20 anos de Trabalho Sujo

, por Alexandre Matias

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Eu nunca havia pensado em ser jornalista. Sempre fui viciado em jornais e revistas de papel e por informação e conhecimento, viesse de onde viesse; além de ser fissurado tanto por ler quanto por escrever. Fiz fanzines e jornaisinhos de escola desde que nasci, em Brasília, mas o destino me levou a fazer Ciências Sociais na Unicamp e lá também fiz um jornal, desta vez com meus amigos de faculdade. Uma edição foi parar na redação de um dos jornais da cidade, que me chamou para colaborar com o caderno para o público adolescente à época, peculiarmente chamado de Diário Pirata. Fiquei quase um ano no Pirata, quando soube que o caderno ia ser extinto. Me deram duas opções: jornalista de cidades ou cobrir automóveis. Pedi demissão e voltei pra academia.

Mas o bicho do jornalismo já havia me mordido e eu sabia que era um caminho sem volta. Em menos de uma semana, há vinte anos, estava rascunhando digitalmente meu primeiro fanzine de fato, escrevendo no Word, diagramando no PageMaker, ilustrando no Corel Draw e escaneando e recortando fotos no Photoshop. Ele não se concretizou como eu havia pensado, mas depois de ser abduzido mentalmente pelo jornalismo, fui absorvido comercialmente pelo mesmo e comecei a publicar meu fanzine na contracapa do caderno de cultura do Diário do Povo às segundas-feiras. Depois, como já escrevi, passei para a central do caderno de domingo, a contracapa do caderno de sábado, um link entre a seção de suplementos do primeiro site do jornal, depois um site no Geocities, depois no Gardenal, que me levou a fundar OEsquema, que morreu este ano. Vinte anos depois, o site está na própria URL bem como nas principais redes sociais – e eu cada vez mais distante das engrenagens da ainda principal força-motriz do jornalismo brasileiro, mas não do jornalismo.

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Em grande parte destes vinte anos de Trabalho Sujo – que coincidem também com meus 21 anos de profissão – sempre tive o Sujo como uma atividade paralela, um hobby descompromissado, uma atividade mais prazeirosa do que profissional. O que pagava as minhas contas era o trabalho em redação, seja nas duas concorrentes locais que frequentei em Campinas (primeiro como repórter, depois como ilustrador e editor de arte no Diário do Povo e como editor do caderno de cultura do Correio Popular), em redações de espírito startup em empresas em ascensão (como editor-executivo e editor da falecida Play na editora Conrad e como editor-chefe de conteúdo do projeto Trama Universitário, da gravadora Trama) ou em redações tradicionais (até dizer chega) no Estadão (onde editei o Link) e na editora Globo (onde dirigi a redação da Galileu).

Mas foi a partir de uma provocação do Wagner “Mr. Manson” Martins (com quem hoje divido dois projetos paralelos, que conto em breve) que me fez entender a importância do Trabalho Sujo em minha carreira. Em uma mesa sobre cultura digital (em uma das primeiras edições do YouPix, se não me engano), Manson soltou que quando alguém tem um blog bom, é quase certeza de que ele está desempregado – pois quando ele tem um emprego ele não tem tempo para o blog. Entendi a mensagem como um desafio, pois isso foi um pouco antes de sair da Trama ou logo depois de entrar no Link, e lembro que comecei a manter a regularidade e a constância no Trabalho Sujo quase como uma resposta à provocação de Manson. Mas ao mesmo tempo era uma forma – como ainda é hoje – tanto de organizar as áreas que acompanho quanto de me forçar a caçar novidades e exercer meu espírito crítico, a treinar meu texto e explorar formatos de edição. Muitas coisas que apliquei nos empregos que tive na última década foram testadas anteriormente no Trabalho Sujo ou em seus braços nas redes sociais (que não existiam há dez anos).

Mas a frustração quase constante com a maioria das empresas de comunicação brasileiras e uma inquietação que me incomoda a cada vez que alguém menciona o fim do jornalismo a partir de um sintoma de má adminstração de uma destas empresas me fez entender que meu papel como jornalista independe de quem está me contratando. Mais do que isso: o Trabalho Sujo é o meu veículo e ele me abre tantas portas – ou mais – do que quaisquer empregos anteriores. Isso sem contar que é um sobrenome que eu escolhi. Não preciso me apresentar como sendo “do jornal tal” ou “da revista tal” para que me reconheçam.

Ao mesmo tempo, o caráter multiplataforma do Sujo me fez batizar minha festa com o nome do site e que começasse a organizar cursos que levassem seu nome como carimbo autoral. Isso me fez escolher trabalhar diretamente com meu público, que eu conheço dos comentários e em algumas situações pessoalmente, em vez de ter que imaginar um público-alvo fictício ou ter de dar satisfações para este ou aquele patrocinador. Até hoje eu não tenho plano de negócios nem media kit porque não fiz o que faço pensando neste tipo de ação. É uma escolha pessoal, uma estética própria, um caminho que aponto e que pode ser seguido por quem quiser, pagando ou não por isso ou não.

E, cada vez mais a partir de agora, é o meu negócio. É o meu veículo, o meu emprego, o que me satisfaz tanto pessoal quanto profissionalmente. É o meu jornal, minha rádio, minha emissora de TV, minha revista e meu portal – meu vínculo com um público que tem mais ou menos a minha idade e que gosta mais ou menos do mesmo tipo de coisas do que eu. Não estou me referindo a rótulos como “cultura pop”, “indie rock”, “mashup”, “ficção científica”, “mercado independente”, “seriados”, “dance music”, “filmes alternativos”, “remix” ou “internet”. Há uma intersecção gigantesca entre essas tags e outras que por ventura posso agregar a elas e essas intersecções formam a teia editorial do Trabalho Sujo. Falo sobre um monte de coisas que todo mundo fala, meu diferencial é o meu sotaque, meu tom de voz, meu ponto de vista, meu senso de humor, minha linha editorial, que tento deixar clara, sem cair na conveniente armadilha da isenção e da imparcialidade que as empresas de comunicação costumam armar.

O aniversário de 20 anos de Trabalho Sujo, portanto, marca o início de uma série de ações e novidades que começo a anunciar hoje e que continuo até para além da data do aniversário, dia 20 de novembro. A festa de aniversário já está marcada para o dia seguinte desta data, que deve trazer mais novidades. Antes desta, começo a antecipar algumas das coisas que bolei para este ano, começando pelo curso O Outro Lado da Música, que estou fazendo na Unibes Cultural e cuja primeira aula começa nesta terça-feira, gratuitamente, com aula sobre psicodelia brasileira ministrada pelo Fernando Rosa, do site Senhor F.

Este curso é só o começo: muitas novidades vêm por aí. E cada vez mais, meu lema faz mais sentido: só melhora!

(E a intervenção dos “20 anos” sobre o logotipo feito pelo Jairo é da Juj Azevedo, que está me ajudando numa dessas novidades.)

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