#AgoraÉQueSãoElas: Sou mulher, por Roberta Martinelli

, por Alexandre Matias

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Pedi para a Roberta Martinelli escrever um texto sobre o #AgoraÉQueSãoElas aqui para o Trabalho Sujo e ela me veio com essa bela bofetada.

Sou mulher. Mas já fui menina e já fui muitas vezes menino e homem (sem nunca ter sido). Funciona assim: tenho dois irmãos, sou a mais velha e desde pequena não gosto de bonecas, mas sempre ganhei bonecas das tias, avó, família…eu não gostava mas tinha pena de falar para elas e oferecia para meus irmãos “eu deixo você quebrar ela se você me der um carrinho dos que ganhou” e assim cresci, ouvindo “ a Roberta é meio menino”.

Na adolescência lembro que fui viajar com umas amigas, algumas com namorados outras não (eu era do time das solteiras) e no meio da viagem fui apelidada de Betão pelos namorados, afinal a gente conversava bastante, eu não tinha, segundo eles, as “frescuras das garotas” e eu era tão amiga dos meninos que era um homem para eles.

Com 18 anos resolvi estudar teatro e nunca consegui fazer um papel feminino, me falavam que eu não entendia a delicadeza, a fragilidade, a sensualidade da mulher. Eu sofria, chorava, não entendia porque não podia “ser uma mulher” se eu era uma mulher. E fazia papéis masculinos, e com o tempo passei a adorar ser ator. Era tão ator que quando acabou a peça de final de curso a mãe da “minha namorada” na peça que tinha me achado um cara lindo ficou chocada de saber que eu era mulher.

Eu não usava vestidos, eu não usava saia, e achava que isso era ser forte. Eu tinha aprendido assim. Aprendi que não gostar de bonecas me tornava “meio menino”, conversar sem “frescuras” me tornava um amigão e que sem ser frágil, sensual eu seria um ator e não atriz. Quantas lições erradas para uma mulher em formação.

Depois do teatro comecei a trabalhar em rádio e depois ainda em TV (com o meu programa Cultura Livre na TV Cultura) e aí virei apresentadora, comecei a usar maquiagem, saia, vestido e entendi que eu podia ser vaidosa, me cuidar e que isso não ia diminuir o que eu era. Eu entendi, mas agora tenho que explicar.

Quando aderi a dita feminilidade, fui tratada como menor por chefes, diretores, em testes. Eu passei a ser tratada como “a apresentadora” – estereótipo da mulher bonita que não entende nada do assunto que fala. E sempre foi uma briga lutar pelo conteúdo, uma cara de surpresa quando percebiam que eu sabia mais que os homens em volta, uma cara irritante de surpresa (mas que ao mesmo tempo me fazia sair orgulhosa).

Quando ainda era atriz fui fazer um teste de publicidade e na hora que cheguei tinha um produtor que separava as meninas entre “a bonita” e “a outra”, quem ficava com a placa de “a outra” ficava triste (claro) mas ficar com “a bonita” era bem puxado também. Depois de horas de espera entrei com a minha placa, eu era “a bonita” e uma assistente de direção que coordenava o teste disse “Faz um sorriso, uma cara, enfim você estudou bastante para ser bonita”. Eu fiquei com tanto ódio e disse “para ser bonita eu não estudei nada, estudei para outras coisas que não vai dar para te mostrar neste teste ridículo que você estudou para fazer” óbvio que não peguei o comercial – não estudei o suficiente para engolir sapos.

Agora escrevendo, eu fico na dúvida se não estou fazendo drama. Será isso ainda reflexo de uma culpa de assumir as dificuldades de encarar uma posição de frente como mulher?

Falando em ser mulher, nas últimas semanas muitas mulheres resolveram escrever contando as barbaridades que sofreram. Li relatos impressionantes de assédio. Muito triste. Pensei nos meus e que louco perceber que como eu acreditei nesta baboseira que eu era homem, nunca encarei meus assédios como tal. Eu lembro quando eu era pequena, 6 anos e dois meninos me prenderam no banheiro na escola e a professora começou a bater palmas para irmos para a classe (era o sinal analógico ainda da minha escolinha) e o Beto disse “Você só sai se beijar o Thiago” e eu disse “Mas eu quero beijar você, não ele” E beijei. Porque quis e porque pude.

Brinquei muito com carrinhos, fui Betão, fui ator mas jamais prenderia alguém no banheiro para conseguir um beijo. E isso não é coisa de homem ou de mulher, é de ser humano.

E na foto que ilustra o post está a própria Roberta, caracterizada como Luis, na peça À Prova de Fogo, de Consuelo de Castro.

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