13 de 2013: Às ruas!

, por Alexandre Matias

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13 de junho de 2013: mais um protesto em São Paulo organizado pelo Movimento Passe Livre e muitos olhos fixos no que estava acontecendo, pessoal ou virtualmente. Havia algo no ar, era táctil – aquela noite não seria uma noite comum e não apenas por sediar uma nova manifestação. Os dois jornais da cidade haviam dado o recado para a PM em seus editoriais – tinham que “retomar a Paulista” pois chegara a “hora do basta” -, o que poderia ser entendido como “podem baixar o sarrafo nesse bando de vagabundo protestando e quebrando vitrines que a gente faz vista grossa”. Queria ter ido pra rua, mas estava no fim do fechamento da edição de julho da Galileu e não tinha outra alternativa a não ficar na frente do computador, esperando as últimas páginas da revista chegarem para finalmente sair do trabalho (algo que não aconteceu antes da meianoite). Mas à medida em que a coisa começou a ficar feia e tornou-se claro que a violência policial era regra e não exceção, fiz minha parte, como milhares de outros: comecei a distribuir links de vídeos e de comentários de quem estava na rua para o resto da internet. Logo logo começavam a me enviar links quando viram que meu foco online estava em cima disso e minha audiência foi crescendo consideravelmente – até OEsquema saiu do ar porque não aguentou a nova leva de acessos e muitos vieram me perguntar se era uma conspiração (eu ria internamente pois estava fechando uma edição cuja capa era sobre teorias da conspiração – batizei minha Carta ao Leitor de “Dias Estranhos” não por outro motivo). Era uma quinta-feira e, madrugada adentro, milhares estavam grudados às telas para ver o show de covardia e violência da PM liderada por Geraldo Alckmin. A farta distribuição de vídeos e imagens tornou impossível uma provável vista grossa da imprensa. Nem “Gangnam Style”, “Harlem Shake” ou a canela do Anderson Silva sendo partida ao meio: o grande viral de 2013 aconteceu durante a virada do dia 13 para o dia 14 de junho.

Depois disso, os protestos iniciados pelo Movimento Passe Livre tomaram uma proporção inacreditável e a segunda-feira seguinte, dia 19, foi o dia em que o Brasil travou. Milhões foram às ruas, boa parte influenciada contra a covarde violência policial do dia 13, mas milhares sem a menor noção do que estava fazendo ali além de participar de uma passeata histórica. Novos gritos de guerra foram surgindo e o “não são só 20 centavos” (sobre o aumento do preço da tarifa de ônibus em São Paulo) levou as manifestações seguintes para lugares mentais que ninguém havia cogitado. Aos poucos slogans de publicidade (“vem pra rua” e o infame “o gigante acordou”) foram adotados pelos novos manifestantes e muitos viram uma oportunidade de se aproveitar do momento – e por algumas horas muitos temeram o pior (ou “o melhor”, dependendo do ponto de vista) – guerra civil, quebra-quebra generalizado, golpe de estado. A multidão foi às ruas contra o que parecia ser um pífio aumento de passagem de ônibus e logo bandeiras se levantavam genéricas contra a corrupção, contra partidos políticos específicos e até contra a política de representatividade. Todo mundo quis tirar um naco do recém-acordado “gigante”, que, na infância de sua política, deslumbrou-se com a própria força e perdeu a noção nos dias que se seguiram ao #sp19j. Agências de bancos e concessionárias de automóveis foram quebradas, carros da imprensa foram queimados, muitos foram presos sem motivo e tanto a Mídia Ninja e quanto os black bloc encontraram na fúria das ruas a deixa perfeita para crescer em público.

Junho de 2013 foi um marco político importante para o Brasil: são as chamadas “dores de crescimento” por qual todo adolescente passa. Só agora estamos tomando consciência de nossas obrigações e direitos políticos, de nossa cidadania, daquilo que já deveria ser nosso. Temos uma nova classe média usufruindo de bens de consumo mas que, passo a passo, percebe que não basta apenas comprar – é preciso que as instâncias governamentais funcionem além das iniciativas tapa-buraco. A classe política brasileira tomou um susto do qual ainda não se recuperou – e é bom que percebam logo isso, pois cada político brasileiro, por mais desprezível e insignificante que seja, sabe exatamente qual é a sua parcela de culpa nessa história (não se esqueçam da respeitabilidade que o senador Demóstenes Torres tinha antes de vir a público sua participação na máfia de Carlos Cachoeira no ano passado – há muitos outros Demóstenes bradando por ética até hoje). Cada político, cada empresário e agora… cada cidadão. Os ecos deste mês ainda permanecem no ar e pairarão sobre nossas cabeças por um bom tempo. E a expressão “quero ver na Copa” ganhou um sentido inusitado e otimista.

Mas olhando para o quadro geral, não estamos falando apenas dos protestos de junho nem da política com “p” minúsculo – essa de câmaras de vereadores, prefeitos, governadores e presidentes. Parte da motivação dos protestos é inconsciente e tem mais a ver com horas parados no trânsito, terrenos baldios que viram estacionamentos para depois erguerem-se prédios, da especulação imobiliária e da onipresença dos shopping centers no Brasil há duas décadas. Queremos as ruas, “ocupar o espaço público” como repete o silencioso mantra por trás da eleição de Haddad em São Paulo, dos protestos contra Cabral no Rio de Janeiro e ações publicitárias que vão de carona nesse zeitgeist. Política com “P” maiúsculo pois não se faz apenas no voto nem em exigências contra “nossos representantes” – ela pode ser feita em nível comunitário. Quando você quer melhorar a calçada em frente da sua casa, poder sair mais ao ar livre, utilizar transporte público decente e começa, você mesmo, a fazer alguma coisa nesse sentido – em vez de esperar ou reclamar do governo – está sendo mais político do que os que se dizem políticos. Foi assim que o Movimento Passe Livre começou em 2005 e, oito anos depois, virou o país do avesso.

Outros protestos virão, mas não basta apenas protestar: é preciso fazer. Mas, como acabamos de descobrir isso, pode ser que essa ação leve mais tempo que esperamos. Afinal, é um processo cultural sobre um país que formou-se entre a violência e a corrupção. Não basta pedir o fim disso (pedir pra quem?), é preciso começar a dar exemplos – denunciar quem fura a fila, não aceitar nem pagar suborno, não falsificar carteira de estudante pra pagar mais barato (que tal não ir?). Vai levar tempo. Mas era preciso começar isso, de alguma forma: e começamos tomando o que já é nosso, o espaço público.

Afinal, a Paulista ficou parada com protestos noturnos durante um mês inteiro e nem por isso São Paulo entrou em colapso. Que tal transformar a avenida-símbolo da cidade num calçadão. Seria uma boa metáfora para um futuro próximo. Vamos?

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