo. Will (Sargeant, guitarrista dos Bunnymen) não é meu companheiro de risadas, de diversão – ele é um parceiro musical, temos uma conexão muito próxima, mas pouco à vontade, relaxada. Nos discos do Echo lidamos com atmosferas, climas, e não há espaço para este tipo de informalidade, as pessoas não querem isso. Eu poderia muito bem contar piadas no palco, mas além de ficar ridículo seria um desrepeito para o fã, embora muitos não ligariam para isso. Então prefiro lançar meus discos, onde posso ficar mais à vontade.

Os dois lados te satisfazem igualmente, mas você consegue ficar à vontade nos Bunnymen?
Sim, porque fui eu quem criou tudo aquilo. Entendo que você ache que seja mais tenso, mais sério – mesmo porque, na verdade, é assim. Mas não voltaria ao grupo se não me satisfizesse, se não me sentisse atraído por esta tensão. Não é algo que me incomoda, embora não me deixe à vontade. Mas não cogitaria voltar com os Bunnymen só pelo dinheiro, não ia dar. É como tocar as músicas dos Bunnymen nos meus shows solo – não são os Bunnymen, é quase como tocar um cover. São músicas para se prestar atenção e quando eu digo isto não estou me referindo às letras, aos acordes, aos detalhes… Mas ao todo. É a minha tentativa de atingir a perfeição e você não consegue isto se ficar prestando atenção só aos detalhes. Eu quero saudar as canções, quero que elas sejam hinos. As canções são a espinha dorsal dos Bunnymen – perceba que as melhores canções da gente são construídas ao redor do formato canção. Nunca é uma letra profunda, uma melodia que se destaca, simplesmente… São canções. É isso que sabemos fazer e que fazemos melhor. Como as canções são nossas unidades básicas, é a ligação entre elas que cria o corpo do trabalho, que dá a cara para o grupo. Muitos grupos compõe ótimas canções, mas se permitem brincar no palco, serem mais informais, confundir o público. Nosso conceito é uma banda que só tenha ótimas canções. São estas canções que, reunidas, criam este universo… Universo, não… Este pequeno lugar que são os shows dos Bunnymen.

A criação deste lugar foi consciente?
Sim e não. Porque estávamos criando uma banda e tínhamos nossos gostos, nossas idéias, coisas em comum que gostávamos e que, se não entravam conscientemente na banda, acabavam sendo refletidas de outra forma. Acho que isso acontece com todas as bandas, ou pelo menos com as clássicas… O universo de Andy Warhol não fazia parte do Velvet Underground, mas acabou entrando e se encaixando perfeitamente, junto com as drogas, o couro preto… O mesmo aconteceu com os Doors, com a cena jazz de Los Angeles, a cultura indígena americana e a cultura beat. Eles não formaram a banda para falar deste universo, mas a banda acabou representando tudo isso por estar naquele meio. Outras bandas também passaram por isto – os Beatles, os Stones, os Smiths… Mas estas duas bandas transformaram influências ao redor no ambiente de seus shows, um ambiente que entrava muito bem nos discos. Outra banda que também era exatamente assim era o Joy Division. E os Bunnymen. O culto aos Bunnymen busca esta ambientação, não apenas as canções ou nós como músicos ou artistas fazendo performances no palco. Nossos shows dizem respeito ao próprio público, ao ar, à iluminação – seja num bar ou numa grande casa de shows. Há uma química entre nós e o público que é maior do que nós mesmos.

E foi isso que vocês perceberam quando vieram ao Brasil…
O Brasil… Não é porque você é brasileiro, você sabe, todas as bandas que tocam aí adoram, têm temporadas excelentes, não cansam de elogiar… Seria inútil repetir tudo isto. Mas o que aconteceu no Brasil foi que quando fomos da primeira vez, em 1987, nós estávamos no topo do mundo. Nos sentíamos a melhor banda de todos os tempos – eu realmente acreditava nisso naquela época e é uma sensação indescritível. Acho que é o mais próximo que alguém pode se sentir de um César romano, hoje em dia. Aí veio o Brasil… Uau! Nós piramos. Achávamos que tínhamos controle sobre tudo, que já tínhamos passado por todas as experiências imagináveis que uma banda de rock podia passar e, de repente, aquilo. Era assustador e irresistível, convidativo e monstruoso, emoções conflitantes que nunca tínhamos pensado que existiam. Foi quando eu, quer dizer, todos nós, sentimos a força da banda. Até então tratávamos a banda como uma entidade à parte de nós, uma irmandade, uma esposa. E o Brasil mudou tudo. Percebemos que estávamos conectados a algo muito maior que a gente, muito maior que a vida em si. Falando assim, parece um tipo de epifania tropical – como se fôssemos à selva ou à praia e percebêssemos que a civilização é um erro. Não, foi justamente o contrário. Estávamos em uma cidade como São Paulo, a maior cidade que já tínhamos visto, tocando cinco noites seguidas em uma casa noturna em que todos nos observavam fixamente, que cantava todas as músicas e que sentia tudo que fazíamos. Era como se não tivéssemos corpo, como se pudéssemos atravessar aquelas pessoas sem sair do palco. A música era apenas uma energia que conduzíamos através das pessoas, como se fôssemos ímãs… Uma sensação que pode ser confundida com um superpoder, um carisma extra-humano, mas não era nada disso. Era como se descobríssemos que nós precisávamos dar em vez de receber. Foi maravilhoso… Foi como se… Como se…

… Como se vocês descobrissem que o lugar que vocês haviam criado já existisse?
Isso, exatamente! Uma experiência mística, como poder conversar com um amigo que morreu, como conseguir ver o que há por trás da vida. Foi a melhor turnê de nossas vidas. Depois disso eu passei a sonhar, de verdade, com o Brasil, como se eu voassem por cima daqueles prédios, daquelas pessoas, daquelas árvores… Uma sensação incrível. Foi como encontrar um lar espiritual, sem contar o público, que é ótimo, amável, educado, sensível… Por isso faço tanta questão de voltar, sempre.

Há previsão de volta esse ano?
Eu quero ir. Por mim, iria duas vezes: em setembro para promover meu disco e em novembro para lançar o novo disco do Echo & the Bunnymen, que vamos lançar para comemorar nossos primeiros 25 anos. Na mesma época a Warner deve estar lançando versões remasterizadas de nossos clássicos. Por isso achamos que o Brasil pudesse ser o lugar por onde começaríamos esta comemoração.

Em sua última visita ao Brasil, você se arriscou como DJ tocando músicas numa casa noturna em São Paulo. Qual sua lembrança disto?
Foi impressionante (rindo)! Eu estava meio com medo, pois nunca tinha feito isso na vida. Mas me empolgaram tanto que eu topei. No começo foi esquisito, todo mundo me olhando, eu fiquei meio sem graça. Mas quando vi que eu estava bêbado e suando sem parar, não tive outra opção senão deixar pra lá e deixar as coisas rolarem. Foi engraçado, mas não sei se repetiria. Vai depender da quantidade de caipirinhas que eu tiver à disposição (risos)!

Publicado no site da Som Livre.

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