2017, por Brian Eno

, por Alexandre Matias

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O mau agouro de 2016 inevitavelmente paira sobre o início de 2017 e o lado bom desse ceticismo grave deste janeiro é começar a se preparar para o pior – e estar a postos para tudo. Hora de ressuscitar o bom e velho mote “paranóia é precaucação”, pensar sempre nos piores cenários, que tudo que vier é lucro. O Brian Eno vai além e cogita que os sustos que tomamos no ano passado (e não estou falando nem dos mortos conhecidos, que, inevitavelmente, tendem a aumentar a cada ano) possam ser o inicio do tal despertar da consciência coletiva que começa a repensar conceitos básicos para o convívio humano e rotula os últimos quarenta anos (minha existência inteira e da maioria dos que lerão este texto) como um período de descivilização, que começamos a sair agora. Traduzi o post que ele escreveu em sua página do Facebook:

2016/2017
O consenso entre muitos de meus amigos parece ser que 2016 foi um ano terrível e o começo de um longo declínio rumo a algo que nós nem queremos imaginar.

2016 foi de verdade um ano muito duro, mas imagino que seja o fim – e não o começo – de um longo declínio. Ou pelo menos o começo do fim… Pois acho que estamos num declínio por cerca de 40 anos, atravessando um lento processo de decivilização, mas sem realmente perceber isto até agora. Lembro-me daquela história do sapo dentro de uma panela cheia de água que vai esquentando devagar…

Este declínio inclui a transição da segurança do emprego ao emprego precário, a destruição de sindicatos e a diminuição dos direitos trabalhistas, contratos de risco, o desmantelamento de governos locais, serviços de saúde caindo aos pedaços, um sistema de educação mal pago governado por resultados de testes sem sentido e rankings de escolas, a cada vez mais aceitável estigmatização dos imigrantes, o nacionalismo impulsivo e a concentração de preconceitos permitida pelas mídias sociais e pela internet.

Este processo de descivilização nasceu de uma ideologia que esnobava a generosidade social e festejava uma espécie de egoísmo direito (Thatcher: “A pobreza é um defeito de caráter”. Ayn Rand: “Altruísmo é mau”). A ênfase em um individualismo irrestrito teve dois efeitos: a criação de uma enorme quantidde de riqueza e o afunilamento desta na mão de um número cada vez menor de mãos. Hoje as 62 pessoas mais ricas no mundo têm tanto dinheiro quanto o de toda a metade de baixo da população reunido. A fantasia de Thatcher/Reagan que toda essa riqueza iria “escorrer” e enriquecer a todos simplesmente não aconteceu. Na verdade aconteceu o oposto: os salários reais da maioria das pessoas está em decadência há pelo menos duas décadas, ao mesmo tempo em que suas perspectivas – e as perspectivas para seus filhos – parecem cada vez mais obscuras. Não é à toa que as pessoas estão com raiva e dando as costas para soluções dos governos que tratam tudo como sempre. Quando governos prestam atenção àqueles que mais têm dinheiro, as enormes desigualdades de riquezas que vemos agora fazem troça da ideia de democracia. Como George Monbiot disse: “A pena pode ser mais forte que a espada, mas a bolsa é mais forte que a pena.”

No ano passado as pessoas começaram a acordar para isso. Muitas delas, com raiva, pegaram o primeiro objeto parecido com um Trump que viram e o usaram para acertar o Sistema na cabeça. Mas estes foram os despertares mais notáveis, mais agradáveis à mídia. Enquanto isso há uma movimentação quieta mas igualmente poderosa: as pessoas estão repensando o que quer dizer democracia, o que quer dizer sociedade e o que precisamos fazer para que elas possam funcionar novamente. As pessoas estão realmente pensando e, mais importante, pensando em voz alta, coletivamente. Acho que passamos por uma desilusão em massa em 2016 e finalmente percebemos que é hora de sair da panela.

Isso é o começo de algo grande. Que envolverá engajamento: não só tweets e likes e swipes, mas ação política e social criativa e inspiradora também. Envolverá perceber que algumas destas coisas que tomávamos como certas – alguma aparência da verdade nos relatos, por exeplo – não podem mais vir de graça. Se você quer boas reportagens e boas análises, você deve pagar por isso. Isso quer dizer DINHEIRO: apoio financeiro direto para publicações e sites que lutam para contar o lado não corporativo e fora do sistema da história. Da mesma forma que se quisermos crianças felizes e criativas, temos que tomar conta da educação, não deixá-la para ideológos ou simplificadores. Se quisermos generosidade social, devemos pagar nossos impostos e nos livrar dos paraísos fiscais. Se quisermos políticos sérios, devemos parar de escolher os que são meramente carismáticos. A desigualdade come o coração de uma sociedade, faz nascer o desdém, o ressentiento, a inveja, a suspeita, os maus tratos, a arrogância e a insensibilidade. Se quisermos qualquer tipo decente de futuro, temos que nos livrar disso e acho que já começamos a fazer isto.

Há tanto para fazer, tantas possibilidades. 2017 deverá ser um ano surpreendente.

Eu discordo um tanto sobre esse papo de dinheiro em caixa alta e sobre “você deve pagar”. Este mesmo período de descivilização que ele diz é o período de produtização de tudo, inclusive das pessoas – sempre regido pelo denominador comum mais raso possível, o dinheiro. Acho que enquanto não pensarmos em um futuro pós-capitalista, continuaremos a repetir os mesmos erros de sempre.

Mesmo assim, feliz ano novo. Mais foco, mais disciplina, mais saúde e mais sossego pra todo mundo.

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