18 de 2018: Built to Spill em Belo Horizonte

, por Alexandre Matias

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Doug Martsch nos devia uma visita desde os anos 90, quando as poucas dúzias que sabiam o que era Built to Spill no Brasil brigavam para saber qual era o melhor disco da banda, There’s Nothing Wrong with Love, Perfect from Now On ou Keep it Like a Secret (este último é o meu favorito) e quando as primeiras bandas norte-americanas começaram a vir para o Brasil graças a esforços de pequenos produtores brasileiros. Era um tempo em que comemorávamos a vinda do Seaweed ou do Man or Astroman? como se fosse a do Sonic Youth ou dos Pixies, numa época em que essas bandas nem em sonho cogitavam vir para o Brasil. O termo indie ainda designava um jeito de trabalhar e aos poucos se transformava em gênero musical, um rótulo tão difuso e pouco específico quanto “rock alternativo” ou “MPB” e as pessoas ainda discutiam por música de forma passional.

Vinte anos depois, a maioria das bandas gringas que podiam vir ao Brasil já vieram, os pequenos produtores se tornaram marcas estabelecidas e abriram caminhos para novos players que hoje realizam festivais anuais trazendo artistas que estão acontecendo agora no exterior, independentemente do tamanho comercial que tenham em seus países. O clichê do telejornal que dizia que “o Brasil entrou na rota dos shows internacionais” foi tão repetido que parou de ser dito – e isso também diz respeito ao mercado de médio porte. O termo indie tornou-se uma hashtag qualquer e está tão próximo da música quanto da publicidade e da moda – e a vinda do Built to Spill para o Brasil por algum motivo ainda parecia ser uma utopia distante.

Quando aconteceu, em 2018, lavou a alma dos poucos fãs que nos anos 90 esperavam por aquele momento. Ainda tive a felicidade de assistir à passagem do grupo por Belo Horizonte, cidade que pode ser considerada um marco zero deste movimento, uma vez que sediou o mítico BHRIF, trazendo o Fugazi pela primeira vez ao Brasil em 1994, e também era a cidade onde funcionava a produtora Motor Music, que trouxe vários indies no Brasil no final do século passado, de Jon Spencer Blues Explosion a Superchunk, passando por Stereolab, Yo La Tengo e Tortoise, semeando as sementes que germinaram este enorme pomar que é esta cena atualmente.

Assisti ao show ao lado do próprio Martsch, do lado do palco do impressionante casarão que é o Automóvel Clube da cidade, e do querido Marcos Boffa, que há vinte e cinco anos realizou o BHRIF para fundar pouco depois a própria Motor ao lado do Jeff e da Fernanda. Foi neste momento que várias fichas caíram: na bateria do Built to Spill estava Lê Almeida, da heróica Transfusão Noise Records e do Escritório, dois focos de resistência cariocas do faça-você-mesmo; o Built to Spill era o headliner do festival Música Quente, do Marcelo Salgado, que vi começando a carreira nos tempos em que a onda era ter um blog; o show estava vindo para o Brasil graças à produtora Powerline do Leandro “Emo” Carbonato, que também vi começando a trabalhar na Trama Virtual para depois aprender a trazer bandas gringas para o Brasil quando esteve no Clash – e por aí foi. Juntando aqueles vários elementos na cabeça enquanto ouvia um guitar hero indie debulhar seu instrumento em solos intermináveis me deu a sensação de que uma etapa havia sido cumprida e a música no Brasil já estava mesmo em outro patamar em relação ao resto do mundo. Mesmo quando estamos falando apenas em indie rock, que parece ser a descrição de um gênero frágil e arrogante ao mesmo tempo, mas que na verdade resume um jeito de fazer as coisas, mesmo em tempos de crise.

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