A abertura da escotilha

, por Alexandre Matias

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Escrevi lá no meu blog no UOL como tudo que assistimos de Westworld até aqui pode ter sido apenas um prefácio para a história de verdade.

Quantas perguntas Westworld precisa responder em seu décimo episódio, que vai ao ar na virada deste domingo para segunda-feira, para encerrar a primeira temporada da série? O programa, inspirado no filme de mesmo nome dirigido por Michael Crichton nos anos 70 e produzido por J.J. Abrams e Johnathan Nolan, já pode ser considerado um dos grandes acontecimentos televisivos do ano e o saldo de dúvidas que poderá ser quitado neste season finale pode determinar se o nível de genialidade da proposta e da execução da série até agora será coroado com uma conclusão à altura das expectativas suscitadas. E, ao que tudo indica, será.

Por isso, se você não acompanha Westworld, assistiu alguns episódios sem dar a devida atenção ou está entretido em algum lugar do meio da primeira temporada, pare de ler este texto agora. A partir daqui vem uma sequência de spoilers e especulações sobre o que falta acontecer no seriado que pode estragar a surpresa de quem ainda está tateando seu rumo neste futuro de robôs idênticos a seres humanos. Se este for o seu caso, sugiro que leia o texto que escrevi no começo da semana exaltando a importância da série sem entregar o ouro. E para evitar algum acidente, jogo uns gifs animados na sequência para não correr o risco de estragar a surpresa de ninguém.

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bernard

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Para começar, quais perguntas ainda precisam ser respondidas? Ao contrário da série que deu fama a um de seus produtores (Lost, de JJ Abrams), Westworld já respondeu a grande maioria dos questionamentos que levantou, alguns diretamente, outros insinuados de tal forma que só faltam serem mencionados literalmente para confirmarmos a certeza. Nesta última categoria, uma dessas questões – que ajuda a entender a estrutura da série – ficou evidente aos seus espectadores: estamos assistindo a cenas de uma mesma história que acontecem em épocas diferentes, e a edição – ao lado do fato dos “hosts” (os androides quase perfeitos da série) não envelhecerem – é recortada de forma a nos enganar que estamos assistindo a fatos que acontecem numa mesma época.

A linha do tempo de Westworld até agora nos apresenta a três diferentes etapas, embaralhadas propositadamente para nos confundir: uma época que aconteceu mais de trinta anos atrás, quando Ford e Arnold criaram aquele universo; outra que acontece trinta anos atrás, quando Dolores mata Arnold pouco antes da abertura de Westworld ao público e outra que acontece no presente, quando alguns robôs começam a sofrer a mesma pane que Dolores sofreu trinta anos antes, provocando o desequilíbrio daquele faroeste artificial.

Ford e Arnold são os criadores daquele universo. Desenvolveram a robótica e a inteligência artificial a um ponto tão complexo que seus robôs passaram no teste de Turing, aquele criado por Alan Turing no meio do século passado para determinar seu um interlocutor era um ser cibernético ou natural. A partir desta descoberta criaram Westworld, um ambiente falso, inspirado no velho oeste norte-americano, que seria habitado por aqueles robôs.

O problema era que cada um deles tinha uma visão sobre como aquele universo deveria funcionar. Arnold, encantado com sua obra, queria que ela evoluísse ainda mais, atingindo um ponto em que descobrisse a natureza de sua existência e ganhasse consciência de fato. Ford considerava tal evolução perigosa e preferia que os robôs funcionassem como meros brinquedos para os seres humanos, transformando Westworld em um parque de diversões para adultos.

No período que antecede a morte de Arnold, Westworld era um universo sendo ensaiado, com robôs caubóis lentamente começando a aprender como comportar-se naquele novo cenário. E Dolores – o primeiro robô – era a criação favorita de Arnold, que ele ensina a percorrer um caminho para que ela consiga atingir a própria consciência. Este caminho – “o labirinto” – é percorrido duas vezes pela personagem em épocas distintas, mas como os robôs não envelhecem, a edição do seriado faz que as mudanças entre tempos diferentes pareçam acontecer simultaneamente.

