Cena psicodélica perde Syd Barrett

, por Alexandre Matias

Meu obituário pro cara, saiu hoje na Ilustrada.

Tá certo que o luto à psicodélica estava mais para o escuro da sombra do que para o arco-íris technicolor há quase quarenta anos, mas a morte de Syd Barrett, líder fundador do grupo Pink Floyd e uma das principais personalidades dos anos 60 e da história da música pop, que aconteceu em Cambridgeshire na última sexta-feira, não deixa de ser um choque. Principal protagonista do mito do freak – o porra-louca que, quase sempre, via ácido, viaja e não consegue voltar –, Barrett mantinha-se vivo como a principal testemunha e prova viva do que pode acontecer a um gênio quando ele se entrega às drogas.

Não foi por menos que o baixista e vocalista Roger Waters, um dos líderes da banda após sua saída no fatídico 1968, saudou a volta da formação original do Pink Floyd, que aconteceu em julho do ano passado, no festival londrino Live 8. “É mesmo muito intenso estar aqui com esses três caras depois destes anos todos”, comemorou incrédulo no intervalo entre duas músicas, “mas, na verdade, estamos fazendo isso para todos que não podem estar aqui, e, particularmente, para Syd”. E a banda começou a tocar “Wish You Were Here” (“Gostaria que você estivesse aqui”), de 1975, composta em sua homenagem.

O anúncio de sua morte, provavelmente em decorrência de diabetes, que sofria há anos, aconteceu nesta terça-feira e o grupo logo publicou uma declaração a respeito do ocorrido: “A banda está naturalmente triste ao saber da morte de Syd Barrett. Syd era o farol na formação inicial da banda e deixa um legado que continua a inspirar”. Não deixa de ser irônico o fato de esta ser a primeira vez em que Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Manson se refererirem como “a banda”, pela primeira em 24 anos.

Capricorniano do dia 6 de janeiro de 1946, Barrett nasceu em Cambridge, onde formou o Pink Floyd, inspirado pela onda de rock de garagem dos anos 60 (resposta à Invasão Britânica dos Beatles e Stones) e pelo rhythm’n’blues original – de onde sacou o nome do grupo que, apesar de inicialmente dizer que viera de um sonho, logo revelou ter saído dos músicos americanos Pink Anderson e Floyd Council. Mas à medida em que começou a se envolver com drogas, ainda na adolescência, começou a derreter aquele rhythm’n’blues em algo mais… lisérgico.

Acompanhado de três estudantes de arquitetura (o tecladista Rick, o baixista Roger e o baterista Nick), começou a interferir radicalmente na estrutura das canções, adicionando elementos orientais, jazzísticos, caóticos – tudo tocado de forma simplista, com técnica limitada e ímpeto juvenil, mas que criava uma atmosfera única, multicolorida e excitante, que melhor traduziu as mudanças comportamentais na capital inglesa que a fez renascer das cicatrizes do pós-guerra. Não é exagero dizer que o Pink Floyd de Syd Barrett foi a força-motriz e o catalisador da Swinging London.

Gravaram seu disco de estréia – o maiúsculo “The Piper at the Gates of Dawn”, de 1967 –ao lado do estúdio em que os Beatles gravavam “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” e condensaram a psicodelia londrina melhor que os quatro de Liverpool. Mas a lisergia que inspirava aos poucos passou a corroer, mais do que a criatividade, a sociabilidade de Syd Barrett. E, aos poucos, Syd começou a dar pala em público: não tocava no palco, ficava mudo em apresentações para a TV, tocava músicas diferentes das da banda. Chamaram o colega de faculdade David Gilmour para segurar a onda de Barrett por uns tempos, mas no início de 68, o fundador do grupo foi afastado e substituído oficialmente por Gilmour. Dali, começaria uma nova jornada, a transformação do Pink Floyd de culto underground a um dos maiores nomes da história do rock.

E a consolidação de Syd Barrett como a primeira e emblemática vítima do excesso. Outros – fatais – vieram logo depois (Jim, Jimi, Janis, Jones), mas Syd, vivo, lançando discos de psicodelia dark (“Madcap Laughs” e “Barrett”, do início dos anos 70, e a coletânea “Opel”, de 88) ao mesmo tempo em que a banda renovada cultuava sua loucura rumo ao megaestrelato, em discos como “Dark Side of the Moon” e “Wish You Were Here”, só aumentava a luz de uma carreira rápida, mas brilhante.

A morte de Syd Barrett vem num momento crucial para o Pink Floyd, que acaba de lançar o DVD do disco “P.U.L.S.E.” e, pouco depois do show de retorno da banda no Live 8, relançou seu último disco, “The Final Cut”, em edição de aniversário. Embora não fale oficialmente numa inevitável turnê de retorno, David Gilmour vem excursionando seu novo disco, “On an Island”, com Rick Wright nos teclados, e Roger Waters vem fazendo a sua turnê do disco “Dark Side…”, com a presença ocasional de Manson na bateria. Para o final do ano, eles prometem o lançamento da edição comemorativa de “Wish You Were Here”, que agora deverá incluir tributos póstumos a Barrett.

E o culto a Syd Barrett segue inabalado e talvez cresça, apenas pelo simples fato de hoje ser possível para qualquer mortal assistir – e não apenas ler sobre –as incríveis apresentações ao vivo da primeira encarnação do grupo, além de ver Barrett em diferentes momentos de sua existência – da primeira viagem de cogumelo em 1965 aos programas de TV frustrados pela loucura de Barrett até um mórbido vídeo de Syd passeando na rua nos anos 90. Tá tudo no YouTube (www.youtube.com), é só digitar o nome dele. E viajar.