Há outro detalhe, explicado em um dos episódios mais recentes, sobre a natureza da memória da inteligência artificial. Enquanto nossas lembranças, humanas, desgastam-se com o tempo e tornam-se quase opacas quando comparadas com a realidade que habitamos, as dos robôs – por sua natureza sintética – podem ser acessadas de forma quase instantânea e intacta, fazendo que uma lembrança, mais do que algo nostálgico, possa ser praticamente revivida. É isso que tem acontecido com Dolores enquanto ela refaz, sozinha no presente, o mesmo caminho que percorreu com William há trinta anos. E também com Maeve quando ela se lembra de sua vida anterior, em que tinha uma filha.

Arnold, portanto, conseguiu fazer que Dolores percorresse este caminho por conta própria, rumo à própria consciência. A natureza de Bernard, nos revelada nos episódios mais recentes não apenas como ele mesmo sendo um robô, mas também um robô-clone para onde Ford conseguiu transferir a consciência de Arnold depois de sua morte, explica que as cenas em que o assistimos interrogando Dolores com o vestido azul (diferente dos interrogatórios de robôs no presente, em que eles todos estão nus) aconteceram antes da inauguração de Westworld.

Dolores é o robô favorito de Arnold, que ele, em segredo, conduz rumo à consciência. O que provavelmente assistiremos neste último episódio é a confirmação de que Dolores é Wyatt, o grande vilão de uma das primeiras narrativas. No penúltimo episódio, vimos que Teddy maquiava a lembrança de um passado genocida como a memória da guerra. E que ele foi um dos principais agentes na matança que ocorreu pouco antes da abertura do parque ao público, quando Arnold foi morto por Dolores. É quase certo que a cena que vimos sendo descrita como Wyatt matando o general seja encenada, de fato, por Dolores e Arnold – o ponto crucial da tomada de consciência da robô.

O grande trunfo de Westworld, no entanto, não é a revelação destes mistérios – mas a execução desta revelação. O momento em que Bernard é revelado como sendo um robô não é propriamente um grande segredo, mas uma confirmação de uma suspeita, orquestrada de forma sutil e sublime (a estranheza que uma simples pergunta – “que porta?” – pode causar). O mesmo está para acontecer com a confirmação de que William é o Homem de Preto trinta anos mais tarde.
Há questões parentes destas espalhadas por todo último episódio, algumas delas meras desconfianças, outras, fortes indícios. A própria natureza de Westworld é dúbia e passamos a questionar a humanidade de todos os outros personagens. Ford é um robô? Theresa era um robô? Os dois funcionários cúmplices de Maeve são robôs? Todo Westworld é um enorme ecossistema de robôs, tanto hosts quanto guests peças num enorme xadrez cibernético?

E qual é a grande nova narrativa de Ford? A saída de Maeve? Será que a segunda temporada de Westworld vai para além do universo que já conhecemos? E qual é o papel da Delos em toda essa história?

Essa é a minha aposta. Ao chegarmos aos limites da semelhança e estranheza entre humanos e máquinas, o próximo passo a ser dado é contemplá-la no mundo real. O velho dilema entre homens e robôs que é clássico na ficção científica – de Eu, Robô a Matrix – é mais uma vez atualizado em uma série cujo tema é a construção de narrativas que nos confunde ao mesmo tempo que nos encanta. É como se todas as perguntas sobre a natureza da ilha de Lost fossem respondidas ainda na primeira temporada. Estamos prestes a ver a descoberta de uma nova escotilha de Desmond para descobrir que a Delos é uma Iniciativa Dharma muito mais refinada (e, aparentemente, mais gananciosa) para entender o papel de Westworld junto ao resto do planeta (se é que Westworld fica nesta planeta…).

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